Defendo o plebiscito porque ele cria condições para a derrota do impeachment que eram inexistentes até o recente acordo firmado entre Dilma e os 30 senadores liderados por Roberto Requião, e porque o plebiscito criará condições, que hoje praticamente inexistem – e por isso a resistência ao golpe tem sido claramente insuficiente -, para a retomada do diálogo da esquerda com a classe trabalhadora, levando a disputa política para o campo de batalha que mais favorece à esquerda, que é o campo do debate público sobre programas de governo.
Por estas mesmas razões admito, sem receio, a antecipação da eleição presidencial, se este for o desejo do povo, manifestado através do plebiscito. A esquerda não tem razão nenhuma para temer o debate programático que as eleições impõem. A direita, sim. Por isso considero natural que Globo, Estadão e Folha, além de Temer, Cunha, Jucá e Alckmin, oponham-se tão ferrenhamente à antecipação da eleição e até à consulta popular sobre ela. Mas acho incompreensível que ao lado deles, mesmo que por razões diversas, estejam CUT, MST, Articulação de Esquerda/PT e PCO.
Esta inusitada coincidência de posicionamentos deveria, no mínimo, intrigar os companheiros destas organizações e aos militantes de esquerda que pensam como eles. É evidente que a direita não diz e não dirá as reais razões da sua oposição ao plebiscito e à antecipação da eleição presidencial. Mas também é claro, por lógico, que estas razões dizem respeito à avaliação que a direita faz da conveniência destes eventos para a realização da sua estratégia e para a conquista dos seus objetivos.
Ora, se o plebiscito e a antecipação da eleição presidencial são propostas negativas, do ponto de vista dos agentes do golpe, não é possível que sejam vistas também como negativas por quem luta contra o golpe, pela razão muito simples de que não podem favorecer o golpe e desfavorecê-lo ao mesmo tempo. Quando os dois lados – quem quer o golpe e quem não quer – têm a respeito do plebiscito e da antecipação da eleição o mesmo juízo negativo e a mesma rejeição, é forçoso reconhecer que um dos dois está errado. Alguém, como se diz, está “dando tiro no pé”. E quem será esse alguém? Globo, Estadão, Folha, Temer, Cunha, Jucá e Alckmin? Ou CUT, MST, Articulação de Esquerda/PT e PCO? Tenho convicção de que errados estão os companheiros e faço votos que se deem conta disso antes que seja tarde.
Tenho dito que o objetivo da direita quando investe no golpe de Estado não é reduzir o mandato de Dilma, mas tomar o poder de assalto, à revelia do povo, para impor ao povo, à força, mediante o uso intensivo do aparato repressivo do Estado, com total respaldo do oligopólio da mídia e dos poderes legislativo e judiciário, um programa de governo neoliberal, radicalmente antinacional e antipopular. E de fato já é possível constatar que está em curso no país uma verdadeira escalada do autoritarismo e que há um claro projeto de ditadura no governo provisório de Michel Temer. É esta escalada que precisa ser contida e é este projeto que precisa ser abortado, porque quando se instalar será difícil demovê-lo. E os editoriais da mídia golpista, cuja preocupação grita nas entrelinhas do protesto, da condenação e do desdém, mostram, sem querer, que Dilma está no caminho certo.
Quando digo que o plebiscito cria condições para a derrota do impeachment baseio-me na avaliação do grupo de senadores que está articulando o acordo com Dilma e na constatação de que é realmente muito pequeno o número de votos que faltam para a absolvição da presidenta. Para ser aprovado, o impeachment precisa ter os votos de 2/3 dos senadores. Como o senado tem 81 membros, são necessários pelo menos 54 votos favoráveis para aprovar o impeachment. Isto significa que para derrotá-lo são necessários pelo menos 28 votos não favoráveis, que podem ser tanto votos contrários ao impeachment, quanto abstenções e ausências. Com 28 votos não favoráveis, os favoráveis ficam em 53, um a menos do que o exigido pela lei, e o impeachment é reprovado. Na votação do dia 11 de maio, que aprovou a admissibilidade do processo contra Dilma, 22 senadores votaram contra, dois se ausentaram e 55 votaram a favor. Para absolver a presidenta no final do julgamento é preciso, portanto, manter os 24 votos não favoráveis à abertura do processo (22 contra e 2 ausentes) e conquistar só mais 4 dos que naquela ocasião foram favoráveis.
Considero que três fatores podem ser determinantes para a decisão de um senador votar contra o impeachment. A convicção da inocência de Dilma quanto às acusações que lhe são imputadas, a percepção de uma opinião pública muito desfavorável sobre o governo provisório de Michel Temer e a possibilidade de se antecipar a eleição presidencial, abreviando o mandato de Dilma. Pois estas três condições já estão sendo inteiramente atendidas. Porque a inocência de Dilma já foi cabalmente comprovada, a rejeição a Temer na sociedade tem se mostrado altíssima e crescente e a presidenta já concordou em antecipar sua sucessão, desde que seja este o desejo do povo, manifestado por meio do voto, num plebiscito. Esta é a condição que ela impõe, criando uma perspectiva nova para o desfecho do processo.
Desde o início do processo de impeachment, a justificativa jurídica para a cassação do mandato da presidenta tem sido de que ela teria cometido crime de responsabilidade, passível desta pena, de acordo com a Constituição. Ocorre que este crime de responsabilidade nunca foi comprovado. Mas o processo avançou, a despeito disso, afrontando a Carta Magna, apoiado numa justificativa política de que a presidenta deveria ser deposta “pelo conjunto da obra”, que seriam os desacertos – reais ou inventados – do seu governo, supostamente responsáveis pela crise econômica do país.
Os agentes do direito comprometidos com o golpe ou apenas omissos, por covardia, diante dele fazem vista grossa para a inépcia da acusação formal, enquanto a expressão “conjunto da obra”, que, não definindo nada, serve para abarcar todas as insatisfações da sociedade, vai atendendo com eficácia ao propósito de sustentar politicamente o que juridicamente não para em pé.
O processo de impeachment da presidenta Dilma tem sido, portanto, na verdade, um julgamento exclusivamente político, que despreza inteiramente a principal exigência para condenação prevista na Constituição, que é a comprovação do crime de responsabilidade. E penso que se é para sofrer julgamento exclusivamente político, melhor será para Dilma, sem dúvida nenhuma, que este julgamento seja feito pelo povo do que por um bando de corruptos e inimigos da esquerda e da classe trabalhadora. O acordo para a realização do plebiscito teria como efeito prático exatamente a transferência da responsabilidade por este julgamento político das mãos dos senadores para as mãos do povo, o que criaria a possibilidade de um desfecho bastante diferente do que até hoje tem parecido mais provável.
A inocência comprovada de Dilma e a desaprovação ao governo Temer por si sós talvez não bastem para determinar o voto contrário ao impeachment de muitos senadores. Mas a possibilidade de livrarem-se da responsabilidade por um ato de tamanha gravidade, como é a cassação de uma presidenta da república, ainda mais da forma e no contexto em que se pretende fazê-lo, tem tudo para influenciar muitos deles a votarem nesse sentido.
Transferindo de fato o julgamento político de Dilma do senado para a sociedade, estes senadores livram-se da pecha de golpistas, sem afrontar os eleitores que querem abreviar o mandato da presidenta, por desaprovarem o seu governo, já que dão a eles a prerrogativa de atuarem, eles próprios, como juízes. Solução perfeita que atende à conveniência e, ao mesmo tempo, à consciência dos que tem consciência.
Quando digo que o acordo do plebiscito cria as condições para a retomada do diálogo da esquerda com a classe trabalhadora, refiro-me à recuperação do poder presidencial, que permite a concepção e execução de ações de governo, mas também ao acesso às mídias eletrônicas de massas – rádios e TVs –, proporcionado pela condição de presidente da república e pela legislação eleitoral no período das campanhas tanto do plebiscito, quanto de uma possível eleição presidencial antecipada.
O acesso à mídia é tão importante para a definição dos rumos do processo político que a primeira coisa que direita fez, logo que Dilma foi afastada, com a abertura do processo de impeachment, foi desaparecer com a voz e imagem dela dos noticiários, tornando-a simplesmente inaudível e invisível para o povo. Tratam-na como se não existisse, como se já tivesse morrido para a política, ficando apenas o seu substituto provisório, este sim apresentado como última esperança do país.
Voltando à presidência, Dilma terá que ter uma política de comunicação agressiva, para ocupar espaço nas rádios e TVs da direita, mas já terá garantida a TV Brasil e a tribuna eletrônica proporcionada pela campanha do plebiscito, no horário da propaganda eleitoral obrigatória. Para vencer os desafios desta nova etapa do seu mandato a presidenta terá que exercitar permanentemente o debate público com a direita e o diálogo com a classe trabalhadora através da mídia, combinando audição atenta e discursos claros com ações de governo que confirmem as suas palavras e contribuam para uma crescente e rápida recuperação da sua credibilidade.
O acordo do plebiscito abre horizontes novos para a esquerda, que até agora só tinha como perspectiva mais realista a derrota, já que as massas trabalhadoras tem se mantido indiferentes ao discurso democrático e refratárias a todo chamado que se fez para a mobilização, desde o início da resistência ao golpe.
Com o acordo do plebiscito a derrota deixa de ser uma certeza para ser apenas possibilidade, porque passou a ser também possível derrotar o impeachment no senado e com isso iniciar uma forte reação à escalada autoritária do neoliberalismo.
Não se trata de fórmula mágica que solucione todos os problemas da esquerda, mas da solução possível para um problema específico que, não sendo resolvido, criará problemas maiores, de solução muito mais difícil. Trata-se de evitar que, se consumando, o golpe dê origem a uma ditadura.
E a esquerda pode, realmente, vencer. Se não for no plebiscito, garantindo a continuidade do mandato de Dilma, pode ser na eleição presidencial que vier em seguida. Porque, como tenho dito, o campo de disputa política que mais favorece hoje à esquerda não é o do parlamento, do judiciário ou das ruas, é o campo do debate público sobre programas de governo, possibilitado pelas campanhas eleitorais.
E aí há uma questão que precisa ser considerada porque diz respeito aos nossos desafios futuros. Enquanto a esquerda não superar a sua falta de meios de comunicação com as massas e os problemas crônicos de administração partidária, que inviabilizam quase inteiramente o aproveitamento do potencial militante das bases de filiados dos seus partidos, as campanhas eleitorais vão continuar tendo um papel fundamental para a conscientização e mobilização dos trabalhadores.
É preciso reconhecer que fora dos períodos eleitorais a esquerda não tem canal nenhum de comunicação com a imensa maioria da classe trabalhadora, razão pela qual a democratização da mídia, com a regulação dos meios de comunicação e com a construção de uma rede pública democrática de rádio e TV, deve ser elevada à condição de prioridade máxima no próximo período.
O desastre da primeira metade do segundo mandato de Dilma e o consenso nacional sobre a falência do presidencialismo de coalizão praticamente impõem ao PT o abandono definitivo da estratégia de conciliação de classes e isto, certamente, terá como efeito uma aproximação e até unidade de ação com alguns setores da esquerda que hoje lhe fazem oposição.
Mas desta unidade entre as superestruturas dos partidos não resultará um fortalecimento real do campo da esquerda se as cadeias de comando destes partidos continuarem negligenciando o cumprimento das funções administrativas necessárias para a organização e mobilização das suas respectivas bases de filiados.
Um partido de massas como o PT, que tem mais 1,7 milhão de filiados, tem potencial para intervir com muito mais força e frequência na sociedade do que tem feito. O problema é que a cadeia de comando do partido não funciona e por isso a base de filiados permanece dispersa e incomunicável.
Não existe democracia e poder de ação coletiva partidárias sem funcionamento do partido como organização, com comando, organização e disciplina dos dirigentes. E a estratégia mais correta terá sempre a sua correta execução inviabilizada se os dirigentes não forem capazes de tomar decisões que conduzam ao melhor trato possível dos recursos humanos e materiais do partido em cada ação planejada.
Revolucionar administrativamente o partido e lutar pela democratização da mídia controlada pela iniciativa privada e pela construção de uma mídia pública forte e democrática são os mais importantes desafios que o PT precisa enfrentar e vencer no próximo período para ter condições de enfrentar e vencer todos os demais desafios da luta de classes.
Ter um partido cuja democracia interna funcione intensa e permanentemente e que tenha um poder de ação coletiva que permita uma intensa e permanente intervenção política na sociedade; e ter acesso a mídias eletrônicas que permitam uma intensa e permanente comunicação com o conjunto da classe trabalhadora, são condições inescapáveis para o fortalecimento da esquerda na sociedade e para o avanço do seu projeto no país.
Mas, neste momento, a prioridade é derrotar o golpe e impedir o advento de uma ditadura. É hora de apoiar a inteligente e corajosa decisão da presidenta Dilma de construir no senado um acordo para a transferência do seu julgamento político do parlamento, onde o jogo já estaria decidido, para a sociedade, onde ainda temos chance de vitória. O modo como reagem os agentes do golpe, revela preocupação quanto aos possíveis resultados deste audacioso movimento. A direita treme porque sente o seu projeto ameaçado.
Crítico que fui de Dilma, desde o início do seu segundo mandato, é com enorme satisfação e com esperança renovada que digo agora:
Companheiros do PT, da CUT, do MST e do PCO.
Desta vez, a presidenta está certa. Vamos apoiá-la.
Fora Temer!
Depois, plebiscito.
O povo decide quem governa.
E o meu voto será pela permanência de Dilma.
Saudações petistas,
Silvio Melgarejo
28/06/2016
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