Creio que há consenso no PT quanto à falta de núcleos de base. Há consenso de que eles são muito poucos e que funcionam, quase sempre, precariamente, atendendo a públicos bastante reduzidos. E algo que frequentemente se ouve, ao lado dessas constatações, é que o PT precisaria voltar a ser o que foi no passado, quando supostamente teria tido, em grande quantidade, núcleos de base fortes e atuantes, com intensa participação dos filiados.
A tese que passo a defender agora, como parte da justificativa para as propostas que vou apresentar ao 1º Diretório Zonal, é a de que isso é um mito. O PT nunca teve a sua base de filiados organizada em núcleos. E qual é a importância a meu ver de se desfazer esse mito? É que ele ajuda a mascarar as verdadeiras causas da imensa dificuldade que o partido tem de realizar, hoje, a política de núcleos idealizada na época da sua fundação, há quase 34 anos. Pois se se admite que houve um momento em que a política de núcleos funcionou de maneira satisfatória, deduz-se que, nesse momento, o partido sabia muito bem o que fazer para alcançar aquele resultado. E se os núcleos, de uma hora prá outra, deixaram de funcionar, não haveria de ser por outra razão senão o seu deliberado abandono pelos dirigentes do partido e pelos próprios filiados, subitamente tomados pelo desinteresse em participar.
Eu acho que não foi nada disso. Estou convencido de que a política de núcleos de base teve problemas, desde o início, para ser desenvolvida, e nunca alcançou, minimamente, os seus objetivos. Em favor dessa minha tese, cito os trechos abaixo, da resolução política do 5º Encontro Nacional do PT, realizado em 1987. Nessa época, o PT tinha apenas sete anos de existência e o Brasil vivia um momento de grande efervescência política e ascenso do movimento de massas. Não se vivia uma situação de apatia política no país. E, no entanto, vejam a análise da situação dos núcleos de base e diretórios aprovada pelo PT naquele ano.
“(...) 218. Atualmente, nossos núcleos de base são poucos e, na maioria das vezes, precários, havendo uma enorme distância entre os nossos desejos e a realidade. As razões disso são inúmeras: a pouca experiência política da maioria dos militantes petistas (o que é próprio de um partido em construção e que cresce rapidamente); [ a falta ] de quadros organizadores; a falta de infra-estrutura para o funcionamento dos núcleos (o que nos remete à questão das finanças); a falta de maior formação política; os entraves que vêm da legislação partidária herdada da Ditadura, e que se expressam no nosso Regimento (que, na verdade, termina priorizando os Diretórios com relação aos núcleos).
(...)
219. Os núcleos estão abandonados. Devemos reconstruí-los como a principal base e característica do Partido. Continuamos vivendo uma crise organizativa no PT. Os núcleos, mais do que nunca, estão desprestigiados. Entendidos desde o início como a principal base e característica do Partido, têm enfrentado sérias dificuldades para se generalizarem e se constituírem em organismos de massa. Não raro, a maioria deles fica voltada para questões de ordem interna – sem refletir os interesses das comunidades ou das categorias a que se vinculam – e, portanto, sem atrair novos participantes. Além disso, constata-se que vários petistas com posição de destaque no movimento sindical e popular não mantêm uma militância propriamente partidária, estando afastados de nossa estrutura orgânica. Os Diretórios, em geral, vivem da combinação de discussão sobre as questões internas do PT com o encaminhamento das campanhas gerais do Partido. Poucos são aqueles que conseguem articular essas tarefas com o impulsionamento e a direção do movimento social e a formulação de políticas alternativas no âmbito de sua atuação.
220. Um aspecto a ser observado é a carência de informação política dos militantes. Outro ponto de estrangulamento é a nossa fragilidade econômica, tendo implicações desde a questão da imprensa partidária ao fechamento de sedes de núcleos e Diretórios.
221. Chegamos a tal ponto não por descuido ou acidente de percurso. A fragilidade das estruturas orgânicas do PT teve início na campanha eleitoral de 1982, quando diluímos nossos núcleos e Diretórios em comitês eleitorais de candidatos que, em sua maioria, terminaram em 15 de novembro daquele ano, com o fim da campanha. De lá para cá, o PT encaminhou com relativo êxito algumas campanhas gerais, porém, até hoje, não conseguiu formular nem implementar uma política de organização que estimulasse o crescimento do Partido do ponto de vista orgânico (nucleação, formação política, finanças etc.). Essa fragmentação tem muito a ver com a postura que se tomou em relação à construção partidária. Mais que isto, tem a ver com a visão do papel do Partido que estamos construindo.
222. As campanhas gerais de intervenção na conjuntura, se por um lado aumenta as simpatias pelo PT, por outro lado, dissociadas de uma correta política de construção partidária, não conseguiram traduzir-se em aumento do nível de organização e enraizamento do PT na realidade social. Ocorre, por vezes, o inverso, ou seja, o Partido geralmente sai das campanhas mais disperso e desorganizado, portanto, mais fraco para resistir a novos avanços da burguesia. O esforço de intervenção na conjuntura, por meio de campanhas gerais, não foi acompanhado por uma política clara de reforço, politização e expansão da nucleação. O resultado foi a drenagem de forças e elementos para ações gerais e conjunturais, levando a um colapso a estrutura dos núcleos e Diretórios. É necessário um esforço consciente e priorizado para que os núcleos construam e ocupem o seu espaço na vida orgânica do partido e nas lutas sociais. (...)”
(Trechos da resolução política do 5º Encontro Nacional do PT, de 1987)Como se vê, em 1987, há 27 anos atrás, com apenas sete anos de existência, e em meio a uma situação de efervescência política e ascenso de massas no país, a situação do PT, no que tange à organização e funcionamento de suas instâncias de base, não era um mar de rosas como se costuma sugerir. O quadro descrito na resolução do 5º Encontro, é exatamente o mesmo que vemos hoje, o que significa que não houve uma degeneração, mas uma manutenção da desorganização partidária que vigorava naquela época. A resolução mostra que o PT fez um esforço muito grande para identificar as causas disso, mas que acabou, quase sempre, tomando efeitos por causas. A meu ver, no entanto, o partido acertou, e acertou em cheio, quando acusou a falta de quadros organizadores e a falta de política organizativa ou de construção partidária. A minha convicção é a de que estas são as duas maiores, senão únicas, causas da falência ou deficiência dos núcleos de base e diretórios.
Desfeito o mito da democracia petista de massas, do “partido dos núcleos”, que nunca existiu, mas sem abandonar o propósito de fazer do PT um partido de núcleos e uma democracia partidária de massas, é hora de voltar à busca de um diagnóstico preciso sobre a organização do PT e à busca de soluções para os problemas que temos nessa área. O meu diagnóstico – baseado no que vejo hoje e na leitura das resoluções dos Encontros Nacionais dos anos 80 – é o seguinte:
O PT nunca conseguiu fundar e manter núcleos de base e diretórios zonais capazes de abrigar e atender a todos os seus filiados, garantindo os seus direitos estatutários, porque nunca teve uma política administrativa para estas suas instâncias, e porque nunca se deu conta da necessidade de identificar e recrutar, em sua própria base de filiados, quadros técnicos capazes de conceber e executar essa política administrativa em cada região. E o que eu proponho para superar esses problemas?
Em primeiro lugar, o PT precisa se apropriar dos conceitos, princípios e técnicas de gestão de organizações, desenvolvidos pela Administração para a condução das empresas capitalistas. A própria Administração diz que esses conceitos, princípios e técnicas, são perfeitamente aplicáveis em qualquer organização, mesmo as que não têm fins lucrativos, para a obtenção dos melhores resultados, no esforço para atingir seus objetivos, e o PT, que é uma organização, não pode deixar de fazer uso deles, apenas por preconceito.
O que o PT precisa entender é que, para fazer funcionar as suas instâncias de base, não lhe basta ter e desenvolver o conhecimento e a habilidade política, tem que ter e desenvolver o conhecimento e a habilidade administrativa; e que o partido só vai poder encontrar e dispor desse conhecimento e dessa habilidade administrativa, recrutando estudiosos e profissionais da Administração em sua própria base de filiados. Um partido não vive sem quadros políticos. Mas também não vive se não tiver quadros técnicos.
A melhor, a mais acertada política, não sairá dos discursos se não houver uma máquina partidária capaz de realizá-la. Um partido é uma organização e já existe, há tempos, uma ciência social dedicada a desenvolver técnicas, exatamente, para a melhoria do desempenho das organizações. Essa ciência é a Administração e, subestimar a sua importância como fonte de respostas para os problemas práticos da ação política, renunciando, de antemão, às contribuições que ela pode oferecer, para a superação da nossa histórica deficiência organizativa, significa perpetuar essa deficiência, com graves e permanentes prejuízos para a nossa democracia interna e para a nossa capacidade de atuar coletivamente, como partido, na sociedade.
Silvio Melgarejo
23/01/2014
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.