sexta-feira, 12 de setembro de 2014

O descaso com administração partidária pode levar o PT ao fracasso como projeto de partido socialista democrático. Diálogo com Carlos Ocké.

(Comentário publicado em 11/9/2014, no Facebook, sobre um texto postado, um dia antes, pelo companheiro Carlos Ocké, membro suplente do 1º Diretório Zonal)

Sem organização, a democracia partidária não funciona. E, sem democracia partidária funcionando, a disputa política interna acaba sendo um jogo do qual só a vanguarda participa, deixando de fora a quase totalidade da base partidária.

Só se derrota o estalinismo num partido socialista, democratizando esse partido. Para democratizar um partido, é preciso, antes de tudo, criar mecanismos que permitam a incorporação de todos os seus filiados no debate político interno e no processo de tomada de decisões. E a criação e manutenção desses mecanismos de participação da base, dependem não só da vontade, mas da capacidade de planejamento, organização e liderança dos dirigentes das instâncias partidárias.

A democracia é um regime de governo que não vive só de discursos. Dá, realmente, um bocado de trabalho. Quem faz questão da participação das massas, tem que ir ao encontro das massas e oferecer a elas canais de participação. E "canais de participação" são "canais de comunicação". Comunicação entre cada filiado e seus pares e comunicação entre todos os filados e a direção partidária.

A construção e manutenção desses canais de comunicação ou participação exige planejamento, organização e disciplina de trabalho partidário. E é exatamente por falta disso tudo que o PT acabou se tornando um tipo de partido que, já em seu 5º Encontro Nacional, de 1987, previa que pudesse virar, se se descuidasse desses imperativos.

Por falta de planejamento, organização e disciplina, o PT acabou virando "um partido de massas frouxo, inorgânico, sem cotizações regulares, cada um fazendo o que bem entende e chamando filiados para fazer número em convenções, como qualquer partido burguês". (5º Encontro Nacional, 1987).

Infelizmente, não há uma tendência sequer, dentro do PT, que trate de maneira séria a questão da organização partidária. Acho, aliás, que esse é um problema de todos os partidos de esquerda. E, no entanto, não há nada que possa funcionar direito dentro de um partido sem organização. Sem organização a comunicação interna não funciona e isso mata a democracia partidária, além de comprometer inteiramente o poder de ação do partido na sociedade.

Portanto, Carlos Ocké, se a democracia partidária depende da comunicação interna do partido, e se a comunicação interna do partido depende da implementação de uma correta política de organização partidária, negligenciar a discussão e o tratamento das questões organizativas dentro do PT é, na prática, contribuir para a manutenção do poder das "frações estalinistas e autoritárias", já que manter a desorganização partidária é o melhor meio de manter à margem de debates e decisões a imensa maioria dos filiados.

Não adianta ter um discurso democrático e adotar uma política que compromete a democracia. Esse é o erro, a meu ver, grosseiro, das tendências auto-consideradas como "a esquerda do PT". No que diz respeito ao tema da democracia partidária, todas as tendências se igualam, alinhadas à direita, na medida em que contribuem para a perpetuação de uma política que exclui a quase totalidade da base, dando inaceitável exclusividade de participação e poder a uma vanguarda, não sem razão, cada vez menor e envelhecida.

Não há, dentro do PT, nenhuma luta interna entre projetos de organização partidária. Sobre este tema, infelizmente, estão todos do mesmo lado: o lado da omissão. E é isso, meu amigo, o que pode levar o PT à derrota, como projeto de partido socialista democrático, de massas e de quadros, militante e dirigente.

Um abraço, Carlos Ocké.

Só para completar. Em 5 de julho de 2013, num debate de que participava, na lista de e-mails do 1º Diretório Zonal, eu disse:
"Divergência nunca pode ser considerada problema num partido democrático. Problema é quando, num partido, a democracia é de poucos. Pior ainda quando estes poucos não fazem questão de deixar de ser poucos."
Continuo pensando assim.


***

Texto de Carlos Ocké, de 10-9-2014, que deu origem ao comentário acima:
"A LUTA INTERNA DO PT, AS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS E A VITÓRIA DA DILMA

A luta interna do partido e as eleições presidenciais estão no centro da conjuntura na América Latina.

Não se iludam: nesse momento histórico, seremos um país e um continente com Dilma, seremos outro com Marina.

Resta alguma dúvida qual é o caminho por onde as forças populares, democráticas e socialistas podem mais avançar?

Faltam 25 dias para o desfecho do primeiro turno e para alterarmos a correlação de forças na sociedade.

O quadro está polarizado e alimentado pelo antipetismo. Três linhas de ação são portanto necessárias:
1) orientada pelo partido e pelas suas lideranças, a militância deve disputar o voto dos indecisos e das classes médias nas ruas e nas redes sociais, fazendo o debate político e programático;
2) O PT e os partidos aliados devem sustentar uma posição ofensiva diante dos ataques da direita e da mídia comercial na propaganda eleitoral gratuita, batendo nos seguintes pontos: o fortalecimento do Estado, o legado da nossa política econômica e social e a defesa da ética pública;

3) Dilma, Lula e a coordenação de campanha, para desconstruir radicalmente as candidaturas de Marina e de Aecio, precisam ter a coragem de fazer um giro à esquerda na linha da campanha (ampliação dos direitos sociais), a grandeza de fazer autocrítica onde necessário (governo e partido) e a disposição de participar de plenárias, comícios e passeatas organizadas pela nossa base e pelos nossos aliados políticos e sociais.
Com muita luta e muita campanha, podemos assim consolidar nossa posição, garantindo a vitória eleitoral da Dilma.

Contudo, fica o registro: ou superamos as frações estalinistas e autoritárias dentro do PT, ou esse bloco derrota o PT, seu campo democrático e socialista e nossa hegemonia na sociedade brasileira."
No dia seguinte, 11, Ocké respondeu assim ao comentário de um companheiro chamado Mário:
"Mario, girar a esquerda no partido e no Estado pressupõe mediação, salvo contrário, caímos no esquerdismo -- considerando a correlação de forças e o grau de consciência socialista da nossa base partidária e social (dentro de uma cultura pautada por pesados valores burgueses e conservadores). 

Não se preocupe, sei que a vitória exige cautela. 

Objetivamente, assim, propus como mediação o eixo dos direitos sociais (serviços coletivos básicos como saúde, educação, transporte e moradia), por entender que dessa maneira nos aproximamos de petistas que se afastaram do partido com seu processo de burocratizacao e da juventude que participou das passeatas de junho de 2013. 

Alem do mais, dessa maneira, chamamos a atenção da sociedade (formadores de opinião pública) quanto à necessidade de apoiar medidas que permitam refrear a taxa de juros real e renegociar a dívida interna (para, sem pressão inflacionária, ampliarmos os gastos sociais e os investimentos públicos). Avanti Popolo!"

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.