Vamos lá, Ricardo.
"Ainda não tenho filhos, mas estudei em duas universidades públicas, UERJ e UFRJ, que passaram por diversas greves. E sempre as apoiei, ainda que ao custo de estudar no tórrido verão carioca." (Ricardo Quiroga)
Parece que você não entende que há uma diferença muito grande entre "sacrificar-se" e "impor sacrifício". Você apoiou as greves da sua faculdade. Mas apoiaria uma greve que prejudicasse os seus filhos, se não tivesse meios para compensar-lhes a falta de aulas?
"Ser contra a greve no serviço público(e todos de certo modo são essenciais) é ir para além do que impunha a ditadura militar. Aliás, se considerarmos dentro do serviço público as concessionárias,aí simplesmente não dá mais para fazer greve em grandes setores.
Como eu disse, qual é o setor da economia no qual se faz greve e que não afete a população?
E aí, o custo/benefício varia de acordo com os atingidos. Uma greve em uma obra pode afetar todo seu entorno, a economia local, e inclusive os usuários que seriam beneficiados por esta. Uma greve de garçons impede a população que trabalha na rua se alimentar fora de casa. Uma greve de faxineiros impede a limpeza e consequentemente pode afetar a saúde das pessoas. E assim vai." (Ricardo Quiroga)
Comparar o mal que se faz a uma criança indefesa ou a um adolescente que está começando a vida com prejuízos materiais e aborrecimentos perfeitamente contornáveis por adultos, é constrangedoramente absurdo, Ricardo. Revela ausência total de senso de medida e proporção, e uma falta de sensibilidade social que a mim choca ver dentro do PT.
Parece que você não leu com a devida atenção os textos que eu tenho publicado, ou não leu nada, ou leu com atenção e, ainda assim, não entendeu xongas. A resposta que dei hoje à Eugênia, no post "Greve no setor público: debate com dois companheiros do PT", responde também aos argumentos que você está apresentando aqui agora. Leia por favor.
"Por fim, vejo um argumento meio telepático. Alguém aqui pode dizer que sabe a opinião média dos pais e alunos de escolas públicas?" (Ricardo Quiroga)
Precisa de pesquisa de opinião prá saber se as pessoas estão gostando ou não de ser prejudicadas? Será que você não tem empatia com o próximo, não tem consciência? Há mais de dois mil anos já se ensinava que se colocar no lugar do outro é a melhor maneira de saber se um ato é certo ou errado, justo ou injusto, benéfico ou prejudicial.
"Tudo o que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles. Esta é a lei e os profetas".(Evangelho de Mateus, capítulo 7, versículo 12 - Sermão da Montanha)
"Tratai todos os homens como quereríeis que eles vos tratassem".(Evangelho de Lucas, capítulo 6,versículo 31)
Eu não tenho filhos, Ricardo, mas consigo sentir perfeitamente a angústia e a revolta impotente dos pais pobres das crianças e adolescentes que estão tendo os seus direitos aviltados. Como pode um socialista não ter essa sensibilidade?
"Aliás, quem tem ido aos atos dos profissionais da educação? O que se tem visto é o Eduardo Paes tentando cooptar os pais, denegrindo os educadores." (Ricardo Quiroga)
O Paes está ocupando um espaço político que ficou vazio, porque os professores optaram por não ocupar. Preferiram fazer um movimento corporativista, decidido e desenvolvido apenas pela categoria, do que um movimento classista, decidido e desenvolvido por toda a classe trabalhadora, envolvendo servidores e usuários do ensino público. O que eu tenho dito é exatamente que, no setor público, o corporativismo, principalmente quando recorre à greve, divide a classe, isola o servidor, e cria as condições para que o governante se aproxime do usuário em busca de uma aliança com ele. Estamos falando de política, Ricardo.
Os pais e alunos têm interesses que os professores não estão respeitando. Eles querem uma solução para o seu problema que é a falta de aulas. O governo está fazendo o movimento óbvio prá quem entende um mínimo de política. Está tentando fazer uma aliança com os pais e alunos para isolar os professores e derrotá-los na opinião pública. Uma aliança com os pais e alunos, que os professores não quiseram fazer quando iniciaram o seu movimento, bem antes da greve. Quem tinha tudo para ser aliado, foi desprezado e agredido. Agora é tarde prá tentar o diálogo. Consumou-se a traição de classe. Estabeleceu-se a divisão, o conflito de interesses, o "cada um por si". Os professores escolheram o isolamento e praticamente jogaram os pais e alunos nos braços do governo. Quem está cooptando os pais e alunos para o governo são os próprios grevistas.
Muita gente tem se iludido com o tamanho das manifestações de apoio aos professores. Ignoram ou fingem não saber, que a imensa maioria dos pais e alunos de escola pública está ausente desses atos. Assim como em junho, a violência policial é que tem sido o fermento das passeatas. É o repúdio à brutalidade da repressão que tem animado muita gente a se solidarizar com os mestres. E o apoio à greve, quando há, vem unicamente de quem não é vítima da greve, de quem não sabe o que é pobreza ou de quem não é capaz de se colocar no lugar do outro. Parece que tem muita gente assim no PT, pelo visto.
Mais ainda, como alguém pode afirmar levianamente que os professores não prejudicam os próprios filhos porque estudarão com eles? Os professores estão quase 24 horas nas ruas, em assembléias e atos. É a greve mais mobilizada que vejo em duas décadas.
Ricardo, ou você não sabe nada de movimento social ou julga que aqui ninguém nunca participou de um. Ou, quem sabe, deve achar que só tem aqui gente desinformada, que além disso não conhece nenhum professor grevista. Não é, posso te garantir, o meu caso.
Em primeiro lugar, qualquer sindicalista sabe que, em categorias muito numerosas, como é o caso dos professores, uma minoria ínfima participa de manifestações de rua. Podem ser muitos, mas são ínfima minoria. Em segundo lugar, só fica na rua 24 horas, durante 2 meses, quem não tem responsabilidade com a família ou quem não tem família prá cuidar.
[Por que será que estou tendo a sensação de estar conversando com um de meus alunos adolescentes? Devo mesmo estar ficando muito velho.]
Portanto, os professores tem tido tempo de sobra, sim, prá se dedicar exclusivamente a cuidar da educação dos próprios filhos, e compensar-lhes a falta das aulas em suas escolas.
"Penso que a nossa discussão prioritária aqui é o que cada um dos petistas está fazendo para apoiar uma categoria massacrada pela prefeitura e estado. Muitos estão indo às ruas. Outros estão em plenárias petistas discutindo o que fazer." (Ricardo Quiroga)´
E qual destes está pensando nos filhos dos trabalhadores pobres, nas crianças e adolescentes que estão há mais de 2 meses sem aula, no prejuízo imenso que isso representa para as suas vidas? Massacrados eles sempre foram, pela burguesia, muito mais do que os professores. E agora são os professores que lhes impõem mais esse pesado e injustíssimo tributo, que é a cruel supressão de seus direitos ao ensino. Estão pisando no sonho destes jovens e de suas famílias de construírem um futuro melhor através do estudo. Como pode gente de esquerda, que se diz democrata e socialista, como pode um petista virar as costas a quem mais precisa, naturalizando e até justificando as privações impostas a esses meninos e meninas?
Iniciei o texto em que proponho o debate sobre a greve no setor público, lembrando o ditado que diz que "na briga do mar contra o rochedo, quem sofre é o marisco". Esse ditado me parece perfeito prá ilustrar o drama que estamos acompanhando. O rochedo é o Estado, com sua imponência e rigidez. O mar é a categoria dos professores, arremetendo contra o Estado em ondas. E os mariscos, agarrados ao rochedo, sob as vagas inclementes, são os estudantes da escola pública, esmagados entre os dois gigantes que se digladiam, Estado e professores.
Eu estou com os pequenos e frágeis mariscos, de destino incerto ante a tormenta que sobre eles se abate. Estou com os brasileirinhos e brasileirinhas da escola pública, cujos pais são meus irmãos em Deus e meus irmãos de classe. Não consigo e não quero lhes virar as costas e me dói a indiferença que por eles tem a classe media. Vejo gente aos montes na internet solidária aos professores e nenhuma voz solidária aos estudantes. Dá-se com eles o triste fenômeno da invisibilidade social. Ninguém os ouve, ninguém os vê, ninguém percebe sua presença e existência. Como é surpreendente e triste ver dentro do PT essa surdez, essa cegueira, essa insensibilidade que eu julgava só haver em partidos de direita.
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