Em 11/1/2014, num debate que se fazia na página do 1º Diretório Zonal no Facebook, o companheiro Guilherme Simões Reis disse o seguinte:
"Acho importante pensarmos programaticamente, não dá para nos atermos no que existe de bom no governo, fazermos vista grossa para o que há de ruim e nos desinteressarmos pelo socialismo. Lula foi o melhor presidente da história do Brasil, mas não é deus, e também faz besteira pra caramba."
No mesmo dia, comentei esta sua afirmação, dizendo:
"Quem deve achar que Lula e Dilma são deuses, Guilherme Simões Reis, é quem acredita que eles podiam e podem fazer mais do que já fizeram e fazem com um Parlamento onde a esquerda toda somada, incluindo a oposicionista, do PSOL, não chega a 29% dos deputados."
Guilherme respondeu:
"Mas aí é que está, Silvio. Uma coisa é o voluntarismo de se exigir que se faça algo que a correlação de forças não permite (posição tipicamente psolista), outra é não fazer nada para modificar essa correlação de forças.
O grupo majoritário dentro do PT põe como único objetivo vencer a eleição presidencial, negligenciando ou mesmo boicotando outros lócus relevantes para a correlação de forças.
Por exemplo, se a esquerda tem menos de 1/3 da bancada, imagina-se que o PT deveria estar se esforçando para ampliá-la, não?
Mas o que eu vejo é um espaço exagerado para o PMDB e pouca ênfase do PT no aumento de sua bancada legislativa (isso para não falar na entrada de conservadores nessa mesma bancada)."
Ainda no dia 11, postei o texto a seguir:
"O espaço que se dá na coalizão governista ao PMDB é proporcional à importância que ele tem tido na sustentação do nosso governo. A única maneira de não ficar dependente do PMDB, de fato, é ampliando a bancada do PT no parlamento. Mas isso só se consegue atendendo a duas condições.
1º) O governo tem que fazer a sua parte, atendendo à expectativa da maioria da sociedade.
2º) O PT tem que se organizar para atuar, coletivamente, de forma sistemática no cotidiano da sociedade, projetando os nomes e as imagens do maior número possível de filiados, para que eles se tornem figuras públicas conhecidas pelos trabalhadores e pela própria militância do partido, muito antes das eleições, de modo que suas candidaturas possam ser lançadas já com algum capital político acumulado e, portanto, com maiores chances de serem exitosas. Isto significa que o PT tem que ser um partido efetivamente militante, para ser capaz de produzir líderes políticos populares em grande quantidade, para que se tornem candidatos com potencial para serem eleitos.
O tamanho da bancada de um partido no parlamento, é proporcional ao tamanho do partido na sociedade. Se queremos crescer no parlamento, temos que crescer antes na sociedade. E isto só se consegue com um partido organizado e militante. Só que a única coisa que ouvi no último PED que corresponde a esta necessidade foi a exortação que o Lula fez aos filiados de base, para que cobrem dos novos dirigentes eleitos do partido 'mais pés na estrada e menos bunda na cadeira'. Porque, de fato, não existe partido militante e organizado, sem dirigentes militantes que invistam na organização e na mobilização da base partidária.
Pergunto: quantas vezes você viu alguém tratar recentemente de organização partidária dentro do PT? Qual foi a última vez que você ouviu alguma liderança importante de alguma tendência propor uma discussão mais aprofundada sobre esse tema? Os filiados de base do PT não militam porque o partido é desorganizado, e o partido é desorganizado porque a quase totalidade de seus dirigentes não faz trabalho de base. Tenho a impressão, às vezes, de que alguns nem sabem o que é 'trabalho de base'.
A falta de organização partidária e disciplina enfraquece politicamente o PT e o torna dependente de alianças para a realização do melhor governo possível para os trabalhadores. Há uma evidente contradição em se fazer um discurso político radical, cobrando do governo uma atitude de confronto com a burguesia, quando se tem uma prática política moderada, que não se baseia no trabalho político cotidiano de organização da base de filiados do partido, para fazer o confronto, na sociedade, com a burguesia.
E esta contradição, certamente, não é do grupo majoritário do PT, e sim de sua minoria, que equivocadamente pretende levar o partido a uma declaração de guerra aberta, dispensando aliados, enquanto negligencia a tarefa primordial de organizar e mobilizar o próprio exército para a luta de classes. Seguindo esse tipo de proposta irracional e, porque não dizer, irresponsável, o PT caminharia para o fracasso de sua gestão no governo do país, o que significaria uma derrota histórica para esquerda brasileira e mundial, da qual tão cedo não conseguiríamos nos recuperar."
No dia seguinte, 12, prossegui:
"O problema das tendências que formam a minoria do PT não é só o desprezo que elas têm pela análise da correlação de forças entre as classes, típico do esquerdismo. Vai mais além. Elas padecem também desse perigoso desequilíbrio entre o radicalismo estratégico e programático de um lado e a ultra-moderação da política organizativa e de mobilização da base partidária do outro.
O PT nunca teve e ainda não tem uma política de construção partidária. Por isso crescemos em volume de filiados, mas não crescemos organicamente. E isso é o que determina a nossa fragilidade política e a nossa dependência das alianças com outros partidos.
O esquerdismo petista acredita que o PT pode se fortalecer apenas rompendo a aliança com o PMDB e partindo para o confronto com a burguesia. Esse voluntarismo e essa irracionalidade é que levaram muitos filiados independentes a rejeitarem suas propostas e aderirem às propostas da CNB, no último PED.
Alguns esquerdistas, no entanto, preferem ignorar o óbvio e atribuir a derrota sofrida a uma suposta fraude eleitoral em nossas eleições internas. A direção nacional da Articulação de Esquerda, pelo menos, não comete esse equívoco, e reconhece a opção feita legitimamente pela maioria dos filiados naquele pleito."
Guilherme respondeu no mesmo dia:
"Concordo bastante com a maior parte da sua resposta mais acima, Silvio.
Só não entendi por que a minoria deveria ter mais responsabilidade por fazer o trabalho de base (em tese, todos teriam igualmente essa responsabilidade e, por definição, mais membros da maioria do que a minoria teriam tal responsabilidade).
E em momento algum eu disse para romper com o PMDB; o que eu defendo é que o PT use mais seu poder de barganha para não ceder a ele espaços desnecessários (como por exemplos governos estaduais e municipais onde os petistas tenham candidaturas competitivas e/ou os peemedebistas claramente destoarem do nosso programa; familiar para nós do RJ, não?); isso também tem a ver com disputa por hegemonia e melhoria da correlação de forças.
Outra coisa, no entanto, é o que Wanderley Guilherme dos Santos (que ninguém há de negar que é um intelectual governista, certo?) chamou de coalizão-baleia.
A base de sustentação do governo é excessivamente grande.
Inclui um excesso de partidos conservadores (não dá para nos livrarmos hoje do PMDB, mas há vários outros PMDBs menores sobrando) e, no final das contas, sequer pode realmente contar com eles, pois essa inconsistência tem como prima-irmã a indisciplina."
Ainda no dia 12, respondi:
"O ritmo da produção de mudanças no país que a minoria quer impor ao governo, exige que a máquina partidária seja dotada de uma configuração muito mais sofisticada e funcione numa rotação muito mais acelerada do que o ritmo de mudanças admitido pela maioria como satisfatório.
O grau moderado de exigência da maioria, em relação ao governo, corresponde ao seu grau moderado de compromisso com a disciplina no trabalho de construção partidária.
O mesmo não ocorre com a minoria, cujo grau superior de exigência não corresponde a um superior compromisso com a disciplina na construção partidária. Muito pelo contrário. É tão moderada, neste ponto, quanto a maioria.
A responsabilidade da minoria é, para mim, maior, porque é a minoria quem tem mais pressa e rigor na cobrança ao governo. Ora, quem tem pressa de que as coisas aconteçam 'tira a bunda da cadeira', como diz o Lula, e vai à luta, não fica só reclamando. O problema é que a minoria faz a crítica errada e não consegue enxergar que o maior erro da maioria é exatamente o mesmo erro que ela própria comete sem se dar conta.
Quanto ao poder de barganha do PT, Guilherme, ele corresponde hoje a apenas 17,12% dos deputados da Câmara Federal. Não me parece que isso nos dê condições de impor muita coisa aos nossos aliados. Se o PMDB muda de lado, hoje, o nosso governo vai pro beleléu. Não tem jeito, tem que negociar e ceder, proporcionar alguma vantagem política, em algum lugar, para que eles nos ajudem a sustentar o nosso governo, enquanto o PT e os demais partidos de esquerda não ampliam suas bancadas.
Outra coisa, disputa de hegemonia e melhoria da correlação de forças não se faz só de cima prá baixo, do Estado para a sociedade, se faz também - e, em certos momentos, principalmente - de baixo para cima, da sociedade para o Estado.
No texto mais acima, eu disse que a primeira condição para o PT ampliar sua bancada no Parlamento era o governo fazer a sua parte, atendendo à expectativa da maioria da sociedade. Até agora, o governo tem conseguido dar conta do recado, mantendo desde o primeiro mandato do Lula índices sempre elevados de aprovação, com a ajuda do PMDB.
Desde 2003, o PT cresceu em número de eleitores e filiados, mas não ampliou sua bancada no Parlamento, porque não teve uma política de construção partidária que incorporasse esses novos filiados e os organizasse para a ação política na sociedade entre os períodos eleitorais, criando as condições para que novas lideranças partidárias populares surgissem e pudessem se transformar em candidaturas eleitoralmente viáveis, que era a segunda condição de que eu falava.
O que eu quero dizer é que, quando um partido está no governo e pretende mudar a correlação de forças a seu favor, uma parte dessa missão cabe ao governo e a outra ao próprio partido. Lula e Dilma fizeram a parte deles. Quem está devendo é o PT. E não só a sua corrente majoritária, mas também a minoria, que a ela se opõe, mas não representa de fato uma alternativa política de direção que dê resposta aos nossos problemas no campo da Construção Partidária.
Quanto à 'coalizão-baleia', me parece que é um fenômeno inevitável no nosso sistema político, dada a fragmentação do Parlamento em pequenos partidos. Prá você ter uma ideia, juntando só PT, PSB, PDT, PCdoB e PMDB, e excluindo as pequenas legendas, como você sugere, nós ficaríamos hoje com 42% da Câmara, perdendo portanto a maioria que temos.
É preciso considerar, além disso, que ao serem dispensados, estes pequenos partidos não se tornariam neutros, iriam, isto sim, negociar com a oposição e acabariam por engrossar suas fileiras hoje esvaziadas. É melhor tê-los conosco do que tê-los contra nós.
Já a 'gordura da baleia', que seria o excesso de partidos da base, é a margem de segurança que temos que ter para as previsíveis infidelidades e defecções, já que estamos tratando com partidos fisiológicos, sem disciplina, nem identidade ideológica e programática.
Infelizmente, este é o sistema político e estes são os partidos políticos que temos no Brasil. A História do país os produziu, assim como à correlação de forças entre classes que temos na presente conjuntura. São estas as circunstâncias que nos estão postas e é condicionados por elas que temos que atuar, não há escapatória. A tarefa que nos cabe, e que a ninguém podemos transferir, é construir um partido que esteja à altura dos imensos desafios que temos pela frente. Como, por exemplo, organizar e dirigir as lutas cotidianas dos trabalhadores de esquerda na sociedade e ampliar a bancada de esquerda no Parlamento para constituirmos maioria, sem precisarmos de alianças com partidos fisiológicos."
No dia seguinte, 13, Guilherme continuou:
"Silvio, você disse:
'Quanto ao poder de barganha do PT, Guilherme, ele corresponde hoje a apenas 17,12% dos deputados da Câmara Federal. Não me parece que isso nos dê condições de impor muita coisa aos nossos aliados. Se o PMDB muda de lado, hoje, o nosso governo vai pro beleléu.'
Seria exatamente assim se nosso sistema de governo fosse parlamentarista. Mas não é!
Se o PMDB deixa o governo ele vira oposição, ou seja, perde todas as vantagens de ser governo (o que não é do seu feitio, seja lá qual for a cor de quem está na presidência).
O PT não tem como força apenas sua bancada, tem também a presidente, e isso faz toda a diferença no poder de barganha.
Quanto à coalizão-baleia, ela supera em muito a maioria necessária para a aprovar projetos mesmo com uma margem de segurança para driblar os indisciplinados.
Ela inclui quase todo mundo, e isso não faz sentido.
Por incluir quase todos, também se perde o controle sobre quem está roendo a corda: é uma gigantesca e heterogênea coalizão em que não se pode confiar.
Deveríamos manter na coalizão toda a esquerda e mais os partidos conservadores menos inoportunos que fossem suficientes para nos dar a maioria e facilitar a aprovação dos projetos do governo."
No mesmo dia 13, respondi ao Guilherme:
"Guilherme. Sobre a sua afirmação de que 'se o PMDB deixa o governo ele vira oposição, ou seja, perde todas as vantagens de ser governo', eu te digo que não durante muito tempo. A oposição encorpada pela adesão do PMDB, constituindo maioria, encheria a pauta do Congresso de CPIs, boicotaria e sabotaria todos os nossos projetos e, associada aos seus aliados na imprensa, no Ministério Público e no STF, inviabilizaria o nosso governo e o levaria a um tal grau de desgaste perante a opinião pública que ele acabaria sendo interrompido ou por um impeachment ou por uma derrota eleitoral. Aí a oposição voltaria ao governo tendo o PMDB em sua base de apoio. Quem é que perderia com isso? Só o PT? Não. Perderia a classe trabalhadora, que veria todos os avanços obtidos pelo PT, com o apoio do PMDB, na última década, irem pelo ralo.
Você fala 'toda a esquerda' com a boca cheia, mas a verdade é que 'toda a esquerda', insisto, não passa de 29% da Câmara Federal. Repito também, que a 'coalizão-baleia' é efeito inevitável da fragmentação do Congresso em pequenas e diminutas bancadas, quase todas sem identidade ideológica e programática. Só para você ter uma ideia, as duas maiores bancadas da Câmara são a do PT e a do PMDB. O PT tem apenas 17% das cadeiras. O PMDB, 14%.
A fragmentação e a falta de identidade ideológica e programática dos partidos é que tornam a nossa base parlamentar instável e pouco confiável. São partidos fisiológicos em que a vontade e a habilidade do cacique são as únicas coisas capazes de assegurar alguma unidade de ação. Infelizmente são estes os partidos que temos no Brasil e é com eles que o PT tem que tentar formar maioria, enquanto a esquerda não amplia sua bancada e se torna autossuficiente. A margem de segurança que precisamos ter tem que ser grande porque grande é o risco de infidelidades e defecções pelas próprias características destes partidos.
Além disso, há uma coisa que não podemos desconsiderar. Não existe neutralidade na política. Partido que não estiver na nossa base de apoio, vai prá base da oposição nos criar mais problemas ainda. A política de alianças do PT não tem que visar só conseguir aliados, mas também tirar aliados da oposição e isolá-la para neutralizar seu poder de ação contra nós. Isso tudo não é escolha do PT. São exigências impostas por um sistema político que já existia muito antes de o PT conquistar o governo, a qualquer partido que conquiste o governo e não queira correr o risco de ver sua gestão inviabilizada."
Guilherme respondeu:
"O maior problema é quando a falta de identidade ideológica acontece na nossa própria casa."
Ao que eu lhe disse:
"A identidade ideológica do PT é atestada pelos resultados do seu governo. Discurso não prova nada."
Guilherme, então, questionou:
"Eu ainda não entendi se você:
1) acha que os avanços do governo são o máximo à esquerda que é desejável ir,
2) ou acha que seria bom avançar à esquerda mas julga que qualquer pressão nesse sentido levaria todos os aliados conservadores a abandonar o barco, a mídia a radicalizar ainda mais o discurso, todos os investidores a tirar seu dinheiro do país, o Judiciário a dar um golpe branco e a população a não ver o partido como estando do lado dela,
3) ou defenderia tanto uma radicalização como uma mudança de rumo, dependendo apenas do que Lula, Dilma e lideranças do CNB decidissem."
Indaguei, então:
"Você poderia me dizer o que entende por 'correlação de forças' e que importância ela tem na definição da estratégia de ação política de um partido?"
E expliquei a pergunta:
"Essa minha pergunta é uma forma de iniciar a resposta ao que você me perguntou antes."
Guilherme retrucou:
"Concordamos integralmente que não temos como fazer tudo o que gostaríamos, pois há várias limitações para isso, entre elas a ínfima bancada de esquerda e a sobrerepresentação dos setores conservadores no Parlamento.
Mas o que eu gostaria de entender é se você apenas acredita que não dá para avançar por causa disso ou se prefere mesmo que não se vá além disso (sendo contrário ideologicamente, por exemplo, à estatização de empresas estratégicas, à autogestão em outras empresas, a uma drástica mudança no financiamento da agricultura com corte nos subsídios para os latifundiários e maciço investimento na agricultura familiar etc)."
O debate se encerrou ontem mesmo, dia 13, com a seguinte resposta que dei a Guilherme:
"Você já ouviu falar no Socialismo Petista? Se não, leia a resolução política do 3º Congresso do PT, de 2007. É lá que eu quero chegar com o partido. "
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