Por Silvio Melgarejo - O PT tem hoje, internamente, duas lideranças de expressão nacional, sem concorrentes: Lula e Dilma. E ambos jogam na desmobilização do partido e na rendição, sem resistência, à política econômica imposta pela burguesia financeira ao governo.
Para derrotar esta política, que tanto prejuízo já causa aos trabalhadores, é preciso vencer a enorme influência que estas duas grandes lideranças exercem dentro do PT, para que o partido assuma o papel de dirigente da reação das massas em defesa dos seus direitos.
Missão impossível? Hoje, talvez, sim. Mas nenhum líder é imune ao desgaste contínuo de sua credibilidade por decisões importantes que se mostrem equivocadas. A atual política econômica da presidenta Dilma, endossada por Lula, coloca os dois numa clara posição de antagonistas da classe trabalhadora e aliados da burguesia financeira. E o apoio do PT a esta escolha da presidenta, ainda que envergonhado, coloca o partido nesta mesma condição.
Não é possível a um militante do PT apoiar a política fiscal e monetária que Dilma tem patrocinado e ao mesmo tempo dizer que está ao lado dos trabalhadores. Isto é uma incoerência. A política de Levy, na Fazenda, e Tombini, no Banco Central, tem um caráter fortemente recessivo, que provoca desemprego, arrocho salarial e redução de direitos, sem conseguir conter, como promete, a escalada inflacionária.
Apoiada pela Globo, banqueiros, rentistas e especuladores do mercado financeiro, beneficiários maiores das decisões tomadas, esta política é, ao mesmo tempo, contestada por todas as centrais sindicais do país, em nome dos trabalhadores espoliados, numa inédita demonstração de unidade, propiciada pela evidência gritante dos danos causados.
Derrotada nas urnas, a direita brasileira viu-se subitamente agraciada pela guinada neoliberal de Dilma, assim que reeleita. O PT foi pego de surpresa e entrou em crise.
Numa entrevista coletiva, logo depois da eleição, a presidenta deu uma declaração que deixou muito petista intrigado. Disse:
"A opinião do PT é uma opinião do partido. Não me influencia. Eu não sou presidente do PT. Sou presidente dos brasileiros."
Vê-se hoje que falava muito sério. Dilma, de fato, decide tudo sozinha e dá mais satisfações aos barões das finanças do que aos trabalhadores e seu partido, que a elegeram. O PT não tem nenhuma influência sobre o seu governo. É convocado apenas para apoia-lo, quando necessário, e sempre incondicionalmente, papel que o partido tem aceitado, docilmente, cumprir.
A crise vivida pelo PT hoje decorre da decisão do partido de tentar fazer algo absolutamente impossível: apoiar o governo Dilma com sua política econômica tucana e ao mesmo tempo defender os interesses dos trabalhadores atacados por esta mesma política. São dois movimentos contraditórios, radicalmente conflitantes, impossíveis de serem conciliados, na medida que um neutraliza o efeito do outro.
Os petistas que veem no país a possibilidade de um golpe de Estado que destitua a presidenta, temem que a resistência popular à política econômica vigente fragilize ainda mais o governo e facilite a vida dos golpistas. Por isso não convocam a resistência - o PT boicotou o Dia Nacional de Luta da CUT, em 29 de maio - e por isso empenham-se em interditar qualquer debate sobre política econômica, como fizeram no 5º Congresso do partido.
Não se dão conta que a fragilidade do governo decorre exatamente da reversão abrupta das expectativas dos eleitores de Dilma para o seu segundo mandato, depois que ela adotou esta política econômica executada por Joaquim Levy e Alexandre Tombini.
Os trabalhadores elegeram Dilma exatamente para evitar que Aécio ou Marina implementassem esta política. Dilma, depois de condená-la enfaticamente durante a campanha, resolveu botá-la em prática, assim que reeleita. E Lula e o PT, de maneira covarde, a pretexto de evitar um golpe, apoiam constrangidamente a traição da presidenta.
Disse recentemente FHC, o maior líder da oposição de direita, que pela extensão e gravidade dos estragos que provoca, "o impeachment é como bomba atômica, é para dissuadir, não para usar”.
O setor mais forte da burguesia brasileira é a burguesia financeira. E este setor está tendo os seus interesses plenamente atendidos pela política econômica de Dilma. Por que desejaria um golpe, a destituição de quem tão bem tem lhe servido, aplicando exatamente o mesmo programa que defendiam, através dos candidatos neoliberais, durante a campanha presidencial?
Não faz sentido, é improvável o golpe de Estado, por não ser útil e representar desnecessário risco aos negócios do mercado financeiro. E ainda assim se fala em impeachment todos os dias na mídia burguesa. Por que será? Não será exatamente para acuar o governo e desencorajar as mobilizações da esquerda? Como disse Fernando Henrique, para dissuadir o inimigo, para nos dissuadir de lutar por nossos objetivos? E não é isto que estão conseguindo?
Com medo de um golpe improvável, a militância petista se empenha em proteger a presidenta das críticas que poderiam levar à correção dos seus erros, à reconciliação com a maioria insatisfeita dos seus eleitores e à salvação do seu governo. Salvação não de um golpe, mas de um fracasso que impossibilite a eleição de um candidato de esquerda em 2018, mesmo um nome forte, como o ex-presidente Lula.
Se Dilma já rompeu, na prática, com o PT, o que ganha o PT ficando atrelado a Dilma? Nada, só perde. E perde, sobretudo, a confiança dos trabalhadores, o que é desastroso para um partido socialista.
Dilma não dialoga com o PT. Impõem, simplesmente, ao partido a política econômica que acha correta. E o pior é que o PT aceita esse tipo de relação. Subserviente, anula-se politicamente e reduz-se à condição de mero pau mandado, sem discernimento e sem vontade própria.
Dilma manda, o PT obedece. Dilma decide, o PT cumpre. Influenciado por Lula, o PT renunciou deliberadamente à sua soberania como partido socialista da classe trabalhadora. Não passa hoje de um braço mecânico da presidência da república, num governo de coalizão que decidiu implementar um programa neoliberal.
É triste, doloroso para um petista ter que admitir, mas a verdade é que Dilma, Lula e o PT estão traindo os trabalhadores. Política é confiança e confiança traída é confiança perdida. Ainda bem que, neste caso, ainda há tempo para recuperá-la.
Mas, para tanto, é preciso que o PT mude rápida e radicalmente de atitude em relação a Dilma, que assuma uma postura crítica mais incisiva em relação ao seu governo, condenando e lutando contra a política econômica vigente, nas ruas e no Congresso, e apresentando uma alternativa de política econômica que favoreça aos interesses dos trabalhadores e permita o cumprimento dos compromissos assumidos pela presidenta na campanha da eleição de 2014.
Na presente conjuntura, o golpe realmente assusta, mas não passa de um mero fantasma, fantasia útil à burguesia financeira, por paralisar de medo as forças progressistas, inclusive parte significativa da militância petista.
Um golpe de Estado não é um fim em si, é um meio de que uma força política se serve para alcançar algum objetivo. O golpe de Estado é um movimento radical que tem custos e riscos para quem o encomenda e para quem o executa. Por isso, quando o objetivo pretendido pode ser alcançado por meios menos traumáticos, a tendência é que forças políticas menos comprometidas com a democracia, mas fortemente orientadas pelo pragmatismo, evitem a sua consumação.
É o que se vê presentemente. Não haverá golpe de Estado no Brasil porque o golpe não interessa aos banqueiros, já que os banqueiros mandam no governo Dilma, não se justificando, portanto, nenhuma pressa em substituí-la.
Já a ameaça de golpe, esta sim serve aos banqueiros, porque induz a esquerda governista à priorização da defesa do mandato de Dilma, esquecendo os objetivos pelos quais ajudou a elegê-la , que foram efetivamente abandonados pela presidenta.
Nas fileiras petistas, quem nunca quis o confronto com a burguesia, usa agora a ameaça do golpe como pretexto para não lutar e para censurar os críticos da política econômica de Dilma, contrária aos interesses dos trabalhadores.
Muita gente, de boa fé, aceita este argumento e leva o PT a cair numa armadilha, que é a de ocupar-se inteiramente em defender o mandato de Dilma, abrindo mão de exigir as correções necessárias para que o governo corresponda às expectativas dos trabalhadores e a presidenta, bem avaliada, consiga eleger seu sucessor.
Se o governo mantiver o mesmo rumo equivocado, Dilma encerrará o seu mandato com baixíssimo índice de aprovação. E a postura que o PT tiver, daqui por diante, ante os erros da presidenta é que definirá o quanto estes erros abalarão a relação do partido com a classe trabalhadora.
É bem provável que nem Lula consiga eleger-se depois de um fracasso de Dilma. Muito menos chance terá qualquer outro nome. Mas se os trabalhadores tiverem a percepção de que o PT não compactuou com os erros da presidenta e até lutou pela correção destes erros, é possível que o partido reconquiste a sua confiança e consiga, pelo menos, eleger bancadas numerosas para a Câmara e para o Senado.
Para o PT, não haverá possibilidade de vitória na eleição presidencial de 2018, se Dilma mantiver a atual política econômica. Mas se o PT combater desde já e duramente esta política, ainda é possível sonhar com uma vitória nas eleições do Parlamento. Se não o fizer, a derrota será completa.
Saudações petistas.
Silvio Melgarejo
3-8-2015
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