Objetivo dos ricos
O grande objetivo hoje da alta burguesia brasileira e do imperialismo estadunidense, representados pela centro-direita, é preservar as conquistas que eles tiveram com a implementação do programa neoliberal chamado Ponte Para o Futuro, iniciada a partir do golpe de 2016, e dar continuidade à implementação desse mesmo programa, para obter ainda mais vantagens. Só que os dois candidatos favoritos na eleição presidencial deste ano são obstáculos à realização desse objetivo. Bolsonaro porque já não consegue avançar na realização do programa. E Lula porque quer interromper de vez com o programa e até desfazer o que dele já foi feito. Esse é que é o grande desafio para os ricaços. Como livrar-se dos dois candidatos favoritos e eleger um presidente que volte a tocar com competência o desmonte do Estado, a destruição de direitos e o assalto aos recursos naturais do país em favor do aumento das suas fortunas? Livrar-se de Bolsonaro não parece ser problema, porque ele já vai de mal a pior nas pesquisas de intenção de voto. O problema deles é Lula, que nessas pesquisas tem mostrado amplo e estável favoritismo.
Terceira via
Desde o ano passado, os estrategistas da centro-direita vem buscando uma solução. Esgotadas as possibilidades políticas e jurídicas de barrar a candidatura do ex-presidente, surgiu inicialmente o plano de inviabilizar Bolsonaro como candidato à reeleição e construir uma candidatura direitista alternativa à dele, que chamaram de “terceira via”. A CPI da Pandemia foi muito competentemente usada pela imprensa da centro-direita para desgastar a imagem do presidente, que passou a bater recordes de desaprovação ao seu governo, segundo as pesquisas. O problema é que a centro-direita fracassou em todas as tentativas de encontrar um candidato que empolgasse alguém além dos ricos que ela representa. O neoliberalismo que a centro-direita defende já foi experimentado e desaprovado pelo povo, não só nos governos de FHC, mas também nos de Temer e do próprio Bolsonaro. A centro-direita acabou vendo afinal que o desgaste de Bolsonaro sem a ascensão da tal terceira via favorecia a Lula e tornava quase inevitável a sua vitória, até mesmo no primeiro turno.
Semipresidencialismo
Ante a improbabilidade do surgimento de um “salvador da pátria” neoliberal que conquiste a confiança das massas, vinha ganhando força na centro-direita outra ideia, que era suprimir preventivamente os poderes dos futuros presidentes da república, mudando o sistema de governo. Raciocinam da seguinte forma: se não podemos ganhar a presidência, porque a esquerda sempre acaba levando, então esvaziemo-la de atribuições e prerrogativas e deixemos para a esquerda apenas a casca do cargo. Chamam esse sistema, do presidente sem poder, de semipresidencialismo. Dizem que é uma variante do presidencialismo, mas na verdade é parlamentarismo mesmo, muito mal disfarçado. A centro-direita então retomou a defesa do “todo poder ao parlamento”, como faz sempre que a esquerda aproxima-se da conquista da presidência da república. Já tentou essa trapaça em 61, contra Jango, e em 93, contra o próprio Lula, e nas duas ocasiões o parlamentarismo foi barrado por plebiscitos. Agora a centro-direita quer tentar de novo, sem assumir que o faz, valendo-se do velho truque de dar nome novo a artigo que ninguém quer comprar, para ver se engana à freguesia menos atenta.
O nome escolhido sugere tratar-se de um sistema híbrido de governo, com um protagonismo maior do presidente da república. Mas o que se propõe é na verdade o oposto disso, é ao parlamento que pretende-se dar maior relevância, em detrimento do presidente que o povo elege. O objetivo é bastante claro. A centro-direita quer ludibriar o povo, chamando-o a eleger um presidente sem poder. O país seria, na prática, governado pelo parlamento, que é mais facilmente controlável pelos ricos e mais dificilmente controlável pelos pobres, já que a responsabilidade por seus atos é diluída entre centenas de deputados, cujas atuações a maioria da população não tem condições de acompanhar, muito menos de influenciar de acordo com os seus interesses. Seria a extinção do pouco que resta de soberania popular e, portanto, de democracia.
Ocorre que essa mudança do sistema de governo seria tão flagrantemente golpista que muitos dos seus defensores hesitaram desde o início em aprová-la para valer já na eleição deste ano. Tirar poderes da presidência exatamente quando Lula tem tudo para ganhar a eleição seria visto, mesmo por quem não gosta dele e do PT, como uma evidente trapaça. O risco de se tentar algo assim seria transformar o amplo favoritismo do ex-presidente em frustração e revolta, que poderiam tomar as ruas e aprofundar ainda mais a crise que se pretende superar. O novo arranjo institucional de governo já nasceria com a legitimidade fortemente contestada e com uma forte tendência à instabilidade. Mesmo assim, ainda havia quem defendesse a aprovação da emenda constitucional do semipresidencialismo com vigência já a partir de 2023. Era o caso do autor da proposta, deputado Samuel Pessoa, do PSDB. Já o presidente da Câmara, Arthur Lira, do PP, defendia a vigência a partir de 2026.
Lula eleito pode ou não pode ser contido?
Essa divergência entre os dois deputados era expressão de um debate que havia na centro-direita e na burguesia nacional, em que as distintas posições eram definidas pela tolerância maior ou menor a Lula, decorrente da diferença de avaliações quanto à capacidade e disposição do ex-presidente de conter as enormes expectativas que a sua eleição certamente provocaria na sociedade. Defendiam a vigência do semipresidencialismo apenas a partir da eleição de 2026 os que acham que Lula pode ser contido pelo parlamento, pelo judiciário, pelas forças armadas e pelos grandes meios de comunicação, contando sobretudo com a moderação do ex-presidente e o seu habitual respeito incondicional a estas instituições que comandam. Esta corrente da alta burguesia e da centro-direita acredita que Lula seria um mal perfeitamente administrável enquanto eles dessem curso à mudança legislativa, que praticamente bloquearia o acesso da esquerda ao poder de governo, com um tempo de antecedência que evitaria as acusações de golpe. Já os que discordam dessa avaliação acreditam que Lula eleito poderia sim tentar implementar um programa de esquerda mais radical para corresponder às enormes expectativas geradas por sua volta ao governo. Por isso defendiam que o semipresidencialismo começasse a vigorar já a partir de 2023. Pensam eles que o semipresidente Lula seria de fato inofensivo, pela falta de poder, decorrente da mudança do sistema de governo; enquanto o presidente, pressionado pelas enormes demandas sociais acumuladas e dotado de poder para atendê-las, poderia ser impelido a uma radicalização em favor dos interesses nacionais e populares e tornar-se afinal uma séria ameaça a tudo que eles conquistaram desde a consumação do golpe.
Centro-direita sem rumo
Nunca houve consenso na alta burguesia sobre qual a avaliação mais correta e qual a melhor orientação a seguir. Por isso, até bem pouco tempo a tendência mais forte era mesmo a de adiar o semipresidencialismo para 2026, tentar tirar Bolsonaro da eleição, retomar com força a propaganda anti-Lula e anti-PT e intensificar a projeção nacional dos candidatos da terceira via, que vinham sendo testados um atrás do outro na opinião pública, sem nenhum resultado animador até então. A última aposta que fizeram foi no ex-juiz Sérgio Moro. E foi mais um fiasco, apesar do altíssimo investimento que fizeram no lançamento do seu nome. Enquanto isso, de um lado Bolsonaro mantinha um comportamento que sugeria estar totalmente empenhado em bater todos os recordes mundiais de desaprovação a um governo; e de outro lado Lula, que em todas as pesquisas figura como franco favorito na disputa sucessória deste ano, cumpria uma intensa agenda de eventos, entrevistas e encontros, no Brasil e no exterior, em que encantava anfitriões e plateias, esbanjava inspiração e energia e emergia como um grande porta-voz dos maiores anseios da humanidade e como a grande esperança de dias melhores para o povo brasileiro.
Surge um plano: o Cavalo de Troia
A flopada de Moro e a ascensão consistente de Lula obrigaram a centro-direita a mudar de planos. Desistiram da terceira via? Não, tiveram uma ideia genial. O plano agora é botar a terceira via dentro da primeira. Como? Convencendo Lula e o PT a aceitarem ter Alckmin como vice. A terceira via embutida na primeira transformaria a candidatura Lula num verdadeiro presente de grego para o povo brasileiro. Com Alckmin de vice, Lula viraria um cavalo de troia da centro-direita. Mas o que é um "cavalo de troia"?
"Cavalo de troia" é uma expressão surgida de uma lenda sobre a Guerra de Troia. Conta essa lenda que durante dez anos, os gregos tentaram sem sucesso conquistar a cidade de Troia. Até que um dia pararam de atacar, viraram as costas, foram embora e deixaram um enorme cavalo de madeira em frente ao portão principal da cidade. Os troianos ficaram intrigados. Perguntaram-se "será que os gregos desistiram?". Acreditaram que sim, que os gregos tinham desistido de tomar a sua cidade. E acharam que o cavalo de madeira deveria ser um presente dos gregos, um gesto de reconhecimento da sua impotência frente à superioridade dos guerreiros troianos, que tinham a fama de serem grandes domadores de cavalos.
Os troianos então, orgulhosos e eufóricos, levaram o cavalo de madeira para dentro da cidade, como um símbolo da extraordinária vitória que supunham ter tido contra um tão poderoso e persistente inimigo. Durante a noite, eles comemoraram muito, bebendo e dançando, até ficarem exaustos e dormirem. Foi aí, quando a guerra parecia ter terminado, que abriu-se uma pequena porta no cavalo de madeira e lá de dentro saíram soldados gregos. Sem alarde, eles dominaram as sentinelas, abriram os portões da fortaleza até então instransponível e, enquanto os troianos dormiam, permitiram a entrada do exército grego, que finalmente alcançou a vitória.
Por causa dessa história, que até hoje ninguém sabe se aconteceu ou não, a expressão "cavalo de troia" passou a ser usada para designar qualquer coisa aparentemente boa que carregue dentro de si algo ruim. E quando essa coisa é dada a alguém, diz-se que é um "presente de grego". Na informática, por exemplo, chama-se "cavalo de troia" a qualquer programa (software) aparentemente útil e inofensivo que contenha oculto outro programa (malware) feito para causar danos ao computador ou prejuízos aos seus usuários. Ou seja, o usuário do computador baixa um programa que lhe parece útil e inofensivo e acaba sem saber baixando um outro programa junto, que vai danificar o seu computador ou lhe trazer algum problema.
Alckmin, o malware
É bem isso o que se pode esperar de Lula presidente com Alckmin de vice. O Brasil baixaria um programa de esquerda e quando executasse esse programa em primeiro plano um outro programa, de direita, começaria a rodar em segundo plano. Alckmin atuaria como um malware, um programa nocivo ao governo e seu usuário, o povo. Ele poderia fazer abertamente oposição ao governo ou então conspirar contra o governo, de forma discreta, mantendo as aparências, pronto para capturar a presidência, quando houvesse oportunidade. Contando com o respeito incondicional de Lula às instituições do Estado que comandam - ele já deu tantos e tão convincentes testemunhos desse respeito -, a alta burguesia e a centro-direita o manteriam cercado e imobilizado durante todo o seu mandato, por uma intensa e permanente oposição parlamentar, judicial e midiática, para impedir a realização do seu programa de esquerda e consequentemente frustrar as expectativas do povo, gerando insatisfação e instabilidade política. Desgastariam a imagem e o prestígio de Lula na opinião pública, até o ponto em que ele pudesse ser derrubado sem muito esforço ou até o ponto em que ele perdesse as condições para reeleger-se ou eleger seu sucessor.
Depois de Lula
Parece ser este o plano da centro-direita e da alta burguesia para enfrentar Lula eleito. Mas como sabem, por experiência, que programa neoliberal não elege presidente e que por isso mesmo depois de Lula terão que enfrentar outros candidatos de esquerda, talvez menos moderados e menos dóceis ao regime que comandam, a alta burguesia e a centro-direita devem manter o projeto de aprovar a emenda constitucional do semipresidencialismo. Só que para mais tarde, em 2030. Com Alckmin vice de um Lula bem comportado, elas acham que podem muito bem esperar e levantar essa forte barreira contra o avanço institucional da esquerda com um tempo de antecedência maior, que evitaria as acusações de golpe. Antes disso, se surgir oportunidade, poderiam até voltar ao governo por meio de um novo golpe disfarçado de impeachment. Alckmin assumiria a presidência, imitando Temer.
Não é jogo nem corrida. É guerra!
Tá valendo tudo, para a centro-direita! Ela não respeita leis nem limites éticos, nada além da força bruta física das massas mobilizadas pode impedi-la de fazer o que ela achar necessário para alcançar os seus objetivos, determinados pelos grandes capitalistas do Brasil e dos EUA. É bom que Lula e o PT entendam isso de uma vez por todas, ou então serão de novo surpreendidos e derrotados. A política no Brasil hoje é uma disputa que não se assemelha nem a um jogo nem a uma corrida, assemelha-se mais a uma guerra, porque não tem regras justas nem juízes imparciais. O estado de direito capitalista só garante direito aos ricos e seus prepostos, para o povo pobre trabalhador e seus reais representantes esse estado de direito não passa de uma ditadura, a ditadura dos ricos. A centro-direita não é adversária da esquerda, é inimiga e como inimiga deve ser tratada, com firmeza e não a pão de ló. Porque, pelo poder que detém e pelas tendências que manifesta, ela pode ser mais perigosa até do que a extrema-direita. Com a centro-direita, todo cuidado é pouco e rigor nunca é demais. Não se vence uma guerra subestimando o inimigo.
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