quarta-feira, 29 de junho de 2016

Plebiscito contribui para a derrota do golpe, não o legitima e pode ser vencido pela esquerda.

Crítica dos dois argumentos mais frequentemente usados contra o plebiscito e à antecipação da eleição presidencial.

Os dois principais argumentos apresentados pelos opositores do plebiscito e da antecipação da eleição presidencial são os seguintes.


Que a antecipação da eleição legitimaria o golpe


O primeiro é que o plebiscito e a antecipação da eleição legitimariam o golpe, ou seja, que seriam um reconhecimento da justiça e legalidade do processo de impeachment.

Considero este argumento inválido por entender que é a narrativa que se faz do golpe que pode ou não legitimá-lo e não a atitude, muitas vezes imposta pelas circunstâncias, que se tem diante dele.

Cito, para ilustrar, o caso da pessoa que, assaltada, entrega a carteira e depois vai à policia denunciar o crime.

O fato dela ter entregado a carteira não poderá jamais ser interpretado como um reconhecimento de justiça e legalidade à apropriação que se fez, se ela relata que foi coagida a isso por alguém de arma em punho, ameaçando a sua vida.

Quem age sob coação reconhece a própria impotência ante a ameaça que sofre e não a legitimidade desta ameaça.

Só há reconhecimento da legitimidade da apropriação de um bem ou cargo quando a narrativa de quem transfere a posse destes objetos indica que ele o fez de forma voluntária, sem sofrer qualquer constrangimento de natureza ilegal ou injusta.

Se Dilma defende um plebiscito, denunciando a fraude do seu processo de impeachment e dizendo que admite a redução do seu mandato apenas para evitar um mal muito maior que é a tomada do poder por um agrupamento político corrupto, comprometido com a realização de um programa de governo radicalmente antinacional e antipopular, não há como se atribuir ao seu gesto qualquer significado que não seja o do desprendimento pessoal e de zelo absoluto com a democracia e com os interesses da classe trabalhadora. É impossível encontrar neste discurso uma ponta sequer de reconhecimento de legitimidade, ou seja, de justiça e legalidade, ao processo de impeachment que a obriga a chegar a essa atitude extrema.

Que a esquerda não tem chance de vencer


O segundo argumento que mais ouço contrário ao plebiscito e à antecipação da eleição presidencial é de que a esquerda não teria condições de ganhar nenhuma disputa com a direita hoje por causa da onda conservadora ou direitista que se verifica na sociedade e por causa do desgaste da imagem do PT, resultante da intensa campanha de criminalização da sigla, mantida durante anos pelos meios de comunicação.

Também considero inválido este argumento, em primeiro lugar, pela evidência incontestável de que a onda conservadora ou direitista que existe está relacionada à moral e à pauta dos direitos humanos e não à pauta dos direitos sociais e trabalhistas. A maioria da classe trabalhadora pode ser a favor da pena de morte e contra a legalização da maconha, da prostituição, do aborto e do casamento entre pessoas do mesmo sexo, e nisso, de fato, identifica-se com a direita. Mas, por outro lado, continua identificando-se fortemente com a esquerda quando exige do Estado saúde, educação, segurança, previdência e uma gestão da economia que garanta emprego e renda digna para todos. E é esta última pauta que, indiscutivelmente, tem determinado o resultado das eleições presidenciais das últimas décadas.

Não é, portanto, sem razão que a direita foge o quanto pode do debate sobre a relação entre política econômica e direitos sociais e trabalhistas, que as campanhas eleitorais nacionais acabam sempre impondo, indo refugiar-se na pauta moralista dos costumes individuais e do combate à corrupção política. Porque este é o único discurso que ela pode fazer tendo boa aceitação entre os trabalhadores, desde, é claro, que os trabalhadores não saibam ou pelo menos desconfiem dos seus atos criminosos, o que tem se mostrado cada vez mais raro.

Um dia depois de uma grande manifestação a favor do golpe, na avenida Paulista, o instituto Paraná Pesquisas divulgou um levantamento indicando que mais de 60% dos presentes àquele evento concordavam com a afirmação de que "o PT não é o único partido culpado pelos escândalos envolvendo a Lava Jato e a Petrobras". Aécio e Alckmin, do PSDB, foram hostilizados e expulsos dessa manifestação. Na mesma data, outro instituto, o DataPopular, divulgou pesquisa  indicando que 92% dos brasileiros concordavam com a afirmação de que "todo político é ladrão". Isso mostra claramente que o que predomina na sociedade não é o antipetismo, tampouco o anti-esquerdismo, o que predomina na sociedade é a antipolítica e o anti-partidos políticos.

Penso, portanto, que numa próxima eleição, como em todas as anteriores, a questão da corrupção poderá ser importante, mas não determinante do resultado do pleito. Determinantes serão sempre as respostas dos candidatos às demandas sociais por mais direitos. E nesse debate a esquerda sempre levará vantagem sobre a direita. Porque os programas de governo da esquerda se caracterizam exatamente pela afirmação e ampliação de direitos, enquanto os programas de governo da direita se caracterizam pela restrição e negação de direitos.

Por isso entendo, como venho dizendo, que o melhor campo de disputa política para a esquerda hoje não é o do parlamento, do judiciário ou das ruas, e sim o campo do debate público programático, que, em razão do controle absoluto da mídia pela direita, só tem sido possível exatamente nos processos eleitorais, por imposição legal. A inexistência de uma mídia democrática anula, nos períodos não eleitorais, quase que completamente a vantagem natural que a esquerda tem sobre a direita no debate programático, porque impede que as diferenças programáticas se expressem e sejam vistas pelo povo.

Nas eleições, sobretudo presidenciais, é que esta vantagem tem tido maior possibilidade de se impor porque nelas abre-se uma janela na mídia através da qual a esquerda pode confrontar o seu programa de governo com o programa de governo da direita e estabelecer diálogo direto com a classe trabalhadora.

Eleição para a esquerda hoje não é, portanto, problema, é oportunidade que a esquerda precisa ser capaz de enxergar e aproveitar. É possível vencer uma eleição hoje, como vencemos as quatro eleições presidenciais anteriores. Porque apesar de ter o controle da mídia e de grandes máquinas partidárias, a direita terá que enfrentar a sua primeira campanha sem o financiamento de empresas, tem um programa de governo que precisa esconder a todo custo do eleitor, só tem pré-candidaturas fracas ou inconsistentes e tem sido atingida pela operação Lava Jato tanto quanto a esquerda.

A esquerda, portanto, não tem porque temer o confronto com a direita num plebiscito ou numa possível eleição presidencial antecipada, deve, ao contrário, preparar-se para tirar o melhor proveito possível destas disputas como meios para fazer avançar a consciência política da classe trabalhadora. Este avanço de consciência pode nos proporcionar uma vitória imediata ou servir para acumular força a ser empregada nas disputas futuras.

Nós podemos ganhar – e há, como creio já ter demonstrado, razões para confiar nisso –  ou podemos perder. Mas se perdermos será lutando no campo de batalha que hoje mais nos favorece e não num terreno em que o inimigo tem superioridade, como o parlamento, o judiciário e as ruas, onde, aí sim, a derrota seria certa.

Silvio Melgarejo

29/06/2016

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