quinta-feira, 21 de julho de 2016

Golpistas são contra eleição e plebiscito. Por que será?

Em meio ao debate estabelecido na esquerda sobre as propostas de antecipação da eleição presidencial e plebiscito, parto, para me posicionar, da constatação um tanto óbvia de que só existem dois caminhos possíveis para se impedir que o impeachment de Dilma seja aprovado em agosto no senado. Ou através da mobilização social ou por meio de um acordo parlamentar. 

A bandeira ou objetivo que tem o maior potencial para mobilizar a classe trabalhadora hoje é, sem dúvida nenhuma, a antecipação da eleição presidencial, porque este é o desejo da maioria dos trabalhadores, segundo as pesquisas de opinião. E o único acordo parlamentar possível, com potencial para garantir os votos necessários para derrotar o impeachment no senado é o acordo que prevê o apoio de Dilma à convocação de um plebiscito sobre a antecipação da eleição presidencial, após o seu retorno a presidência, exatamente porque os senadores sabem que antecipar a eleição é o desejo da maioria do povo.

Defendi a antecipação da eleição presidencial desde a sessão da Câmara que aprovou a admissibilidade do processo de impeachment, em 17 de abril, até o dia em que foi noticiada a existência da articulação do acordo para a derrota do impeachment no senado em troca do apoio de Dilma à realização de um plebiscito sobre a antecipação da eleição. A partir daí passei a defender o acordo do plebiscito e que, havendo plebiscito, se faça a defesa da permanência de Dilma, ou seja, que se chame o voto contra a antecipação da eleição.

As razões pelas quais eu defendia a antecipação da eleição presidencial eram as seguintes:
1 – O impeachment já estava claramente contratado pela burguesia junto ao legislativo e ao judiciário como um processo exclusivamente político, que despreza a exigência legal e constitucional de comprovação do crime de responsabilidade, caracterizando-se, por isso, como um golpe de Estado.

2 – Este golpe tornou-se inevitável porque a resistência democrática parou de crescer sem conseguir a adesão da maioria da classe trabalhadora.

3 – O golpe é um projeto da burguesia e seu objetivo principal não é a redução do mandato da presidenta Dilma e sim a tomada do poder pela direita para a implementação de um programa de governo que direita e burguesia sabem que seria rejeitado pelo povo em qualquer eleição que fosse apresentado. Numa gravação, Romero Jucá diz que conquistou o apoio dos tucanos ao golpe com este argumento.

4 – O programa de governo dos golpistas, apoiado por todas as entidades empresariais, é não só eleitoralmente inviável, como irrealizável num regime democrático, em razão da forte resistência popular que fatalmente provocaria contra a sua implementação. Por isso o governo Temer, caso empossado em definitivo, deverá ser necessariamente um governo autoritário.

5 – Ante esta clara perspectiva de mudança do regime político do país, com o provável estabelecimento de uma ditadura, passei a avaliar que o objetivo principal da esquerda deveria ser impedir a posse de Michel Temer, passando a recuperação do mandato de Dilma Rousseff à condição de objetivo apenas instrumental ou secundário.

6 – Nesta avaliação, considerei o fato de que a maioria da classe trabalhadora, segundo as pesquisas de opinião, mantinha forte rejeição tanto a Dilma, quanto a Temer, ao mesmo tempo que expressava o seu desejo de mudança através da indicação da preferência pela antecipação da eleição presidencial como saída para a crise do país.

7 – Considerei também o fato de que este apoio popular à ideia de antecipar a eleição presidencial deu origem a uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) com este objetivo, que foi assinada por um grupo de 30 senadores.

8 – Com ampla base social e representação no parlamento, a antecipação da eleição presidencial passou a ser a única proposta com potencial real para mobilizar as massas, botando-as em posição antagônica à posição dos golpistas, num momento em que os golpistas ainda não têm garantida a conquista da presidência da república.

9 – Este potencial para mobilizar a classe trabalhadora foi identificado por alguns setores da esquerda, que passaram a defender a antecipação da eleição, mas também pelos próprios agentes do golpe - Globo, Estadão, Temer, Cunha e Jucá -, que passaram a atacar a proposta com declarações e editoriais indignados, em que chegaram a dizer que "antecipar a eleição, sim, é que seria golpe".

10 – Esta forte reação do golpismo, num coro de condenação do qual só a Folha inicialmente esteve fora, vindo logo a aderir, recompondo a unidade com seus pares, reforçou minha convicção de que a antecipação da eleição presidencial seria mesmo o melhor caminho para derrotar o golpe, impedindo que o golpe atinja o seu real objetivo, que é a tomada do poder para a imposição à classe trabalhadora, através do aparato repressivo do Estado, de um programa de governo radicalmente antinacional e antipopular.
Mas aí surgiu a proposta do plebiscito e ela trouxe uma nova e melhor possibilidade de desfecho para esta etapa conturbada do processo político que estamos vivendo. Porque se a defesa da antecipação da eleição impunha o sacrifício do mandato de Dilma para impedir o advento de uma ditadura, o acordo para o apoio de Dilma ao plebiscito não só pode impedir que a ditadura se instale, como daria a Dilma tempo e meios para tentar reconquistar a confiança dos trabalhadores, através do diálogo e ações de governo, e ter referendado o mandato conquistado em 2014, podendo exercê-lo integralmente até 2018, politicamente revigorada por este novo voto popular.

Tenho dito em textos anteriores que para mim o efeito prático do acordo do plebiscito seria a efetiva transferência do julgamento político de Dilma do senado para a sociedade e que há mais condições para Dilma defender-se e ser absolvida sendo julgada pelo povo do que julgada, como tem sido, pela corja corrupta e reacionária do senado. A direita sabe disso e por isso não quer o plebiscito.

E tenho dito também, em textos anteriores, que para mim o efeito prático tanto da antecipação da eleição presidencial, quanto do plebiscito sobre ela, seria levar a disputa política do país para o campo de batalha que mais favorece a uma vitória da esquerda sobre a direita, que é o campo do debate público sobre programas de governo. É para fugir deste debate, do qual não pode escapar nas campanhas eleitorais, que a direita envereda pelo atalho do golpe. E é por temer enfrentar este debate que a direita rejeita tão veementemente a antecipação da eleição presidencial e o plebiscito. É natural que a direita reaja assim. Mas e a esquerda, do que tem medo, quando rejeita, com o mesmo vigor, estas propostas?

Acredito firmemente que o objetivo da esquerda hoje deva ser, antes de tudo, impedir que a direita se arme com os poderes presidenciais para realizar o seu projeto, que seria o maior ataque aos direitos da classe trabalhadora e à soberania do Brasil já registrado na história do país, que provocaria um retrocesso civilizatório de décadas, quase um século, e que arrastaria a nação para um abismo de barbárie e obscurantismo, do qual só depois de prejuízos humanos incalculáveis poderia um dia, quem sabe, se erguer. 

O Brasil tem diante de si um claro projeto de ditadura que precisa ser interrompido antes que se instale e se imponha ao povo com o peso descomunal do aparato repressivo do Estado, que hoje é infinitamente maior do que o da ditadura inaugurada em 64. Mas, se os dois meios possíveis para se abortar essa ditadura são a mobilização social e o acordo parlamentar, é preciso reconhecer que, nas presentes circunstâncias, um e outro sozinho não tem condições de gerar força política suficiente para alcançar seu objetivo, que só combinados eles se potencializarão mutuamente e ganharão eficácia. E a única ação política capaz de favorecer hoje simultaneamente à mobilização social e a um acordo parlamentar no senado é exatamente o apoio de Dilma e da esquerda à consulta popular sobre a antecipação da eleição presidencial

O povo quer mudanças, por isso apoia a antecipação da eleição. O plebiscito daria a este anseio popular um meio de afirmação. Mas também daria a Dilma e à esquerda tempo e meios para demonstrar que a permanência da presidenta é o caminho mais seguro para as mudanças desejadas. Não é solução mágica, como se vê, já que o poder continuará em disputa. Mas as chances de vitória em qualquer disputa serão sempre tanto maiores, quanto mais favoráveis nos forem as condições do campo de batalha e desfavoráveis ao desempenho do inimigo. O campo de batalha que mais favorece à esquerda, como tenho dito, é o campo do debate público programático imposto pelas campanhas eleitorais. E este plebiscito que tem sido proposto nada mais é do que uma eleição, onde não serão julgados os crimes de responsabilidade atribuídos a Dilma, mas o conjunto da obra dos mandatos presidenciais petistas, desde Lula, e os programas de governo oferecidos pela esquerda e pela direita para o próximo período.

Digo tudo isso para demonstrar que a esquerda tem muito menos razões para temer um processo eleitoral ou plebiscitário do que a direita, o que torna absolutamente sem sentido a unidade de alguns setores com os principais agentes do golpe contra a eleição presidencial e o plebiscito. Como eu já disse, também, num outro texto, não é possível que estas duas propostas favoreçam e desfavoreçam ao mesmo tempo ao golpe de Estado, o que significa que alguém está errado, dando, como se diz, "tiro no pé". E quem estará "dando tiro no pé" quando se opõe ao plebiscito e à antecipação da eleição? Globo, Estadão, Folha, Temer, Cunha, Jucá e Alckmin? Ou CUT, MST, CMP, PT e PCO? Eu não tenho dúvida nenhuma de que errados estão os companheiros da esquerda e que absolutamente corretos estão os estrategistas do golpe.

A direita se opõe à antecipação da eleição e ao plebiscito porque vê nestas propostas uma séria ameaça ao seu projeto de golpe e ditadura neoliberal, na medida em que estas propostas se apresentam como saídas alternativas viáveis ao estabelecimento de um governo cada vez mais reconhecido na sociedade como corrupto, autoritário, antipopular e entreguista, por corresponderem ambas as propostas ao anseio da maioria do povo por mudanças. E sabe a direita que as mudanças que o povo deseja não são as mudanças que ela pretende para o país, porque o povo rejeitou o seu programa de governo em quatro eleições presidenciais consecutivas e reiteradamente o tem rejeitado toda vez que nas pesquisas de opinião exige do Estado saúde, educação, segurança, previdência social e uma política econômica que garanta emprego e renda digna para todos.

O tempo passa e a data do julgamento do processo de impeachment no senado cada vez mais se aproxima, sem que a esquerda defina claramente uma estratégia realmente capaz de influir no seu resultado. Depois da onda de belas, mas insuficientes mobilizações contra o golpe, a esquerda quase toda caiu num ansioso imobilismo, desmotivada pela total indiferença do povo aos reiterados chamados para a luta em defesa da democracia. A resistência democrática parou de crescer, porque não conseguiu com seu discurso a adesão da maioria mais pobre da classe trabalhadora, e com isso o golpe avançou e continua avançando. 

Ante a evidente ineficácia da estratégia que mantém, alguns setores da esquerda, dentre os mais aguerridos opositores do plebiscito e da antecipação da eleição presidencial, já flexibilizam esta posição radical, admitindo que o acordo entre Dilma e os senadores possa contribuir para a derrota do impeachment e até consentindo que este acordo seja estabelecido, mesmo apontando uma série de inconvenientes e limitações e recusando-se a investir na mobilização social em favor da consulta popular. 

Temer vai se equilibrando, com a ajuda da mídia, entre as exigências da burguesia, as cobranças dos sócios de empreitada golpista e as desconfianças do povo. Tentará agradar a todos, não ferindo interesses de quem possa influir no resultado do julgamento de Dilma, até que finalmente tenha alcançado a posição de presidente, pela qual tem lutado. E aí a conversa certamente mudará de tom. Ele mesmo já disse, com todas as letras, num evento com empresários do setor ruralista, que as medidas mais impopulares, só tomará quando assumir a presidência em definitivo. De modo que, quando o povo, hoje apenas desconfiado, sentir na pele os efeitos dessas medidas e tentar expressar nas ruas sua desaprovação, vai descobrir que perdeu também este direito, entre outros tantos, porque o governo Temer será, não tenho dúvida, uma autêntica ditadura.

A esquerda não pode cometer o grave erro de permitir que isto aconteça, abraçada, como está, a uma estratégia falida, baseada num principismo que desconsidera as circunstâncias reais da guerra em que atua. Se houvesse alguma perspectiva de o governo Temer vir a ser democrático, poderia-se contar com alguma condição para derrotá-lo e ao seu programa em breve tempo através da disputa política na sociedade. Mas não há esta perspectiva. E o que se terá, se ele se estabelecer como presidente, será o confronto entre uma classe trabalhadora desorganizada, sem mídia e sem partidos estruturados, contra uma ditadura apoiada pela burguesia unida, dispondo dos mais poderosos e sofisticados meios de repressão política e desmobilização social. Na verdade, não seria confronto, seria um massacre. E não é possível, francamente, que se considere um cenário destes mais favorável à esquerda do que a disputa de um plebiscito ou eleição, com Dilma ocupando a presidência.

Em tempo, vale registrar a escandalosa fraude estatística e jornalística de Datafolha e Folha, denunciada esta semana por vários órgãos da imprensa independente, como o site The Intercept, do consagrado jornalista Gleen Greenwald. Comprovado está que instituto e jornal simplesmente falsificaram os dados de sua pesquisa de opinião mais recente para esconder que mais de 60% dos entrevistados querem a antecipação da eleição presidencial. E o fizeram, claramente, para evitar que este número influenciasse a decisão dos senadores de aderirem ou não ao acordo do plebiscito que pode sepultar o impeachment. 

Só o desespero da direita, ante à real perspectiva de derrota que este acordo lhe cria, pode explicar um movimento de tamanho risco para a credibilidade de um de seus jornais e de um dos seus institutos de pesquisa mais prestigiados. A farsa foi desmascarada e, ao se-lo, mostra que, enquanto a esquerda hesita em apoiar o plebiscito, cega às virtudes e ao potencial desta estratégia, a direita já combate o plebiscito como quem luta pela própria vida, valendo-se até dos meios mais temerários para ela própria, como esta adulteração de dados da pesquisa Datafolha, exatamente porque vê na proposta do plebiscito o que a esquerda míope não tem conseguido enxergar.

Esta fraude do Datafolha constitui, portanto, mais um dado relevante da realidade a corroborar a tese de que a defesa do plebiscito hoje não seria um tiro da esquerda no próprio pé, como muitos dizem, mas um tiro da esquerda no coração do golpe. Por isso sigo apoiando esta proposta, absolutamente convicto de que este é o melhor caminho para a defesa da democracia e dos direitos da classe trabalhadora que permanecem ameaçados.

Não ao golpe!

Ditadura nunca mais!

Fora Temer!

Depois, plebiscito.

O povo decide quem governa.

Saudações petistas,

Silvio Melgarejo

21/07/2016

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