terça-feira, 8 de outubro de 2013

Greve no setor público: debate com dois companheiros do PT.

Por Silvio Melgarejo - No debate aberto pela publicação dos posts anteriores sobre a greve no setor público, dois companheiros do PT expressaram opiniões concordantes entre si e divergentes da minha. Curiosamente os dois pertencem a tendências rivais dentro do partido. A companheira Eugênia Loureiro é da Construindo um Novo Brasil (CNB), e o companheiro Ricardo Quiroga é da Articulação de Esquerda (AE). Destaco este fato porque ele parece indicar que o corporativismo abrange mesmo um amplo espectro de tendências, na vanguarda do partido.

Reproduzo abaixo as duas mensagens que publiquei hoje na lista de e-mails do 1º Diretório Zonal do PT-Rio/RJ, agradecendo à companheira Eugênia e ao companheiro Ricardo a oportunidade de estar debatendo com eles.

Mensagem a Eugênia Loureiro


Olá, Eugênia. Obrigado pelo comentário. Vou tentar responder ponto a ponto. Ok? Vamos lá.


"Isso tudo é mais fácil de falar do que fazer." (Eugênia)

Não defendo o mais fácil. Defendo o que acho justo. E o justo, muitas vezes, é mesmo o mais difícil. O que não quer dizer que devamos renunciar a ele. Certo?



"Não concordo com essa idéia de que os funcionários públicos não possam fazer greve." (Eugênia)

Vamos colocar as coisas sobre outra perspectiva. Você concorda com a ideia de que a classe trabalhadora pode ficar sem serviços públicos? Eu não. Por isso sou contra a greve.



"Exatamente porque estamos no século XXI, greve do setor público é possível. Na ditadura militar era crime, passível de punição." (Eugênia)

As greves reprimidas sempre foram as que ameaçavam o lucro e o poder da burguesia. A greves na educação e na saúde públicas não ameaçam nenhum pouco o lucro e o poder da burguesia. Ferem, isto sim, e em cheio, os direitos da própria classe trabalhadora, que só podem lhe ser garantidos pela ação estatal.



"Certamente, podem existir outras formas complementares de mobilização." (Eugênia)

As formas de mobilização que você tem como complementares, eu defendo que sejam as principais e únicas, porque são elas as únicas que permitem o estabelecimento de pactos entre servidores e usuários, para atuação conjunta, em torno de pautas unificadas. Isso representaria um significativo salto qualitativo do sindicalismo brasileiro, que evoluiria do corporativismo, que divide a classe e isola as categorias, para o classismo, que une a classe pela conexão entre setores e categorias.



"Mas aos pais caberia apoiar a mobilização e ajudar na definição dos rumos do movimento, uma vez que os métodos de ensino em princípio não deveriam interessar só aos professores, da memsa forma que professores bem pagos e com tempo para pesquisa., complementação de formação etc." (Eugênia)

Não quero ser invasivo, nem indiscreto, Eugênia, me responda se quiser, senão considere esta pergunta apenas retórica. Aonde estudam as crianças da sua família, seus filhos, netos ou sobrinhos? Nas escolas públicas paralisadas ou nas particulares, onde os meninos estão tendo aula normalmente? Eu tenho um palpite, se me permite. Eles devem estudar em escolas particulares. Eu suponho que você deva amar muito suas crianças, e não acredito, francamente, que quem ama seus filhos, sobrinhos ou netos possa concordar que eles sejam sacrificados, para prestar solidariedade a pessoas que demonstram total desprezo por eles, ao violar seus sagrados direitos ao ensino. Quem depende de verdade do serviço público é contra as greves de servidores. Só apoia greve em hospital e escola pública, quem tem plano de saúde e os filhos matriculados em escola particular. Pais que apoiam greves prejudiciais aos seus filhos, não têm amor real por eles.



"Não é verdade também que o setor público é o único que afeta nossas vidas. A greve dos bancos idem. Isto sem falar que é uma situação que só os bancos públicos realmente aderem. Em nome da greve várias operações deixam de ser feitas ou entram nam aior lentidão. A questão dos transportes idem. Motoristas e cobradores andam descontando em cima dos passageiros. Tudo isso me parece muito mais sinais de uma sociedade que se organiza e precisa se organizar. Motoristas e cobradores sempre fizeram movimento junto com os patrões/donos das companhias de ônibus. Como ando de ônibus, percebo que eles querem dar passos em outra direção ou não. Mas nessa tentativa descontam nos passageiros. Sabemos que não é por aí." (Eugênia)

Quando você diz "as nossas vidas", parece sugerir que todas as vidas na sociedade são iguais, que todos têm os mesmos recursos e possibilidades de autodefesa. Você sabe perfeitamente que as coisas não são assim. Nós vivemos num país ainda muito desigual, onde há populações com maior renda, que se protegem muito bem de qualquer adversidade, ao lado de populações extremamente vulneráveis, que dependem do Estado para garantir até a alimentação. O que eu quero dizer é que os mais pobres e os mais ricos não sofrem do mesmo modo e na mesma medida os efeitos de uma greve de serviços públicos. Além disso, há diferenças no tempo de resolução dos conflitos geradores das greves, que varia de acordo com as classes e frações de classe afetadas pelos movimentos. Greves que afetam a burguesia e a classe media são sempre muito mais curtas do que as greves que afetam o proletariado e o sub-proletariado, chamado "povão".

Sobre as greves de bancários e rodoviários, mencionadas por você. O sistema bancário não para nunca completamente. Primeiro, por restrições legais. Segundo, pelo alto grau de automação. E em terceiro lugar, pela diversidade de canais alternativos de atendimento, que hoje estão em casas lotéricas e até em redes de supermercados. Portanto, com o advento do auto-atendimento por telefone, internet e caixa-eletrônico, e da integração dos sistemas online dos bancos com as casas lotéricas e supermercados, os transtornos de uma greve bancária hoje são muito menores do eram há 20 anos atrás. O sistema não para mesmo.

Sobre os ônibus. Realmente, eu não saberia dizer se houve realmente algum dia no Rio alguma greve de rodoviários. Tenho a mesma quase certeza que você de que o que sempre houve foi o lock-out, em que o patrão suspende o serviço prá simular uma greve salarial e pressionar a prefeitura a autorizar uma elevação de tarifa. O transporte rodoviário é o principal meio de locomoção do trabalhador brasileiro, nos centros urbanos. Se ele para, isso tem repercussões em toda a economia. Não só os trabalhadores perdem o dia de trabalho. A burguesia também. E por atingir à burguesia, nunca uma greve ou lock-out se estende por mais de dois ou três dias, assim mesmo se for muito forte. São, portanto, paralisações de curta duração e prejuízos limitados pelo próprio empenho da burguesia em abreviá-las.

Nem os rodoviários, nem os bancários causam tanto sofrimento e prejuízo com suas greves à classe trabalhadora, especialmente às populações mais carentes, do que os servidores públicos da educação e da saúde, cujas paralisações são invariavelmente prolongadas, como estas que estamos vendo hoje aqui no Rio. A burguesia e a classe media se acomodam na educação e na medicina privada. Os servidores se acomodam na estabilidade do emprego. Só ao povão incomoda a paralisação do Estado, em áreas que só ele busca por necessidade. E como o povão, apesar de maioria, é desorganizado e, portanto, fraco politicamente, acaba carregando o fardo de sua dor sozinho, sem meios sequer de fazer chegar suas queixas ao Estado, aos servidores, ao conjunto da sociedade.

Portanto, Eugênia, concluindo neste ponto, penso que a greve não deve ser admitida em serviços essenciais que não possam ser providos por outras vias e estar acessíveis ao conjunto da população. Já há na Lei 7.783, de 28 de junho de 89, uma definição do que é "serviço essencial" e "necessidade inadiável", que é a seguinte:

Art. 10 - São considerados serviços ou atividades essenciais:
        I - tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;
        II - assistência médica e hospitalar;
        III - distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;
        IV - funerários;
        V - transporte coletivo;
        VI - captação e tratamento de esgoto e lixo;
        VII - telecomunicações;
        VIII - guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares;
        IX - processamento de dados ligados a serviços essenciais;
        X - controle de tráfego aéreo;
        XI compensação bancária.


        Art. 11. Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.
        Parágrafo único. São necessidades inadiáveis, da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população.


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7783.htm




"Nós petistas penso que devemos defender o direito de grave do setor público e uma mobilização que não se coloque contra a população que depende dos serviços. A CUT está aí para isso.. Exemplo disso é a greve dos metroviários que liberam as roletas." (Eugênia)

Liberar a roleta não é greve, Eugênia. Mas é, sim, uma forma inteligente de luta, porque serve prá dar prejuízo ao patrão, fazer a propaganda da causa e ganhar a simpatia e a solidariedade dos outros trabalhadores. Defender o direito irrestrito de greve dos servidores, é defender a possibilidade de suspensão do direito do cidadão aos serviços públicos. A greve é uma forma de mobilização que sempre se colocará contra a população que depende da ação estatal para ter seus direitos assegurados.

Nós, petistas, não podemos nos curvar ao que a razão mostra não ser correto, não podemos perpetuar a vigência de conceitos e fórmulas que inviabilizam a realização do projeto do partido. A luta pelo socialismo democrático, e mesmo pelas reformas estruturais ainda nos marcos do capitalismo, depende da unidade da classe para atingir seus objetivos. Greve que divide  a classe não serve às reformas, muito menos ao socialismo.

Sei que se convencionou que a posição em relação à greve define se o sujeito é de esquerda ou direita, mas isto, estou certo, é uma bobagem. Quando a greve fere o ideal da igualdade, não é greve de esquerda, é greve de direita. Eu, como militante de esquerda, sinto-me muito à vontade, graças às fortes razões que tenho exposto, para condenar a greve nos serviços públicos. São greves dirigidas e realizadas por trabalhadores que não sabem o que é consciência de classe, e que por isso dividem a classe, comprometendo o avanço da luta pelas reformas estruturais e pelo socialismo. É preciso ter a coragem de abrir e encarar essa discussão dentro do PT, para tentar fazer ver a estes companheiros - que, ao que tudo indica, são maioria, pelo menos na vanguarda - o equívoco em que estão de boa fé incorrendo, sem saber o prejuízo que ele pode representar para ideal que abraçaram.



"Precisamos avançar muito. É certo. Em direção a um setor público de qualidade o que inclui bons salários e bons planos de carreira. Mas sem egoismos pequeno burgueses, por favor. Afinal os filhos dos professres das escolas públicas também estudam em escoals públicas." (Eugênia)

Os filhos dos professores das escolas públicas, durante as greves, com certeza, estudam em casa. Com os pais, que são professores. E os filhos dos porteiros, da empregadas domésticas, dos garçons, das manicures, das caixas de supermercado, dos ajudantes de pedreiro, das operadoras de telemarketing, dos subempregados e desempregados, que, muitas vezes, mal sabem escrever o próprio nome? Como fica a educação dos filhos desses trabalhadores? Aonde o egoísmo pequeno-burguês, Eugênia? Nos que defendem os direitos do proletariado e do sub-proletariado, ou nos que os desprezam, privilegiando os setores da classe que já têm uma vida melhor do que a deles? Pense bem.



Um abraço, companheira.




Mensagem a Ricardo Quiroga


Olá, Ricardo Quiroga. Quero comentar algumas de suas falas.

"é inquestionável o direito de greve de cada categoria, porque cada um sabe onde o calo aperta." (Ricardo Quiroga)

E você sabe onde aperta o calo do usuário dos serviços públicos, durante uma greve de servidores? Ou tem plano de saúde e os filhos matriculados em escolas particulares?



"a única greve que prejudica unicamente os patrões (privados) e a elite é a de garçons de restaurantes chiques e a de seus trabalhadores domésticos." (Ricardo Quiroga)

Como você mesmo disse, Ricardo, não se pode igualar categorias e lutas. Toda greve tem um custo social que varia de categoria para categoria. Eu não tenho nenhuma dúvida, de que as greves na saúde e na educação pública, estão entre as mais socialmente onerosas que existem, por afetarem exatamente a população mais pobre, que depende da ação estatal para ter seus direitos mais elementares assegurados.

Se toda greve tem um custo social, você não acha que deveríamos usar essa forma de luta de maneira mais criteriosa, evitando em alguns casos o seu emprego, atentos à previsão da relação custo/benefício?


Um abraço, companheiro.




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