Contra o golpe, eleição já, é a estratégia que venho defendendo desde o dia 17 de abril, quando tive certeza plena de que o processo de impeachment contra a presidenta Dilma já tinha um desfecho contratado, pela aprovação, entre a burguesia e os poderes legislativo e judiciário. Em 11 de maio, a aprovação da admissibilidade da abertura do processo no plenário do senado aumentou ainda mais esta minha certeza. Alguns senadores, como Lindbergh Farias, do PT do Rio, saíram da derrota confiantes de que, mantendo os votos contrários daquele dia e virando apenas mais dois ou três favoráveis, seria possível absolver Dilma no final do julgamento. A mesma confiança mostravam muitos deputados até o início da votação da admissibilidade na Câmara, em 17 de abril, pouco antes da avalanche que enterrou suas expectativas otimistas. As traições garantiram, ali, a vitória folgada dos golpistas.
Por isso, mesmo ante à recente declaração do senador Cristóvam Buarque, de que votou a favor da admissibilidade do processo, mas que não está convencido ainda de que tenha havido crime por parte de Dilma que justifique a anulação dos seus 54 milhões de votos, mantenho-me cético. Nem Cristóvam, nem a maioria do senado fazem jus à confiança que neles vêm depositando amplos setores da esquerda democrática. Para mim, o mais provável mesmo continua sendo o golpe consumar-se. A única possibilidade, a meu ver, disso ser evitado seria a eclosão de uma enorme mobilização de massas, de magnitude muitíssimo superior a todas as mobilizações realizadas pela esquerda nas últimas décadas.
Greve geral
Uma greve geral de verdade, não um arremedo como aqueles dos anos 80, seria o ideal para sacudir o país, abalar as instituições do Estado e dissuadir a burguesia de dar curso à tomada antidemocrática do poder. Mas greve geral não é um evento qualquer, desses que basta anunciar no Facebook para obter adesões aos milhões. Greve geral é um megaevento, de dimensões e complexidade muito superiores a tudo que a classe trabalhadora já conseguiu realizar em sua luta histórica contra a exploração capitalista no país. É, de fato, a mais poderosa arma de que podem valer-se os trabalhadores na luta contra os patrões e seus governos. Uma greve geral pode derrubar um governo. E se pode derrubar um governo, pode também derrotar uma tentativa de golpe de Estado. O problema é que a greve geral é muito difícil de ser realizada. Por isso, nunca houve uma greve realmente geral, que parasse o Brasil todo ou pelo menos os principais centros industriais, comerciais e financeiros do país, como se supõe que deva ser, para ter todo o impacto social e político que se espera de uma greve geral prá valer.
As greves gerais brasileiras sempre foram parciais, muito restritas e improvisadas, valendo-se as direções sindicais de truques, como a unificação dos planos de luta de grandes categorias nacionais de trabalhadores, que tivessem data base para os seus dissídios muito próximas, e a concentração de todo o ativismo na paralisação dos transportes coletivos, para forçar a adesão da maioria desmobilizada, alheia ao movimento. Os resultados deste tipo de experiência para os trabalhadores sempre foram frustrantes, só serviram para desmoralizá-los e por em dúvida a viabilidade, quando não a eficácia da greve geral como forma de luta.
Mas o poder de uma greve geral é indiscutível. Quanto à viabilidade, depende das circunstâncias, do grau de insatisfação dos trabalhadores, da existência de uma direção combativa e de um plano de lutas, uma estratégia, que contribua para progressivamente ir convertendo a insatisfação em consciência política, organização e mobilização nas ruas e nos locais de trabalho. Pois o maior desafio da esquerda brasileira hoje é exatamente definir qual seria esta estratégia. Eu acredito que a estratégia para derrotar o golpe deva ser uma campanha de repúdio ao governo Temer e pela antecipação da eleição presidencial.
Antecipação da eleição presidencial legitima ou não o golpe?
O argumento que mais ouço contra a antecipação da eleição presidencial é de que uma eleição agora legitimaria o golpe. Eu não concordo com isso. E não concordo pela razão muito simples de que o golpe já está claramente caracterizado. Pelo menos para quem entende o que seja essencialmente um golpe de Estado.
Golpe de Estado é a tomada do poder por setores do Estado, através de meios não previstos na constituição e nas leis de um país. Estes meios podem ser tanto a força militar, usada contra Jango em 64, como a fraude jurídica, que tem sido usada contra Dilma agora, em 2016. Golpe, portanto, é essencialmente o ato de tomar o poder por via inconstitucional, não importando se o agente deste ato é o exército, o judiciário, o ministério público, o parlamento ou todos eles juntos.
E o que vem a ser, afinal, legitimidade? Penso que, em termos jurídicos, legitimidade seja legalidade e que, em termos políticos, legitimidade signifique justiça.
Acreditam muitos, portanto, que ao admitir a redução do mandato de Dilma, em favor da antecipação da eleição de um novo presidente da república, a esquerda estaria reconhecendo a legalidade e a justiça do atual processo de impeachment.
Não sei de que premissas e raciocínios tiram esta conclusão que, a mim, parece absurda. A vítima de assalto que entrega a carteira e depois vai à polícia fazer a denúncia do crime, não está de maneira nenhuma reconhecendo justiça e legalidade ao assalto. Da mesma forma, o presidente da república que é vítima de um processo ilegal de impeachment e que se encontra na iminência de ser deposto, de maneira nenhuma estará reconhecendo justiça e legalidade ao golpe que sofre, quando admite a redução do próprio mandato e defende a antecipação da eleição para a escolha do seu sucessor, desde que o faça denunciando a razão deste ato, que assim age não por vontade própria, mas coagido pelas circunstâncias e para evitar que ocorra o mal maior, que seria a posse efetiva do governo golpista e a implementação do seu programa antinacional e antipopular.
É a narrativa do golpe, portanto, que pode legitimá-lo e não o reconhecimento de que ele se consumou ou se tornou inevitável. Em 1961, por exemplo, os militares impediram que Jango assumisse a presidência da república com plenos poderes, impondo-lhe a mudança do sistema de governo para o parlamentarismo. Jango, pessoalmente, aceitou porque julgou não ter força política para vencer os golpistas. Não chegou sequer a denunciar o golpe parcialmente bem sucedido que sofrera. Mas foi como golpe que este episódio entrou para a História e não como uma manobra política legítima, nos marcos de uma democracia constitucional, porque foi denunciado pela campanha da legalidade, liderada por Leonel Brizola.
Para quem sabe o que é um golpe de Estado, a redução do mandato de Dilma e a antecipação da eleição presidencial não mudariam em nada a percepção e o juízo de que este impeachment é um golpe. Para quem não sabe é indiferente. O maior problema da esquerda hoje não é a percepção que a classe trabalhadora tem sobre o caráter do impeachment, se é ou não golpe. O maior problema da esquerda hoje é a percepção que a classe trabalhadora tem sobre como o impeachment pode afetar concretamente a sua vida.
Maioria do povo acha que o golpe não lhe diz respeito
Nem todos os que admitem que o impeachment de Dilma seja golpe sentem-se motivados a lutar contra o impeachment. Muita gente considera toda a presente disputa política mera briga pelo poder entre gente da elite mais interessada em conquistar ou manter privilégios do que em proporcionar uma vida melhor para o povo. Segundo o instituto DataPopular, esta é a percepção que tem predominado nos setores mais pobres da classe trabalhadora – que constituem a sua maioria (classes C,D e E) –, tornando-os absolutamente refratários aos chamados para a luta contra o golpe e em defesa da democracia.
Pesquisas do mesmo DataPopular e também do Datafolha demonstram que as manifestações pró e contra o golpe foram feitas quase que exclusivamente por pessoas da classe média, que o povão delas sempre esteve ausente, como continuou ausente de toda as mobilizações posteriores àquela deprimente sessão de votação no plenário da Câmara, de 17 de março, em que foi aprovada a admissibilidade do processo de impeachment da presidenta Dilma. O golpe tem efetivamente avançado, não se tem conseguido barrar o processo de impeachment, simplesmente porque a maioria da classe trabalhadora não tem visto ainda razões suficientes para entrar na briga em defesa do mandato da presidenta Dilma.
O maior equívoco dos defensores da tese de que a antecipação da eleição presidencial legitimaria o golpe, é considerar como principal fator determinante da atitude da classe trabalhadora em relação ao golpe e ao governo golpista o juízo que a classe trabalhadora tenha quanto à legitimidade do processo de impeachment. Acham, por isso, que a razão da desmobilização em que se mantém a maioria da classe seja uma percepção supostamente predominante de que o impeachment não é golpe, e que se predominasse a convicção contrária, de que o impeachment é golpe, as massas tomariam as ruas em defesa do mandato da presidenta Dilma. Por isso fazem da afirmação do caráter golpista do impeachment o mote exclusivo da resistência. Isto, a meu ver, é um erro grave que compromete o próprio êxito da luta de resistência democrática.
E é um erro não porque não se deva denunciar o golpe – explicando o que é golpe de Estado, que não tem nada a ver com estelionato político, ao contrário do que muitos supõem e apregoam –, mas porque denunciar apenas, antes ou sobretudo o golpe não contribui em nada para a mobilização de uma resistência social suficientemente forte para deter o golpe, menos ainda para impedir que o golpe atinja os seus objetivos. Porque em verdade o que mobiliza as pessoas, mesmo a maior parte dos setores da classe média democrática que já estão nas ruas resistindo, não é a condenação do desrespeito a aspectos formais da democracia, nem a condenação da injustiça sofrida por Dilma. O que realmente mobiliza as pessoas contra o golpe é a expectativa absolutamente negativa que elas têm quanto ao que vai ser na prática o governo golpista, a expectativa sobre como as ações deste governo afetarão concretamente as suas vidas e a vida do país. Se não sabem que ações serão estas, se não conhecem o vice que assume e não têm a menor ideia do que ele pretende fazer, as pessoas tendem a esperar, sem tomar qualquer atitude, para ver o que acontece e só então se posicionarem.
A maioria dos que já estão nas ruas hoje, lutando contra o golpe, o faz porque já tem uma expectativa muito ruim em relação ao governo Michel Temer. E a maioria dos que não estão nas ruas permanece desmobilizada, não porque ignore que o impeachment seja golpe, tampouco porque concorde com o golpe, mas porque não tem ainda uma ideia suficientemente clara do que pode vir a ser o governo Temer. Por isso ainda não se mobiliza contra ele. O que não quer dizer que não desconfie ou que se resignaria com ele, se lhe fosse dada outra alternativa. Outra alternativa de governo, é isso que a maioria dos trabalhadores deseja hoje.
O que dizem as pesquisas de opinião
Pesquisa Datafolha de abril indicou que 63% dos brasileiros consideravam o governo Dilma ruim e péssimo, mas que 64% achavam que o governo Temer seria igual ou pior do que o dela. A mesma pesquisa apontava que 61% apoiavam o impeachment de Dilma, mas que 58% também queriam o impeachment de Temer. Já o Ibope, também em abril, indicou que 62% dos brasileiros consideravam que a melhor saída para a crise econômica e política do país seria que Dilma e Temer saíssem e novas eleições fossem realizadas. Este último número foi confirmado no mesmo mês pelo instituto VoxPopuli. Ainda segundo o Ibope, apenas 25% queriam que Dilma continuasse o seu mandato e apenas 8% que Temer assumisse a presidência da república, com o impeachment de Dilma.
Em resumo, o que estas pesquisas dizem é que a maioria da classe trabalhadora não quer a volta de Dilma à presidência da república, porque desaprova o seu governo, mas também não quer ter Michel Temer como presidente, porque acredita que o governo dele será igual ou pior que o de Dilma. O que a maioria quer realmente é eleger, já, um novo presidente da república. É este o último dado que se tem sobre o estado de espírito das massas e ele não pode de maneira nenhuma ser desprezado pela esquerda no momento em que define a sua estratégia de luta. Ignorar a vontade das massas será optar pelo isolamento e pela derrota, porque a derrota, neste caso, será inevitável, por maior que seja a disposição de luta da minoria social hoje integrada à mobilização contra o golpe.
Que estratégia serve mais à mobilização popular
A pergunta fundamental, portanto, que a esquerda precisa se fazer hoje é: qual a melhor estratégia para mobilizar a maioria mais pobre da classe trabalhadora contra o projeto de governo da direita, que tem no golpe a sua via de realização? Duas alternativas de estratégia tem sido discutidas. Uma traduzida pelas palavras de ordem “Fora Temer. Volta Dilma” e outra traduzida pelo “Fora Temer. Eleição Já”.
Ora, se 63% dos brasileiros desaprovam o governo Dilma e 64% acham que o de Temer será igual ou pior; se 61% aprovam o impeachment de Dilma e 58% querem também o impeachment de Temer; se apenas 25% querem a volta de Dilma e 8% a posse definitiva de Temer; e se 62% dizem taxativamente que não querem nenhum dos dois e sim a antecipação da eleição para a escolha de um novo presidente da república, que dúvida pode haver sobre qual estratégia tem maior possibilidade de mobilizar as massas?
Não pode haver dúvida nenhuma. Os números das pesquisas são claros e podem perfeitamente ser confirmados por um plebiscito que permita ao povo expressar de forma direta e inequívoca a sua vontade. O problema é a crença equivocada de que a eleição legitima o golpe e que o governo golpista se fortalece com a legitimidade do golpe. Pois o que tem se visto na prática é que quanto mais a esquerda denuncia o golpe, mais o golpe avança, consolida-se, indiferente aos protestos, e conduz a direita à conquista do seu objetivo real de tomar o poder à revelia do povo e ao povo impor o seu programa, valendo-se de todo o aparato repressivo, jurídico e legislativo do Estado, com o apoio de uma burguesia absolutamente unificada em torno do programa Ponte para o Futuro, do PMDB.
Ilegitimidade não enfraquece governo
Em debate na internet com um companheiro do PT em 2 de maio, eu disse que:
“A ilegitimidade não tornaria um governo Temer menos eficaz na aplicação do seu programa, que já conta com o apoio de uma direita unida e que já tem o controle da mídia, do Judiciário, do Legislativo e parte do próprio Executivo. Com Temer empossado, a direita terá também as Forças Armadas, a Força Nacional de Segurança e a Polícia Federal. Ou seja, terá a direita o controle total do aparato repressivo do Estado.”
Governo empossado por golpe de Estado só tem compromisso com quem encomenda e financia o golpe de Estado. E quem encomendou e está financiando o movimento golpista contra Dilma Rousseff é indiscutivelmente a burguesia. O golpe contra Dilma não é um fim em si mesmo, é meio para a tomada do poder que, por sua vez, é meio para a implantação de uma ditadura, que por sua vez é meio para a implementação de um programa de governo radicalmente antinacional e antipopular.
Temer sabe que será repudiado pelo povo, mas não se importa porque não é com o povo que está comprometido, é com a burguesia. Será, logo que diplomado, um presidente de modos finos, fala mansa, discurso democrático e gestos autoritários. Será o elegante mordomo da burguesia, chefe de uma ditadura tão truculenta e sanguinária quanto aquela dos generais, iniciada com o golpe de 64. E digo que o governo Temer será necessariamente uma ditadura porque o programa contratado com a burguesia e anunciado por ele como Ponte para o Futuro, além de eleitoralmente inviável, é absolutamente irrealizável num regime democrático, jamais será aceito passivamente pela classe trabalhadora e por isso só será exequível se imposto de forma arbitrária.
Ditaduras, assim como golpes, não precisam de legitimidade para se estabelecerem, impõem-se pela força do aparato repressivo do Estado, com o respaldo financeiro e midiático da classe dominante. Ditaduras não precisam de aprovação ou consentimento dos trabalhadores, destinam-se ao contrário a subjugá-los e impor-lhes sacrifícios para garantir os privilégios dos grandes patrões e proprietários.
Sucesso para o governo Temer não será conquistar a aprovação do povo, será ganhar a aprovação da burguesia mediante o estrito e diligente cumprimento dos serviços por ela contratados. E este êxito está hoje claramente condicionado ao tempo de aplicação das medidas mais impopulares do programa do novo governo. Tem que ser rápido o suficiente para pegar a maioria desmobilizada da classe trabalhadora desprevenida, mas só depois da diplomação do presidente golpista quando, definitivamente empossado, ele tiver pleno e irrevogável controle sobre o aparato repressivo do Estado. A partir daí, ele poderá dar curso à implementação do seu programa, sem preocupar-se com a aprovação popular. Porque o governo Temer, na realidade, se propõe a ser uma ditadura e ditaduras se impõem pela força, não pela legitimidade política. Um claro exemplo histórico disso foi a ditadura militar brasileira que, sem eleição nenhuma a lhe legitimar, impôs-se facilmente ao país, a partir de 1964, por vinte tenebrosos anos, em que a tortura e o terrorismo de Estado foram sistematicamente empregados como eficazes métodos de desmobilização das massas e aniquilamento das dissidências.
Unidade da burguesia e expurgos no governo Temer por uma ditadura tucana
É sempre muito mais difícil derrubar uma ditadura do que evitar que uma ditadura se instale porque a mobilização social é, evidentemente, sempre muito mais fácil de ser construída num ambiente democrático do que na vigência de um regime autoritário, principalmente quando o regime autoritário é respaldado por uma burguesia unida, como é o caso deste conturbado Brasil de 2016. Desde o ano passado a burguesia unificou-se, inequivocamente, em torno do programa Ponte para o Futuro, apresentado pelo então vice-presidente Michel Temer e não há nenhum sinal de que esta unidade tenha sido rompida até o presente momento.
A burguesia continua apoiando firmemente o plano de austeridade antinacional e antipopular que se anuncia. O que alguns tem tomado por retirada de apoio ao governo interino, como os ataques da mídia e da operação Lava Jato a Cunha, Jucá, Renan e Sarney, nada mais é, na verdade, do que uma operação de expurgo destes caciques, para enfraquecer o PMDB e fazer do PSDB o partido hegemônico no governo golpista. A burguesia continua apoiando Temer, porque continua vendo o governo Temer como a ponte possível para o futuro dos seus negócios. Quer, no entanto, que Temer seja presidente de um governo com predominância tucana, porque confia mais no PSDB do que no PMDB para representar seus interesses e administrar o seu projeto. As ligações de Michel Temer com o PSDB são históricas e bastante conhecidas no universo político. Não haverá, portanto, da parte dele, nenhum óbice ao cumprimento da vontade dos “patrões” de ambos e do próprio PMDB que, mesmo vendo sacrificadas algumas das suas maiores lideranças, deverá manter-se fiel ao presidente, no papel coadjuvante que teve sempre em todos os governos de que tomou parte, a partir de Collor.
Ilude-se, portanto, quem espera um governo Temer fraco, considerando as vacilações e recuos desta sua etapa de interinidade, em que ele precisa, por uma questão de sobrevivência, criar pelo menos a expectativa de atender a interesses múltiplos, não raro conflitantes, para garantir a aprovação do impeachment de Dilma. Quando a presidenta for deposta e ele definitivamente empossado é que a sociedade vai ver começar pra valer o verdadeiro governo Michel Temer, que será um governo forte porque inteiramente respaldado por uma burguesia unida em torno do objetivo de implementar o programa Ponte para o Futuro.
Desafio da esquerda é mobilizar a classe trabalhadora para uma greve geral
Do outro lado, temos uma esquerda unida contra o golpe, mas sem o necessário respaldo da maioria da classe trabalhadora, que permanece desmobilizada. Há um evidente crescimento da rejeição a Temer na sociedade que se expressa num número cada vez maior de setores sociais a repudiá-lo. Mas é bom que se tenha claro que a resistência que tem crescido não é ao golpe, é ao governo, e não porque o governo seja golpista, mas porque fere interesses, ataca direitos e gera uma expectativa cada vez pior quanto ao seu futuro. Os setores que tem reagido tem sido os setores diretamente atingidos pelas primeiras medidas do governo provisório ou que já têm consciência dos ataques que virão aos seus interesses e direitos.
As expectativas da sociedade sempre foram ruins sobre um governo Temer. Como eu já disse antes, o último Datafolha, de abril, indicava que 64% achavam que um governo Temer seria igual ou pior do que o governo Dilma, que já tinha 63% de reprovação. A mesma pesquisa dizia que se 62% apoiavam o impeachment de Dilma, nada menos que 58% queriam também o impeachment do vice presidente. O silêncio dos institutos de pesquisa, hoje, sugere a ocultação de um cadáver político. É realmente bastante possível que a rejeição a Temer tenha crescido ainda mais e superado até a da presidenta Dilma. A tentativa desesperada dos golpistas de apressarem a conclusão do processo de impeachment e o não menos desesperado ataque de hoje d'O Globo a Dilma, acusando-a de ter tido contas pessoais pagas com dinheiro de propina, parecem corroborar esta tese.
Seja como for, é preciso que se tenha consciência de que o Brasil está hoje diante de um claro projeto de ditadura, que precisa ser interrompido antes que se instale e que só poderá ser abortado por uma amplíssima e intensa mobilização popular. E uma mobilização popular assim só poderá ser construída através de uma estratégia que corresponda ao desejo da maioria dos trabalhadores de eleger um novo presidente da república. “Fora Temer, eleição já” é a palavra de ordem que mais expressa este anseio das massas e que mais tem condições de mobilizá-las para derrubar não só o governo ilegítimo, mas também a atual legislatura, corrupta, golpista e reacionária, do Congresso Nacional, com a conquista das eleições gerais. Num contexto de grande envolvimento da classe trabalhadora com a luta pela antecipação do direito de escolher um novo presidente da república e, em seguida, um novo parlamento nacional, aí sim, haveria condições para se construir uma vitoriosa greve geral. É isso que proponho.
"Fora Temer, volta Dilma" é bandeira que só mobiliza uma parte da vanguarda da esquerda. A outra parte da vanguarda e a maioria mais pobre da classe trabalhadora só se mobilizarão realmente se for pelo "Fora Temer, eleição já". Este, portanto, é o caminho que mais seguramente pode conduzir a esquerda à necessária ampliação e massificação da resistência democrática, que até agora só tem conseguido envolver e empolgar alguns setores da classe média. O povo quer votar já, para eleger um novo presidente da república. Vamos continuar fazendo de conta que não sabemos disso? A troco de que e até quando? Até estarmos irremediavelmente derrotados? Vamos, por favor, ouvir os trabalhadores. Porque sem eles a esquerda não é nada e não vai a lugar nenhum.
Saudações petistas,
Silvio Melgarejo
04/06/2016