O problema é que esse tipo de prática virou moda. Gente velha, que devia ter mais discernimento e responsabilidade, tá tratando os moleques como heróis. E o pior é que eles estão acreditando. Mas não são heróis de nada. O meio, para eles, na verdade é o fim. Os velhos é que estão tentando usar o fim deles como meio para alcançar os próprios fins. Eles mesmos nem sabem por que lutam. Apenas lutam, como galos numa rinha, obedecendo ao instinto da busca do prazer da adrenalina.
O "blackbloquismo" é uma expressão coletiva da aversão juvenil à autoridade e do fascínio que os jovens sempre tiveram pela vida marginal e violenta. É a cultura da birra e da autovitimização ante a opressão de uma autoridade vista como semelhante à paterna. Esses garotos provocam ao máximo a polícia, que dizem odiar, confiando, paradoxalmente, no respeito da polícia aos limites legais. Não acreditam mesmo que algum meganha louco atire prá matar, nem cogitam a possibilidade real de serem atingidos por tiros disparados pelos seguranças do comércio. Declaram, portanto, guerra a inimigos nos quais depositam inexplicável confiança.
Agem como bate-bolas carnavalescos, tentando assustar o poderoso Estado burguês, com suas fantasias e seu teatro barulhento. Isso é de uma ingenuidade tal, que revela o quão pouco sabem da vida e da luta de classes. Este tipo de ação que fazem é absolutamente inofensivo para a burguesia. Traz prejuízo material e financeiro, isto sim, para a pequena burguesia, que em algum momento vai começar a cobrar de alguém a conta.
A ação dos mascarados é, além disso, politicamente prejudicial à luta dos trabalhadores, porque reforça o preconceito deles contra as manifestações de rua e porque atrai e legitima a repressão policial. Mas é sobretudo extremamente perigosa esta metodologia de ação para os próprios Black Blocs. Se o Estado ou os movimentos sociais não segurarem esses garotos, a pequena burguesia, que está muito incomodada com eles, vai começar a agir contra eles por conta própria. Se queremos mártires, estamos no caminho certo para tê-los.
Não sou, assim, contra o “blackbloquismo” por legalismo ou moralismo. Me oponho por razões ao mesmo tempo políticas e humanitárias. O “blackbloquismo” enfraquece a classe trabalhadora perante a burguesia e expõe jovens imaturos e inexperientes a riscos que não se justificam e que eles próprios não medem. Brincam de revolução ante uma classe dominante forte e coesa, sem ter atrás de si um décimo sequer do respaldo social necessário para fazer pelo menos um leve arranhão que seja no Estado que ousam tresloucadamente enfrentar.
Não quero amanhã ver um desses meninos mortos por nada. E quero ver a classe trabalhadora cada vez mais nas ruas. Infelizmente, quando a classe resolveu ir prá rua se manifestar, surgiu essa tácita aliança entre polícia e Black Blocs para esvaziar as ruas e estigmatizar ainda mais os movimentos sociais. O “blackbloquismo” é portanto para mim, a despeito da aparência, uma força política que tem desempenhado um papel claramente contrarrevolucionário.
Os Black Blocs, apesar da hostilidade aos símbolos do capitalismo, servem involuntária, mas efetivamente, à burguesia, ajudando-a a afastar os trabalhadores das ruas e, com isso, dificultando a mobilização das massas para a conquista de mudanças reais no país, seja através de reformas, seja através da ruptura revolucionária. Os Black Blocs são no Brasil, o que foram e continuam sendo no restante do mundo. Os Black Blocs são o câncer que debilita e mata os movimentos sociais que inadvertidamente os toleram, acolhem e protegem.
Condenar o Estado burguês por tirar proveito da burrice e da estupidez do “blackbloquismo”, é o mesmo que, no futebol, condenar o atacante adversário por explorar os erros da própria zaga. Faz parte do jogo. Qualquer torcedor sabe que é do seu próprio time que tem que cobrar eficiência no confronto com a equipe adversária.
Em qualquer disputa, política ou esportiva, o papel do adversário é nos criar dificuldades. E a burguesia realmente nunca deu facilidade aos trabalhadores. Nunca houve uma sequer concessão gratuita. Tudo que os trabalhadores têm resulta de seu trabalho e de sua luta. A burguesia sempre explorou e vai continuar explorando os erros das mobilizações dos trabalhadores, para derrotá-los. É assim que ela se perpetua como classe dominante. Contando com as próprias forças e com as debilidades e erros da classe trabalhadora.
Não adianta ficar só na crítica à crueldade dos governos burgueses. É preciso avaliar seriamente a qualidade da ação política da classe trabalhadora a cada passo. Insistir em estratégias que os fatos demonstram ser ineficientes, não vai ajudar a classe trabalhadora a atingir seus objetivos. Na luta de classes, como no futebol, a culpa da derrota nunca é do inimigo, é sempre da nossa própria incapacidade de vencê-lo.
O “blackbloquismo” é um flanco aberto na linha defensiva da classe trabalhadora, por onde a burguesia, através de seu Estado, avança e desfere ataques precisos. Penso que devemos fechar este flanco para enfrentar em melhores condições a burguesia nas ruas. O circo está substituindo a luta de classes. Se eu fosse burguês estaria, neste momento, festejando. Como não sou, critico o que vejo. Ninguém muda um país com teatro e pirotecnia. A esquerda brasileira está, a meu ver, cometendo o equívoco de dar solo fértil à semente de suas futuras derrotas. Espero, sinceramente, estar errado. Mas é esse o quadro que vejo agora.
Silvio Melgarejo
19-10-2013
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