O mais importante tratado militar do século XIX foi publicado em 1832, em alemão, com o título "Vom Kriege", em português, "Da guerra", pelo general prussiano Karl Von Clausewitz. Clausewitz confirma, com sobras, a ideia que me sugeriu Sun Tzu, em "A arte da guerra", de que o general nada mais é do que o grande administrador da organização militar. Numa única frase, encontrada no Livro 2, Capítulo 1 de "Da guerra", ele resume um conjunto inteiro de razões para se ter como válido este conceito. Ele diz:
"A arte da guerra é a arte de empregar em combate os meios que lhe forem atribuídos."Assim como "A arte da guerra", de Sun Tzu, "Da guerra", de Clausewitz, é essencialmente um manual para a administração de exércitos.
Toda guerra é uma tragédia humana, isto não se discute. Mas, as guerras, de um modo geral, apesar das mortes e destruição causadas, sempre serviram de forte motivação para o desenvolvimento tanto da pesquisa científica, quanto das técnicas de administração.
Como ciência do bom uso dos recursos materiais e humanos de uma organização para atingir seus objetivos, a administração teve nos exércitos, durante as guerras, laboratórios extremamente ricos de possibilidades de experimentos com grandes volumes de recursos, concentrados pelos soberanos nas mãos de seus generais.
Clausewitz fala do seu conceito de guerra, da preparação e da condução do exército numa guerra, da organização do exército em tempos de paz, de tática, estratégia, do uso, enfim, dos recursos do exército em combate.
O administrador de uma empresa ou de um partido político, pode encontrar no que ele diz muitas analogias com as "batalhas" que tem que enfrentar em seu ramo de atividade. Porque, afinal de contas, tanto os partidos e empresas, quanto os exércitos, são organizações, distintas, uma da outra, apenas pelo tipo de objetivo - político, empresarial ou militar - e, evidentemente, pelos meios usados para alcançá-los.
Abaixo, alguns trechos de "Da Guerra", de Clausewitz.
Livro 1 - Capítulo 1
"A guerra nada mais é do que um duelo em grande escala. Inúmeros duelos fazem uma guerra, mas pode ser formada uma imagem dela como um todo, imaginando-se um par de lutadores. Cada um deles tenta, através da força física, obrigar o outro a fazer a sua vontade. O seu propósito imediato é derrubar o seu oponente de modo a torná-lo incapaz de oferecer qualquer outra resistência.
A guerra é, portanto, um ato de força para obrigar o nosso inimigo a fazer a nossa vontade.
A força, para opor-se à força oponente, mune-se de invenções da arte e da ciência. Existem certas limitações auto-impostas e imperceptíveis, vinculadas à força, que mal merecem ser mencionadas, conhecidas como legislação e costumes internacionais, mas elas pouco a enfraquecem. A força - isto é, a força física, porque a força moral não possui existência a não ser como expresso no Estado e na legislação - constitui assim o meio de que dispõe a guerra. Impor a nossa vontade ao inimigo constitui o seu propósito. Para atingir aquele propósito devemos fazer com que o inimigo fique impotente e este é, em tese, o verdadeiro intuito da guerra. Este intuito toma o lugar do propósito, descartando-o como algo que na realidade não é parte da guerra propriamente dita.
(...)
Livro 1 - Capítulo 2
A guerra abrange tudo que está relacionado com as forças combatentes - tudo que está ligado à sua criação, manutenção e emprego. A criação e a manutenção são apenas meios, evidentemente. O seu emprego constitui o fim.
O combate na guerra não é uma luta entre indivíduos. É um todo constituído de muitas partes e neste todo podem ser percebidos dois elementos, um determinado pelo motivo e o outro pelo propósito.
A grande quantidade de combatentes existente num exército produz incessantemente novos elementos que fazem parte de uma estrutura maior. A atividade combatente de cada uma destas partes constitui um elemento mais ou menos claramente definido. Além do mais, o próprio combate torna-se um elemento da guerra pela sua própria finalidade, pelo seu propósito. Cada um destes elementos que tornam-se distintos no decorrer da luta é denominado engajamento.
Se a ideia de combater é a base de qualquer emprego das forças combatentes, então o seu emprego significa simplesmente o planejamento e a organização de uma série de engajamentos. Toda a atividade militar deve estar, portanto, direta ou indiretamente relacionada com o engajamento. O fim para o qual um soldado é recrutado, vestido, armado e adestrado, todo motivo dele dormir, comer, beber e marchar é simplesmente que ele possa lutar no lugar certo e no momento certo.
Se todos os fios que constituem o tecido da atividade militar levam ao engajamento, então se controlarmos o engajamento abrangeremos todos eles. Os seus resultados são produzidos pelas nossas ordens e pela execução dessas ordens, nunca diretamente por outras condições. Como tudo no engajamento está concentrado na destruição do inimigo, ou melhor, das suas forças armadas, o que é inerente ao seu próprio conceito, então a destruição das forças armadas do inimigo é sempre o meio através do qual é atingido o propósito do engajamento.
O propósito em questão pode ser a destruição das forças do inimigo, mas não necessariamente. Pode ser bem diferente. Como mostramos, a destruição do inimigo não é o único meio de atingir o propósito político quando existem outros propósitos pelos quais é travada a guerra. Portanto, esses outros propósitos podem tornar-se também o propósito de determinadas operações militares e, assim, o propósito dos engajamentos. Mesmo quando alguns engajamentos secundários destinam-se diretamente a destruir as forças oponentes, essa destruição não precisa ser a sua primeira e imediata preocupação.
Tendo em mente a complexa estrutura de um exército e os inúmeros fatores que determinam o seu emprego, podemos ver que a atividade combatente de tal força está sujeita também a uma complexa organização, divisão de funções e combinações. Às unidades isoladas muitas vezes devem ser atribuídas evidentemente tarefas que não dizem respeito à destruição das forças inimigas, que podem de fato aumentar as suas perdas, mas fazendo isto apenas de uma maneira indireta.
Se for determinado a um batalhão que expulse o inimigo de um morro, de uma ponte, etc., normalmente o verdadeiro propósito será ocupar aquele ponto. A destruição da força do inimigo é apenas um meio para chegar a um fim, uma questão secundária. Se uma mera demonstração de força for suficiente para fazer com que o inimigo abandone a sua posição, o propósito terá sido atingido, mas geralmente o morro ou a ponte só será tomada para que possa ser infligido um dano ainda maior ao inimigo.
Se isto é verdadeiro no campo de batalha, será ainda mais no teatro de operações, onde não são apenas dois exércitos que estão se enfrentando, mas dois Estados, dois povos, duas nações. A gama de situações possíveis e, portanto, de opções, é significativamente aumentada, bem como a variedade de planos, e a gradação de propósitos nos diversos níveis de comando afastará ainda mais os meios iniciais do propósito final.
(...)
Só existe um meio na guerra: o combate, mas a multiplicidade de formas que o combate assume nos leva a tantas direções diferentes quanto as que são criadas pela multiplicidade de propósitos, de modo que a nossa análise não parece ter feito qualquer progresso. Mas não é bem assim: o fato de que só existe um meio constitui um fio que corre ao longo de toda a teia da atividade militar e na realidade a mantém inteira.
(...)
Livro 2 - Capítulo 1
Essencialmente, portanto, a arte da guerra é a arte de empregar em combate os meios que lhe forem atribuídos. Não existe um termo melhor para ela do que 'condução da guerra'. Para ser preciso no seu sentido mais amplo, a arte da guerra compreende todas as atividades que existem por causa da guerra, tais como a formação das forças combatentes, o seu recrutamento, armamento, equipamento e adestramento.
(...)
A condução da guerra consiste, portanto, no planejamento e na condução da luta. Se a luta consistisse num único ato, não seria necessário fazer qualquer outra subdivisão. Como no entanto ela consiste num número maior ou menor de atos isolados, cada um deles completos em si mesmos, que, como ressaltamos no Capítulo 2 do Livro I, são denominados 'engajamentos' e formam novas entidades, isto dá origem às atividades totalmente diferentes de planejar e executar esses próprios engajamentos, e de coordenar cada um deles com os outros, de modo a procurar atingir o propósito da guerra. Uma delas tem sido chamada de tática e a outra de estratégia.
(...)
De acordo com a nossa classificação, portanto, a tática ensina o emprego das forças armadas no engajamento. A estratégia, a utilização dos engajamentos para atingir o propósito da guerra.
(...)
Para resumir: vimos claramente que as atividades características da guerra podem ser divididas em duas categorias principais: aquelas que constituem meramente os preparativos para a guerra, e a guerra propriamente dita. A mesma distinção deve ser feita também na teoria.
O conhecimento e as qualificações envolvidas nos preparativos dirão respeito à criação, ao adestramento e à manutenção das forças combatentes. É irrelevante o nome que dermos a eles, mas abrangerão obviamente assuntos como artilharia, fortificações, a assim chamada tática elementar, bem como a organização e a administração das forças combatentes, etc.
Por outro lado, a teoria da guerra propriamente dita diz respeito ao emprego destes meios, uma vez que foram criados para os fins a que se destina a guerra. Tudo o que ela exige do primeiro grupo é o produto final, uma compreensão das suas principais características. É a isto que chamamos de 'a arte da guerra' num sentido mais estrito, ou de 'a teoria da condução da guerra', ou de 'a teoria do emprego das forças combatentes'. Para os nossos fins, todas elas significam a mesma coisa.
A teoria mais estrita dedica-se, portanto, ao engajamento, à luta propriamente dita, e trata estas questões como marchas, acampamentos e alojamentos como condições que podem ser mais ou menos idênticas a ela. Ela não abrange as questões relativas ao abastecimento, mas as levarão em conta do mesmo modo que outros fatores determinados.
A arte da guerra, no sentido mais estrito, deve ser agora dividida em tática e estratégia. A primeira trata da forma do combate isolado, a segunda com a sua utilização. Ambas só afetam a condução das marchas, dos acampamentos e dos alojamentos através do engajamento. Elas tornam-se questões táticas ou estratégicas na medida em que dizem respeito à forma ou à importância do engajamento.
(...)
Livro 2 - Capítulo 2
Na tática os meios são as forças combatentes adestradas para o combate. O fim é a vitória.
(...)
O meio original da estratégia é a vitória - isto é, o êxito tático. Os seus fins são, em última análise, aqueles propósitos que levarão diretamente à paz. O emprego deste meio para alcançar estes fins advirão dos fatores que o influenciarão em maior ou menor grau.
Estes fatores são o ambiente geográfico e a natureza do terreno (o primeiro compreende o território e a população de todo o teatro de guerra), a hora do dia (inclusive a época do ano) e as condições do tempo (especialmente ocorrências não habituais, tais como uma temperatura extremamente baixa, e assim por diante).
A estratégia, ao fazer uma conexão entre estes fatores e o resultado de um engajamento, confere um significado especial àquele resultado e, assim, ao engajamento: ela atribui a ele um propósito especial. No entanto, na medida em que aquele propósito não levar diretamente à paz, continua sendo um propósito secundário e deve ser também considerado como sendo um meio. Os engajamentos bem sucedidos, ou as vitórias em todos os graus de importância, podem ser considerados portanto meios estratégicos. A tomada de uma posição é um engajamento bem sucedido em termos de terreno. Não apenas os engajamentos isolados com propósitos especiais devem ser classificados como meios: qualquer unidade maior, formada por uma combinação de engajamentos voltados para a consecução de um propósito comum, também pode ser considerada um meio. Uma campanha de inverno é uma destas combinação em termos da época do ano.
O que permanece no que diz respeito aos fins são, portanto, apenas aqueles propósitos que levam diretamente à paz. Todos estes fins e meios devem ser examinados pelo teórico de acordo com os seus efeitos e com as relações existentes entre uns e outros.
(...)
Livro 2 - Capítulo 3
Concluímos portanto que a guerra não pertence ao domínio das artes nem ao das ciências. Ela é mais precisamente parte da existência social do homem. A guerra é um conflito de grandes interesses, que é resolvido através do derramamento de sangue - que é a única maneira pela qual ela difere de outros conflitos. Em vez de compará-la a uma arte, deveríamos compará-la com maior precisão ao comércio, que também é um conflito de interesses e de atividades humanas e que está ainda mais próximo da política que, por sua vez, pode ser considerada uma espécie de comércio em maior escala. A política é, além do mais, o útero em que se desenvolve a guerra - onde os seus contornos já existem na sua forma rudimentar, como as características de criaturas vivas em seus embriões.
(...)
Livro 3 - Capítulo 8
Na tática, como na estratégia, a superioridade numérica é o elemento mais comum na vitória. Analisemos esta característica genérica, que exige a exposição a seguir.
A estratégia determina o momento e o lugar em que será travado o engajamento e as forças que dele participarão, e através desta tríplice atividade exerce uma considerável influência sobre o seu resultado.
Uma vez travado um combate tático e estando assegurado o resultado, - seja a vitória ou a derrota - a estratégia o usará para servir ao propósito da guerra. Normalmente este propósito é evidentemente remoto, e só raramente encontra-se facilmente ao nosso alcance.
Uma série de propósitos secundários pode servir como um meio para a consecução desta meta final. Estes meios intermediários, que são meios para atingir fins mais elevados, podem ser na prática de diversos tipos.
Mesmo o propósito final, o propósito de toda a guerra, é diferente em quase todos os casos.
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Uma vez travado um combate tático e estando assegurado o resultado, - seja a vitória ou a derrota - a estratégia o usará para servir ao propósito da guerra. Normalmente este propósito é evidentemente remoto, e só raramente encontra-se facilmente ao nosso alcance.
Uma série de propósitos secundários pode servir como um meio para a consecução desta meta final. Estes meios intermediários, que são meios para atingir fins mais elevados, podem ser na prática de diversos tipos.
Mesmo o propósito final, o propósito de toda a guerra, é diferente em quase todos os casos.
(...)
Ao determinar o momento e o local do engajamento, e as forças a serem empregadas, a estratégia propõe diversas possibilidades, cada uma das quais exercerá um efeito diferente sobre o resultado do engajamento.
(...)
(...)
É evidente (...) que a superioridade numérica num determinado engajamento é apenas um dos fatores que determinam a vitória. Números superiores, longe de contribuir totalmente, ou até mesmo numa parte significativa, para a vitória, podem estar na realidade contribuindo muito pouco, dependendo das circunstâncias. Mas a superioridade possui vários graus. Pode ser de dois para um, ou de três ou quatro para um, e assim por diante. Pode chegar evidentemente ao ponto em que é esmagadora.
Neste sentido a superioridade numérica é evidentemente o fator mais importante no resultado de um engajamento, enquanto for suficientemente grande para compensar todas as outras circunstâncias que contribuem para este resultado. Ocorre, portanto, que devem ser empregadas no engajamento, no ponto decisivo, o maior número de soldados possível.
(...)
Estes exemplos podem mostrar que na Europa moderna, até mesmo o General mais talentoso achará muito difícil derrotar um oponente que tenha duas vezes a sua força. Quando observamos que a competência dos maiores comandantes pode ser contrabalançada por uma razão de dois para um em termos de forças combatentes, não podemos ter dúvida de que nas situações normais, seja o engajamento grande ou pequeno, uma significativa superioridade numérica (não precisa ser mais do que o dobro) será suficiente para assegurar a vitória, por mais adversas que sejam as outras circunstâncias. É possível imaginar, evidentemente, um desfiladeiro numa montanha, onde até mesmo uma superioridade de dez para um não seja suficiente, mas numa situação destas não podemos na realidade falar de um engajamento. Acreditamos que nas nossas circunstâncias, e em outras semelhantes, um fator essencial é possuir força no ponto realmente vital. Normalmente este é na realidade o fator mais importante. A obtenção de força no ponto decisivo depende do poderio do exército e da competência com que este poderio é empregado.
A primeira regra deve ser, portanto: colocar no campo de batalha o maior exército possível. Isto pode parecer um lugar comum, mas na realidade não é.
(...)
(...)
Se uma pessoa estiver realmente convencida de que muita coisa pode ser obtida através de uma superioridade significativa, esta convicção está fadada a influenciar os preparativos para a guerra. O propósito será então levar para o campo de batalha a maior força possível, seja para obter uma vantagem, ou pelo menos para assegurar que o inimigo não a obtenha. Isto é tudo o que tínhamos a dizer com relação ao poderio total que deve ser empregado ao travar uma guerra.
(...)
Livro 5 - Capítulo 5
Por 'formação de batalha' referimo-nos à distribuição e à composição das armas como partes individuais do todo, bem como a disposição que servirá como uma forma padrão durante toda a campanha, ou durante toda a duração da guerra.
Assim, num certo sentido a formação de batalha consiste num componente aritmético e num geométrico: organização e disposição. O primeiro tem origem na organização normal do exército em tempo de paz. Determinadas partes, como batalhões, esquadrões, regimentos e baterias são tratados como unidades que servem como blocos de construção para estruturas maiores que, por sua vez, formam o conjunto, dependendo das exigências do momento. Semelhantemente, os planos do exército começam pelas táticas elementares nas quais foi instruído e adestrado em tempo de paz - características não sujeitas a alterações fundamentais uma vez deflagrada a guerra. Isto, juntamente com as situações que exigem o uso das tropas na guerra e que, numa maior escala, estabelecem as normas segundo às quais o exército é disposto para a batalha.
Esta tem sido sempre a regra quando grandes exércitos vão para o campo e houve até mesmo épocas em que a formação de batalha era considerada a parte mais importante do combate.
Nos Séculos XVII e XVIII, quando a evolução das armas de fogo causou uma grande expansão da infantaria e tornou possível dispor soldados em colunas longas e esparsas, a formação de batalha foi certamente simplificada, mas o seu manejo exigia também uma maior competência. Além disto, uma vez que o único lugar para a cavalaria parecia ser nas alas - fora do alcance do fogo inimigo e com espaço para manobrar - o exército, uma vez disposto em formação de batalha, tornava-se um conjunto sólido e indivisível. Se este exército fosse dividido ao meio, era como uma minhoca cortada ao meio: as duas extremidades ainda estavam vivas e capazes de movimentar-se, mas haviam perdido as suas funções naturais. As forças combatentes eram mantidas portanto no que equivalia a uma escravidão à coesão: era necessário realizar uma pequena proeza de desarticulação e de reorganização sempre que um segmento tivesse que ser empregado separadamente. Quando o exército como um todo tinha que realizar uma marcha, encontrava-se, por assim dizer, fora do seu elemento adequado. Quando o inimigo estava quase ao seu alcance, a formatura para a marcha exigia a máxima criatividade para manter uma coluna ou uma ala a uma distância correta da outra, independentemente dos obstáculos que encontrasse. Era constantemente necessário deixar o inimigo para trás, e isto só não tinha consequências desastrosas porque o inimigo estava submetido à mesma escravidão.
Na segunda metade do Século XVIII, descobriu-se que a cavalaria poderia proteger as alas da mesma maneira, sendo posicionada atrás do exército, formando como que uma extensão da linha e, além disto, que ela poderia ser empregada para outros fins que não simplesmente travar duelos com a cavalaria do inimigo. Este foi um grande passo adiante, quanto mais não fosse pelo motivo de que a totalidade da frente de um exército - a largura do seu dispositivo - era agora composta de unidades homogêneas: podia ser dividida em qualquer número desejado de unidades, que eram semelhantes umas às outras e ao conjunto. Neste ponto, o exército deixou de ser um monólito e se tornou uma entidade multi-articulada, que era maleável e flexível. As unidades podiam ser facilmente destacadas e reincorporadas sem perturbar a formação de batalha. Este foi o início dos corpos constituídos de todas as armas - ou, mais precisamente, foi isto que tornou-os possíveis. A necessidade deles há muito tinha sido sentida.
Na segunda metade do Século XVIII, descobriu-se que a cavalaria poderia proteger as alas da mesma maneira, sendo posicionada atrás do exército, formando como que uma extensão da linha e, além disto, que ela poderia ser empregada para outros fins que não simplesmente travar duelos com a cavalaria do inimigo. Este foi um grande passo adiante, quanto mais não fosse pelo motivo de que a totalidade da frente de um exército - a largura do seu dispositivo - era agora composta de unidades homogêneas: podia ser dividida em qualquer número desejado de unidades, que eram semelhantes umas às outras e ao conjunto. Neste ponto, o exército deixou de ser um monólito e se tornou uma entidade multi-articulada, que era maleável e flexível. As unidades podiam ser facilmente destacadas e reincorporadas sem perturbar a formação de batalha. Este foi o início dos corpos constituídos de todas as armas - ou, mais precisamente, foi isto que tornou-os possíveis. A necessidade deles há muito tinha sido sentida.
Deve ser esclarecido que tudo isto tinha início na batalha, que costumava ser toda a guerra e que será sempre o seu principal elemento. Mas a formação de batalha é na realidade mais uma questão de tática do que de estratégia, e o motivo pelo qual reconstituímos aqui a sua evolução é mostrar como a tática, reorganizando todo o exército em unidades menores, abriu o caminho para a estratégia.
Com o aumento do tamanho dos exércitos, e a sua distribuição ao longo de áreas mais amplas, quanto mais cada uma das suas partes pudesse integrar-se efetivamente, mais seria ampliada a esfera de ação da estratégia. A formação de batalha, como a definimos, estava portanto fadada a interagir com a estratégia, e a interação é mais acentuada naqueles pontos em que a estratégia e a tática se encontram - em outras palavras, onde a disposição geral das tropas passa para o verdadeiro posicionamento para a batalha.
Passamos agora aos tópicos da organização, combinação e disposição das forças, como vistos sob o ponto de vista da estratégia.
1. Organização
De um ponto de vista estratégico, nunca deveríamos perguntar qual deveria ser o efetivo de uma divisão ou de um corpo do exército. A pergunta apropriada é quantas divisões ou corpos deve ter um exército. Não existe nada mais difícil de administrar do que um exército dividido em três partes, exceto possivelmente um exército dividido em duas. Neste último caso, o General em comando estará praticamente paralisado.
Determinar o efetivo de grandes ou pequenos corpos do exército, com base em premissas táticas ou operativas, deixa uma incrível margem para a adivinhação, e os argumentos mais fantásticos têm sido utilizados nesta questão. Ao contrário, é evidente e aceito que um conjunto independente como um corpo do exército deve ser constituído de um determinado número de partes. Este fato permite a utilização de razões genuinamente estratégicas para estabelecer o número de unidades que uma grande força deve conter, e qual deve ser o seu efetivo. Enquanto isto, o efetivo de unidades menores, como companhias, batalhões e assim por diante, pode basear-se em premissas táticas.
É difícil conceber até mesmo o menor conjunto independente sem possuir três partes distintas: uma para ser enviada à frente da força principal e outra para cobrir a retaguarda. Quatro partes seria evidentemente ainda melhor, uma vez que a parte do meio, constituindo o corpo principal, deve ser mais forte do que as outras duas. Podemos ir até oito, que em nossa opinião é o número ideal para qualquer exército, admitindo que sempre será necessária uma parte para a vanguarda, três para o corpo principal - uma ala direita, o centro e uma ala esquerda - duas para reserva e uma para ser enviada para a direita e outra para a esquerda. Seria pedante insistir nestes números. Ainda assim, em nossa opinião eles refletem o padrão normal, o mais comum, de disposição e, consequentemente, um sistema de articulação conveniente.
Não há como negar que o comando supremo de um exército (e o comando de qualquer força independente) será significativamente mais simples se as ordens só tiverem que ser transmitidas a outros três ou quatro homens. Ainda assim, o General terá que pagar caro por esta vantagem, de duas maneiras. Primeira: uma ordem sofre uma perda progressiva em velocidade, em vigor e em precisão, quanto maior for a cadeia de comando que tiver que percorrer, que é o que ocorre quando existem comandantes entre os comandantes de divisão e o General. Segunda: o poder pessoal e a eficácia de um General diminuem em função do aumento da esfera de ação dos seus subordinados mais próximos. Um General pode fazer com que a sua autoridade sobre 100.000 homens seja sentida mais intensamente se ele comandar por meio de oito divisões do que por meio de três. Existem vários motivos para isto, sendo que o mais importante é que um comandante subordinado acha que tem ume espécie de direito de propriedade sobre todas as partes do seu corpo de exército e quase que invariavelmente fará objeção a que qualquer parte seja retirada, por pouco tempo que seja. Qualquer pessoa com experiência de guerra será capaz de entender isto.
Por outro lado, o número total de partes não deve tornar-se tão grande que resulte em confusão. É bastante difícil lidar com oito subdivisões de um comando. Dez é provavelmente o limite. No caso de uma divisão, entretanto, na qual existam muito menos recursos para transmitir ordens que serão transformadas em ação, quatro, ou no máximo cinco sub-unidades deve ser considerado o número adequado.
Se estes números de cinco e dez não resolverem o problema - em outras palavras, se as brigadas ficarem muito grandes - deve ser então introduzido o comando do corpo. Mas deve-se ter em mente que isto acrescenta um outro poder à cadeia de comando, ao mesmo tempo em que reduz todos os outros.
De qualquer modo, quando é que uma brigada é grande demais? O seu tamanho normal é de dois a cinco mil homens, e parece haver dois motivos para este limite superior. O primeiro é que a brigada destina-se a ser uma unidade que um homem possa comandar diretamente através do poder da sua própria voz. O segundo é que um grande corpo de infantaria não deve ser deixado sem artilharia. Uma combinação destes dois fatores produzirá automaticamente uma unidade especial.
Não queremos envolver-nos demais nestas sutilezas táticas, nem pretendemos entrar na questão controversa de quando e em que proporções as três armas devem ser combinadas - se em divisões de 8.000 a 12.000 homens, ou em corpos de 20.000 a 30.000. Mas certamente, até mesmo os mais ferrenhos opositores destas combinações não negarão que só uma combinação das três armas pode tornar uma unidade do exército independente. Armas combinadas são portanto desejáveis, é o mínimo que se pode dizer para qualquer unidade que encontre-se frequentemente operando isoladamente.
Um exército de 200.000 homens divididos em dez divisões, com cinco brigadas para cada divisão, terá 4.000 mil homens em cada brigada. Não há qualquer disparidade nisto. O exército pode evidentemente ser dividido em cinco corpos, cada um com quatro divisões de quatro brigadas, e as brigadas terão portanto 2.500 homens. Mas considerando apenas em tese, a primeira organização parece ser preferível. A segunda não só contém um nível de comando a mais, como cinco subdivisões é muito pouco para um exército. Elas o tornam difícil de manobrar, e o mesmo é verdadeiro para quatro unidades por corpo. Além disto, 2.500 homens tornariam uma brigada fraca, e haveria oitenta delas em vez de cinqüenta na primeira organização, que é portanto mais simples. Todas estas vantagens são abandonadas em benefício da redução pela metade do número de Generais aos quais tem-se que dar ordens. No caso de exércitos menores, deve ser evidente que dividi-los em corpos seria ainda menos adequado.
Esta é a visão teórica da questão. Um determinado caso pode levar a decisões diferentes. Pode ser perfeitamente possível comandar oito ou dez divisões concentradas numa planície, mas poderia ser impossível se elas estivessem amplamente dispersas num terreno montanhoso. Um exército dividido em dois por um rio largo precisa de um comandante para cada metade. Em suma, existem centenas de situações locais, válidas e específicas, com as quais a regra teórica deve transigir.
Apesar disto, a experiência demonstra que as razões teóricas são utilizadas mais frequentemente e deixadas para o lado muito menos vezes do que podemos supor.
Gostaríamos de esclarecer o propósito destas observações através de uma simples apresentação em linhas gerais, que resumirá os pontos salientes lado a lado.
Se o termo 'subdivisões do conjunto' for interpretado como referindo-se apenas aos primeiros componentes, ou aos componentes imediatos, afirmamos que:
a. O conjunto será difícil de manobrar se tiver muito poucas subdivisões.
b. Se as subdivisões forem grandes demais, a autoridade pessoal do comandante será reduzida.
c. Todo elo adicional à cadeia de comando reduz o efeito de uma ordem de duas maneiras: através do processo de ser transmitida e pelo tempo adicional necessário para transmiti-la.
Ocorre que o número de subdivisões com o mesmo status deve ser o maior possível e a cadeia de comando a menor possível, sendo que a única restrição a ser feita é que é difícil exercer o comando sobre mais do que oito a dez subdivisões num exército, e sobre mais do que quatro a seis delas em unidades menores.
2. Combinações de Armas do Exército
Sob o ponto de vista estratégico, uma combinação de forças na formação de batalha só é importante para aquelas partes do conjunto que em situações normais poderiam ser posicionadas separadamente e obrigadas a travar um engajamento independente. É a ordem natural das coisas que as grandes unidades e, essencialmente apenas estas, sejam empregadas independentemente. A razão, que iremos demonstrar em outro lugar, é que as posições separadas baseiam-se, na maioria dos casos, na ideia e na necessidade um conjunto independente.
Num sentido restrito, portanto, a estratégia deveria exigir que apenas os corpos de exército ou, na falta deles, as divisões fossem constituídas de uma combinação permanente de todas as armas. No caso de unidades menos importantes, seria suficiente fazer combinações temporárias para atender às necessidades do momento.
Mas é evidente que corpos de grande porte, digamos de 30.000 a 40.000 homens, raramente serão encontrados operando como um conjunto não dividido. Qualquer corpo deste porte precisará de uma combinação de armas em suas divisões. Qualquer pessoa que negue os atrasos que ocorrem, para não falar da confusão que resulta, quando para ajudar a infantaria tem que ser enviada uma unidade de cavalaria de algum outro lugar - possivelmente bem distante - revelará uma total falta de experiência operativa.
Até que ponto deve ir a verdadeira combinação das três armas, quão rigorosa deve ser, em que proporções deve ser feita, e quanto de cada uma deve ser mantida na reserva - todos estes são problemas puramente táticos.
3. Disposição
As providências que determinam a posição relativa de cada grupo na formação de batalha são também uma questão totalmente tática, estando relacionadas apenas com a batalha propriamente dita. Existe, evidentemente, uma disposição estratégica, mas esta depende inteiramente dos planos e das exigências do momento. Se existe uma base racional, ela não está contida no significado da expressão 'formação de batalha'. Ela será portanto examinada sob o tópico 'Disposição do Exército'.
A formação de batalha de um exército é portanto uma organização e uma disposição de um grupo pronto para a batalha. As suas partes são organizadas de tal maneira que podem ser facilmente destacadas do grupo e empregadas para atender às exigências do momento, tanto táticas como estratégicas. Quando estas necessidades momentâneas não existirem mais, as partes voltarão à sua posição original. Assim, a formação de batalha é a primeira etapa daquela rotina [pg.180 do PDF] salutar que, como um pêndulo, regula o mecanismo da guerra, e que já foi analisada no Capítulo Quatro do Livro Dois.
(...)
Livro 8 - Capítulo 6-A
Uma vez mais: a guerra é um instrumento da política. Ela deve manter necessariamente as mesmas características da política e ser medida pelos seus padrões. A condução da guerra, em suas linhas gerais, é portanto a própria política, que ergue a espada em lugar da caneta, mas por causa disto não deixa de pensar de acordo com as suas próprias leis."
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