quinta-feira, 20 de junho de 2013

Unidade das esquerdas prá lutar. Pelo direito de protestar e outras causas.

Por Silvio Melgarejo -  Ninguém neste país pode, honestamente, afirmar que previa os protestos da última semana, na dimensão em que ocorreram. Nem os que o convocaram através da internet tinham ideia do tamanho da adesão que haveria. Muito menos os partidos da esquerda oposicionista, PSOL e PSTU. Os observadores mais experientes e atentos da política e dos movimentos sociais foram igualmente pegos de surpresa. O país está perplexo diante de um fenômeno novo que desafia partidos, parlamentos e governos a interpretá-lo e a dar-lhe respostas. Três dias após o ápice dos protestos, que a essa altura já acumulam vitórias importantes, algumas observações podem ser feitas com relativa segurança.

Em primeiro lugar, a de que trata-se de um movimento de caráter nacional, pacífico e apartidário, composto majoritariamente por jovens de classe media e caracterizado pela ausência de pauta e direção unificadas, mesmo em suas expressões locais.

A segunda observação que pode ser feita é sobre a evolução do movimento. E é aí que, talvez, se possa explicar a proporção que ele tomou. As manifestações começam como expressão de uma demanda local contra o aumento das tarifas de ônibus, em São Paulo, e se expandem para todo o país, depois da violenta repressão policial, numa onda nacional e incontrolável de solidariedade aos manifestantes paulistas.

A liberdade de expressão e o direito cidadão de protestar em via pública foram alvos de bombas e tiros de balas de borracha, produzindo imagens que chocaram e revoltaram, pela brutalidade e pela gratuidade dos ataques. Aos olhos da juventude brasileira, a democracia, em São Paulo, sofrera uma grave e covarde agressão. Era preciso reagir para defendê-la. E a reação não tardou. Veio, com a força de todas as revoltas represadas, à feição de um tsunami súbito e devastador, para afrontar polícias violentas e ocupar e garantir o espaço da cidadania.

Foi a violência do Estado, portanto, a meu ver, o fermento das manifestações desse conturbado junho. A polícia bateu e a massa cresceu, porque os ingredientes do bolo da insatisfação, em verdade, também já estavam lá, não poderiam deixar de estar. Porque, se muito foi feito, e muito se avançou na última década, muito ainda resta a fazer, ninguém o nega. O impulso inicial de solidariedade às vítimas da repressão, acabou dando vazão à expressão de um conjunto de anseios populares que as instituições tradicionais da política não tiveram sensibilidade para escutar, entender e atender. Rompendo a inércia de décadas de paralisia, a juventude se mobilizou, tomou as ruas e se fez notar.

Na segunda, 17 de junho, o país ouviu um coro gigantesco de vozes que, certamente, não gritavam e cantavam em uníssono. Mas o feixe de notas entoadas resultava, indiscutivelmente, num acorde, cuja fundamental era a antiga e bem conhecida demanda por mais e melhores serviços públicos, uma demanda nunca antes expressada com tamanha intensidade. O que se viu foi, acima de tudo, um ato de desobediência civil frente a um Estado autoritário, que ainda não se adaptou completamente à democracia. Ou, como alguém já disse, um vigoroso protesto pelo direito de protestar.

A questão de fundo, colocada pelos protestos, portanto, não é a pauta, em si, dos problemas mencionados nas palavras de ordem, e sim a demanda não declarada por mais democracia, num contexto de crise de representatividade das instituições políticas. O alto grau de desconfiança e rejeição a todos os partidos decorre da percepção, alimentada pela mídia, de que são todos máfias que, ou se locupletam para saquear o erário, ou disputam cargos na administração pública com este mesmo fim.

Sem reconhecer representantes confiáveis no interior das instituições do Estado, a classe media jovem invadiu as ruas e praças para dali dirigir sua mensagem diretamente aos governos e parlamentos de todo o país. Quer transporte, saúde, educação e segurança gratuitos e de qualidade, para todos os brasileiros. A novidade não é essa pauta, nem a forma como ela tem sido vocalizada, mas o meio pelo qual as manifestações foram convocadas – pela internet – e a ausência de uma organização capaz de dar direção e consequência ao movimento.

O pequeno e frágil MPL (Movimento Passe Livre) foi engolido pelo gigantismo das ações desencadeadas, ações cuja condução passou a ser disputada pela direita, com sua conhecida pauta da criminalização do PT e do impeachment de Dilma. O MPL, manteve-se fiel à sua pauta original, mas não pode evitar que ela fosse diluída na pauta difusa das ruas, reforçada pela poderosa mídia golpista.

A força das recentes mobilizações não se traduzirá em conquistas maiores do que a revogação do aumento das tarifas de transportes, simplesmente porque esta foi a única reivindicação objetiva apresentada aos governos, a única que tinha interlocutores para negociar com as autoridades, a única que tinha possibilidade de obter uma resposta imediata. Tudo mais foi desabafo coletivo, protesto sem proposta concreta, negação de tudo e demonstração de força para a afirmação de nada.

Sem direcionamento, a energia da revolta, por maior que seja, se dissipa, se esgota, e não produz resultados compatíveis com o seu potencial transformador. As passagens baixaram. Mas aquela multidão poderia e ainda pode obter muito mais. Há nas ruas um exército disposto a lutar. O problema é que ainda está sem comando.

A rebelião da juventude sacudiu o país e deixou já uma lição para todos. Se não houver unidade de ação das esquerdas no movimento de massas, a direita ocupa o espaço, impõe a sua pauta e assume a direção. O PT sabe disso e o PCO emitiu nota ontem expressando esse mesmo entendimento. Espera-se que PSOL e PSTU vençam o sectarismo e colaborem na construção de uma direção unificada das esquerdas para a condução das grandes mobilizações deste que aparenta ser o início de um novo período de ascenso do movimento de massas do país.

Quero terminar dizendo algumas palavras sobre o MPL. A luta contra o aumento das passagens projetou nacionalmente o Movimento Passe Livre, sua causa e suas lideranças. Politicamente, são eles os maiores vitoriosos dessa empreitada. Não só pela conquista da revogação dos aumentos das passagens, mas, sobretudo, por terem conseguido elevar os temas do transporte público e da mobilidade urbana, aos quais a anos se dedicam, para o topo da pauta da cidadania – ao lado de saúde, educação e segurança –, bem como pela enorme publicidade dada à sua luta pelo transporte público gratuito. A “tarifa zero” entrou definitivamente na pauta do debate público. Essa foi a grande vitória dos meninos.

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