sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

Vice do Lula deve ser Dilma


Para que serve um vice-presidente? Para prestigiar uma força política que se pretende ter como aliada numa eleição presidencial, sem dar-lhe poder para influenciar nos rumos do governo, já que se diz que o vice é figura decorativa, que não governa e portanto não serve pra nada? 

Não. A importância do cargo de vice-presidente não pode ser tão subestimada, isto é um erro que já nos custou muito caro, não esqueçamos a experiência com Temer. Para que serve um vice?

O vice-presidente serve para substituir o presidente em suas ausências provisórias ou permanente, mantendo o funcionamento do governo de acordo com o programa defendido na campanha da eleição em que saíram vitoriosos. 

Ou seja, o vice-presidente deve concordar com o programa de governo defendido pelo presidente e ambos devem assumir perante o povo o compromisso de cumprir esse programa, sem desviarem-se das suas diretrizes fundamentais.

O que acontece quando o vice-presidente não concorda com o programa defendido pelo presidente e sim com o programa de uma oposição golpista? Acontece o que aconteceu no governo Dilma. O próprio Michel Temer disse em entrevista que ela foi derrubada porque não aceitou adotar o programa Ponte Para o Futuro, que ele passou a implementar quando assumiu a presidência e que Bolsonaro tem dado continuidade. O programa Ponte Para o Futuro é um programa neoliberal.

Que características deve, então, ter o vice de Lula? Tem que ter afinidade política com o presidente, deve ser leal ao presidente e deve ter o compromisso de auxiliar o presidente na realização do seu programa de governo e dar sequência à realização desse mesmo programa, sem interrupções e sem desvios, sempre que o presidente tiver que se ausentar ou quando por qualquer motivo ele ficar impedido de exercer o cargo para o qual foi eleito.

Estou convicto de que Alckmin não tem essas características, mas que a ex-presidente Dilma as tem de sobra, por isso defendo o seu nome para o cargo de vice do futuro presidente Lula. 

A ideia de lançar Dilma para vice me veio quando percebi que há um movimento dentro do PT para responsabilizar apenas ela pelo golpe que sofreu, afastá-la de Lula e jogá-la no esquecimento, tudo para não constranger os golpistas com quem algumas lideranças do partido desejam fazer aliança. 

Para haver aliança com os golpistas é preciso fingir que não houve golpe e para tanto é preciso sumir com a Dilma do mapa, já que a simples presença dela lembra a história que querem apagar. 

A eleição de Lula com Dilma de vice seria a derrota total do golpe, uma vitória em dobro do povo, da justiça e da democracia. 

Simbolizaria ao mesmo tempo a retomada de um projeto virtuoso que foi abortado, o desagravo à presidente injustiçada, que foi vítima da ignomínia imposta pelos usurpadores do seu mandato e a independência do novo governo em relação à direita neoliberal, antidemocrática e pró-imperialista. 

Não subestimo os erros que ela cometeu enquanto presidente, que indiscutivelmente facilitaram o assalto golpista. Mas estou certo que ela tirou lições da experiência que teve e que deve estar ainda mais preparada para exercer a presidência. É a vice ideal para o Lula. Por isso, defendo desde já o seu nome.

Para olhar o futuro sem esquecer o passado, a vice-presidente de Lula deve ser Dilma Rousseff.

Toda conciliação de classes limita a transformação social em favor dos trabalhadores

Quanto menos se percebe e entende as diferenças fundamentais entre os políticos e partidos de esquerda e direita, mais tende-se a acreditar que elas podem ser facilmente superadas em favor do bem comum, como muitos desejam. Quando se ignora que o antagonismo entre esquerda e direita é a expressão política do antagonismo entre os interesses de uma classe social pobre, explorada e oprimida e os interesses da classe social rica que a explora e oprime, tende-se a acreditar ser possível a conciliação da esquerda com a direita em torno de um projeto comum que não traga ainda mais prejuízos para os perdedores de sempre e ainda mais vantagens para os que sempre ganharam muito.

Esquerda de verdade é aquela que defende intransigentemente os interesses do povo, sem admitir nenhuma perda a mais para o povo e exigindo sempre mais e o melhor para o povo. Esquerda de verdade é aquela movida pela convicção de que não é admissível, por não ser justo, impor aos pobres mais perdas e conceder aos ricos mais ganhos, é aquela movida pela convicção de que não é admissível, porque não é justo uma minoria gozar os mais infames privilégios enquanto a imensa maioria padece as piores agruras. A esquerda, que historicamente representa os pobres, não tem o direito de, em nome deles, renunciar a mais nada; a direita, que representa os ricos, é quem tem que ceder, e ceder muito, para que haja justiça. 

Os ricos e a direita reclamam do conflito intenso que tem tido com a esquerda na sociedade. Chamam esse conflito de polarização e dizem que a polarização faz mal ao país e por isso precisa cessar. Mas não é a polarização que faz mal ao país, o que faz mal ao país é a injustiça social, que é a causa e o alimento da polarização. Ponha-se fim à injustiça social e a polarização imediatamente termina. 

A polarização entre esquerda e direita é na verdade a expressão política da tensão que existe entre a necessidade urgente dos pobres e a ganância impiedosa dos ricos. A esquerda considera que a riqueza produzida pela sociedade deve beneficiar a todos e não apenas a uma minoria, que essa riqueza coletivamente produzida não pode ficar concentrada nas mãos de alguns poucos, que ela precisa ser distribuída por toda a sociedade, para que haja o bem comum. Acabar com a polarização política significaria ignorar o antagonismo realmente existente entre as classes na sociedade, conservando a situação que penaliza uma delas, a classe trabalhadora. 

Deixa de ser esquerda quem não polariza com a direita, quem busca a conciliação com a direita e evita o conflito, quem baixa a tensão com a direita e aceita os piores acordos para os trabalhadores. Porque o que define realmente a esquerda é exatamente a intransigência na defesa da justiça social em favor dos mais pobres. Não é de esquerda quem não tem essa atitude inflexível, quem tolera a injustiça social e não a combate com vigor e constância, quem faz pactos conservadores dos privilégios dos ricos e das carências dos pobres. 

A direita só faz acordo com a esquerda quando o acordo favorece aos ricos, que ela historicamente representa. De modo que toda aliança entre esquerda e direita implica obrigatoriamente num rebaixamento das metas do programa de governo da esquerda, com prejuízo para a luta por uma justa distribuição da riqueza e consequentemente para a expectativa de melhoria de vida dos pobres. 

É isso que precisa ser compreendido pela militância de esquerda no Brasil, para que ela não acredite mais nas promessas de quem prega a conciliação entre as classes, entre oprimidos e opressores, entre explorados e exploradores. Porque essa conciliação é, na verdade, conservadora da exploração e da opressão e, portanto, conservadora da injustiça social que a esquerda tem o dever de combater. 

Os pobres não podem e a esquerda, em nome deles, não deve renunciar a mais nada, a nenhum direito e a nenhuma vantagem que corrija a injustiça que eles sofrem desde que nascem; os ricos é que podem e a direita é que deve, em nome deles, ceder, para que haja justiça. 

Polarização significa confrontação. Pois sigamos, nós da esquerda, confrontando a direita, polarizando com ela, com cada vez mais audácia e vigor, porque só vencendo a direita é que será realmente possível transformar a sociedade injusta em que vivemos na sociedade justa que almejamos. 

quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

Alckmin não é Alencar

Como pode alguém como Alckmin, que não se arrepende de ter apoiado um golpe de Estado, ser reconhecido por gente da esquerda como democrata e como digno de confiança para ser vice do Lula?


ALCKMIN NÃO É ALENCAR (I)


A História desautoriza enfaticamente a identificação de Geraldo Alckmin com José Alencar, que se tem feito equivocadamente para justificar uma aliança absurda que traria enormes riscos para o futuro governo da esquerda. Alckmin, como governador de São Paulo, foi um dos principais líderes das articulações políticas que levaram ao impeachment de Dilma, alimentou o ódio na sociedade contra Lula e o PT, apoiou a perseguição da Lava Jato ao ex-presidente e seu partido e festejou a prisão injusta e ilegal de Lula, que o tirou da eleição de 2018. José Alencar tem uma trajetória completamente distinta. José Alencar entrou para a história como o vice-presidente brasileiro que evitou um golpe de Estado. O jornal O Globo contou como foi, em 2011. Confira.

"José Alencar barrou movimento que tentava impeachment de Lula

O Globo, 31/03/2011

https://oglobo.globo.com/politica/jose-alencar-barrou-movimento-que-tentava-impeachment-de-lula-2802746

BRASÍLIA - A fidelidade de José Alencar na relação com o ex-presidente Lula, tantas vezes exaltadas nos últimos dias, tornou-se incontestável no auge da crise do escândalo do mensalão, em agosto de 2005. Alencar foi procurado na ocasião, quando se falava na possibilidade de impeachment de Lula, por um grupo de parlamentares da base governista e também da oposição para sondá-lo sobre a eventualidade de ele assumir a Presidência da República. Ao ouvir a abordagem, Alencar, em tom firme e encerrando a conversa, disse que tentaria barrar qualquer movimento naquele sentido. Segundo participantes do encontro, afirmou:

- Entrei com o presidente Lula no governo e vou sair junto com ele.

Desse grupo fazia parte um parlamentar do PL, partido ao qual Alencar era filiado na época. De acordo com esse parlamentar, o ex-vice-presidente foi peça fundamental para barrar um movimento pelo impeachment de Lula. Esse gesto de lealdade de Alencar sempre foi ressaltado por Lula nas conversas no Planalto no pós-crise.

- Durante os momentos mais duros do governo a postura de Alencar foi absolutamente leal e parceira. Mostrando que não era homem chegado a golpe - disse o governador e ex-ministro do governo Lula, Jaques Wagner (PT-BA).

Para ministros que participaram do núcleo do governo Lula durante a crise do mensalão, se Alencar não tivesse sido tão firme na defesa de Lula, o movimento poderia ter crescido no Congresso.

- Havia uma movimentação pelo impechment de Lula. E Alencar foi de uma lealdade impressionante. O que chegou a ser sugerido é que, com a queda de Lula, ele assumiria o governo. Nem todo mundo teria o seu caráter - relembrava na quarta-feira um ex-ministro.

Aquele mês de agosto foi o pior momento da crise do mensalão, agravada com o depoimento do publicitário Duda Mendonça à CPI dos Correios. No Planalto, era grande a preocupação com a revelação do marqueteiro de que houve caixa dois no conjunto das campanhas do PT em 2002. Fragilizado politicamente, Lula temeu perder sustentação no Congresso.

Logo depois desse episódio, Alencar deixaria o PL para ajudar a fundar o PRB. Segundo relatos de interlocutores, o único momento em que a relação de Alencar e Lula ficou abalada foi pouco antes da campanha de 2006. Isso porque Lula cogitou substituí-lo como vice em sua chapa. Ele chegou a negociar nos bastidores com o PMDB e o nome do atual ministro da Defesa, Nelson Jobim, era um dos cotados. Ao saber da mágoa de Alencar com o episódio, Lula recuou e repetiu a dobradinha na chapa da reeleição."

Se Alckmin aprovou a traição de Michel Temer, por que agiria de modo diferente, se tivesse oportunidade? Será razoável esperar que alguém com esse tipo de caráter aja como o ex-vice-presidente, durante a ofensiva golpista de 2005? Não convém ignorar as evidencias. Se for vice de Lula e se houver uma nova ofensiva golpista, Alckmin agirá como Temer, não como José Alencar.

***

ALCKMIN NÃO É ALENCAR (II)


Alckmin sempre foi neoliberal e José Alencar sempre esteve na trincheira política oposta à dele, foi antineoliberal durante os governos de FHC e foi antineoliberal também durante os governos de Lula. José Alencar foi antineoliberal até a morte. E era tão reconhecida essa sua militância que ele foi convidado para prefaciar um livro chamado "Novo-Desenvolvimentismo - Um projeto nacional de crescimento com eqüidade social", organizado pelos economistas João Sicsú, Luiz Fernando de Paula e Renaut Michel, com contribuições de Paulo Nogueira Batista, Carlos Eduardo Carvalho, Fernando Cardim de Carvalho, Leda Maria Paulani e Bresser-Pereira. 

O texto do prefácio, que reproduzo abaixo, é uma crítica de Alencar à política econômica que Alckmin sempre defendeu e continua defendendo. Confira.

O PREFÁCIO DE JOSÉ ALENCAR

“Apontando alternativas

Este livro nos convida à reflexão. Foi escrito por um notável grupo de economistas, reunidos por esse grande brasileiro que é o Professor-Doutor João Sicsú, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, juntamente com o Doutor Luiz Fernando de Paula, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ, e com o Doutor Renaut Michel, da Universidade Candido Mendes – UCAM, e aborda praticamente todos os problemas relevantes da economia brasileira contemporânea com uma preocupação propositiva. É isso que o torna particularmente muito rico, magnífico mesmo e muito útil para o momento por que passa a economia política do país. Depois de mais de duas décadas de baixo crescimento econômico, todas as pessoas com alguma responsabilidade política estão buscando alternativas. Esses economistas fazem mais. Apontam-nas.

Não posso dizer que todas ou cada uma das alternativas sugeridas aqui devam ser seguidas ao pé da letra. Em Política, assim como nas Ciências Sociais e, particularmente, na Economia, não há certezas absolutas. O que há de relevante neste livro é que ele questiona uma sabedoria convencional que tem sido reprovada no teste da realidade. Na mesma linha, não se deixa embotar pela mediocridade do pensamento único, que prevaleceu no Brasil sobretudo nos oito anos do governo passado. Há aqui um esforço genuíno para escapar das armadilhas econômicas a que fomos levados. Em várias oportunidades, tenho chamado a atenção para a insustentabilidade das taxas de juros no Brasil. Tenho falado como cidadão, como empresário e, principalmente, como político. Na realidade, é a longa experiência empresarial que me autoriza a condenar esse despropositado regime de juros que empobrece nossa economia, levando milhares de empresários à falência e milhões de trabalhadores ao desemprego. Não é preciso ser acadêmico para enxergar o que tenho dito. No entanto, os profissionais mais prestigiados no Brasil contemporâneo têm sido aqueles que aceitam e até recomendam a manutenção dessa política de juros altos, ou regime de juros, como a denomino. Os bons brasileiros que escrevem este livro têm procurado apresentar com rigor científico o que sustento embasado na experiência. Daí também minha satisfação por ter sido convidado a fazer este prefácio.

Honrado pelo convite, aproveito para, de forma sucinta, trazer uma outra preocupação que permanece presente nas reflexões de quantos se dedicam aos temas ligados à economia brasileira.

É que, paralelamente aos juros e a eles ligada, há outra questão que precisa ser tratada: a carga tributária. Por que a carga tributária tem crescido tanto no Brasil? Em 1995, início do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, ela girava em torno de 28% do PIB e foi elevada a 35%.

Houve, portanto, um crescimento de 25%, ou de sete pontos percentuais. O PIB é estimado, hoje, em um trilhão e meio de reais. Então, sete por cento de um trilhão e meio significam cento e cinco bilhões de reais.

Além disso, tivemos naquele período – de 1995 a 2002 – um crescimento notável da dívida pública, que girava em torno de 30% do PIB, e foi para 55%. Ou seja, um crescimento, em oito anos, de 83%, ou vinte e cinco pontos percentuais.

Vinte e cinco por cento do PIB, de um trilhão e meio, é igual a trezentos e setenta e cinco bilhões de reais. Quando se aumenta uma dívida, pressupõe-se que tenha havido a correspondente entrada do dinheiro. Quando cresce a carga tributária, o pressuposto básico é o mesmo. Temos aí: trezentos e setenta e cinco bilhões que, somados aos cento e cinco bilhões, alcançam quatrocentos e oitenta bilhões de reais, em relação a somente um ano, o ano corrente, por exemplo, comparado ao último ano anterior ao início da escalada de majoração da dívida e da carga tributária.

No mesmo período, privatizaram-se várias empresas brasileiras: as siderúrgicas, o sistema nacional de telefonia, parte das companhias de eletricidade, a própria Vale do Rio Doce, que é um país. Todas essas privatizações renderam aproximadamente noventa bilhões de dólares.

Esses três itens – aumento da dívida, elevação da carga tributária e privatizações – representaram recursos da ordem de setecentos e cinqüenta bilhões de reais. No entanto, nesse período, não se realizaram, por exemplo, nem mesmo as obras indispensáveis e inadiáveis de infra-estrutura de transporte, como a construção de novas estradas de rodagem, novas ferrovias e hidrovias, onde o potencial brasileiro é imenso.

E isso continua. Por quê? Continua porque seguimos prisioneiros de uma estranha e inexplicável armadilha macroeconômica. A verdade é que não houve nem mesmo conservação das estradas existentes. Setecentos e cinqüenta bilhões de reais. Para onde foi tanto dinheiro? Grande parte foi para o pagamento dos juros. Aliás, é bom que nos lembremos: um dos principais motivos que nos levam ao enorme crescimento da carga tributária é o despropositado custo financeiro que pesa sobre nossa dívida, levando mais de um quarto de tudo o que se arrecada em nosso país.

Todos temos o direito de criticar a elevação da carga tributária, mas não podemos esquecer que, dela, quase trinta por cento vão para cobrir o custo na rolagem da nossa dívida. Alguém pode dizer: mas a rolagem da dívida é devida, os juros têm que ser pagos! É claro que os juros da dívida têm que ser pagos. Só que eles têm que ser pagos em taxas pelo menos aproximadas às praticadas pelo mercado internacional. Se analisarmos uma lista de 30 países - dados disponíveis no sítio da Global-Invest em agosto de 2004 -, inclusive o Brasil, verificamos algo surpreendente. A média geométrica da taxa de juros básica real com que esses países rolam sua dívida pública é de 0,4% ao ano. Nesse mesmo quadro, aparece o Brasil pagando 9,5% de taxa básica real de juros (prevista para os próximos 12 meses). Se analisarmos apenas os países desenvolvidos, a taxa básica real é 0,1% ao ano. Na verdade, muitos deles pagam taxas reais negativas. E se considerarmos, daquela lista, apenas os países chamados de emergentes, onde está o Brasil, a taxa básica real é 1% ao ano. Não vejo, e acredito que jamais verei, qualquer justificativa razoável para colocar o Brasil em tão adversa, imprópria, desfavorável, inadequada e desastrosa posição.

Poderão dizer: o José Alencar não tem autoridade para falar sobre isso, ele não é economista. Todos sabem da minha origem modesta, humilde. Sabem que fui criado no interior, na roça, de família pobre, nem escola havia. Estudei como autodidata. E então não sou autoridade para falar sobre isso. Mas, pela minha experiência de meio século de vida empresarial, não preciso ser economista para saber que, enquanto as atividades produtivas não puderem remunerar, com vantagem, os custos do capital, não poderá haver investimentos na escala que o Brasil precisa e pode, dado o seu potencial. E o capital é apenas um dos fatores de produção; os outros fatores também precisam ser remunerados.

Também não é preciso estudar Economia profundamente para saber que o nosso regime de juros é grandemente responsável pelo elevado risco-país: é fácil entender que os credores internacionais não podem praticar taxas de juros mais baixas para um país em que o seu próprio Banco Central mantém taxas de juros dessa natureza. Se nossas autoridades monetárias enxergam problemas que, segundo elas, exigem a adoção dessas elevadas taxas de juros, não seria razoável esperar que os credores internacionais tivessem outro comportamento. Essa é uma das principais razões para o elevado risco-Brasil, que cairia, seguramente, a partir do momento em que caíssem os juros a patamar civilizado.

Quando uma empresa leva sua duplicata a um banco, seja estatal ou privado, e paga, na melhor das hipóteses, trinta por cento de juros, ao ano, está correndo sério risco de fracasso, porque transfere, na operação, toda a sua renda para o banco. Nunca houve na história do Brasil maior transferência de renda, oriunda da produção, o que vale dizer, do trabalho, em benefício do sistema financeiro, nacional e internacional. Isso acontece há quase dez anos, ininterruptamente.

Tenho falado sobre isso em várias ocasiões, mas nem sempre sou bem compreendido. Numa dessas ocasiões, na Associação Comercial do Rio de Janeiro, observei que a Constituição de 1988 acabou com a censura, exceto a censura sobre quem decide bater nesse desastroso regime de juros. Essa continua. E tenho sido vítima dela, muitas vezes até pela distorção do que falo. Mas vou continuar na minha luta, porque os que me conhecem sabem que não ingressei na vida pública para atender a nenhuma necessidade material. Ingressei movido pelo sonho de ver um Brasil próspero e menos desigual. Para realizar esse sonho, que é de todos os brasileiros, tenho tentado oferecer alguma contribuição oriunda da minha experiência.

Recomendo a leitura dos ensaios que formam este livro. Neles há sérias advertências que abrem oportunidades para a reflexão nacional, de que tanto estamos precisando. Os brasileiros preocupados com o destino do Brasil e, sobretudo, com a superação das dificuldades por que temos passado, encontrarão espaço para exercitar a inteligência na busca de alternativas que possam consultar os elevados objetivos nacionais.

Brasília, agosto de 2004
José Alencar Gomes da Silva, Vice-Presidente da República”

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ALCKMIN NÃO É ALENCAR (III)


Se uma aliança entre Lula e Alckmin simbolizaria inequivocamente uma aliança entre a esquerda e o empresariado neoliberal, a aliança entre Lula e José Alencar simbolizou a aliança entre a esquerda e o empresariado antineoliberal, portanto são coisas completamente distintas. José Alencar foi um crítico constante do neoliberalismo que identificava no governo do qual era vice. Ele esteve desde o início do seu mandato sempre à esquerda do presidente da república, do ministro da fazenda e do presidente do Banco Central. 

Nesta crônica que reproduzo abaixo, de junho de 2003, Jânio de Freitas identifica a divergência entre o vice presidente e os seus colegas da área econômica e reconhece a importância das suas investidas contra o dogmatismo neoliberal que prevalecia até mesmo naquele governo de esquerda. 

De modo que o simbolismo que teve a vice-presidência de Alencar foi completamente diferente do simbolismo que teria uma vice-presidência de Alckmin. 

José Alencar tensionou o governo Lula para a esquerda, sem provocar crises e sem conspirar contra o presidente. 

Geraldo Alckmin, vice, tensionaria um futuro governo Lula para a direita e seria um fator constante de desestabilização do governo e uma constante ameaça ao mandato do presidente que estamos para eleger. 

Confira o texto como sempre brilhante do Jânio de Freitas.

JANIO DE FREITAS

Entre Alencar e Palocci

Folha, 04/06/2003
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc0406200305.htm

A altitude dos juros já está custando caro, não só à imagem do governo, mas às pessoas de Antonio Palocci e, de quebra, Luiz Inácio Lula da Silva. A divergência que com eles tem o vice-presidente José Alencar expõe uma fragilidade conceitual do ministro da Fazenda que vai muito além, no pior sentido, do problema dos juros. Lula, por sua vez, já precisou passar à atitude de discursar em uma direção, contra os juros, e agir na outra, com apoio absoluto à política econômica centrada em juros estrangulantes.

Como preliminar, fique claro que o vice Alencar e o ministro não estavam respondendo um ao outro, como as aparências dadas ao noticiário sugeriram, ao falarem dos juros. As considerações de ambos foram quase simultâneas, o ministro em Genebra, o vice na interinidade presidencial em Brasília. Mas o choque foi frontal. José Alencar sustentando que a fixação de juros deve ser decisão política, Antonio Palocci afirmando que juros e Banco Central são assuntos apenas técnicos.

Para começar pelo Banco Central, quando Lula e Palocci escolheram um ex-presidente do BankBoston sem experiência alguma no setor público, mas ligado ao setor financeiro internacional privado, não escolheram um técnico de reconhecida capacitação, teórica e prática, para o cargo de governo. A escolha não foi feita em razão do Banco Central, mas da tranquilização de setores influentes. A nomeação do presidente do BC, portanto, não foi técnica, mas política. E o próprio Banco Central foi transformado em instrumento político. Também por motivo político, declarado "autônomo", como teria sido prometido a investidores norte-americanos em um certo encontro que Lula e assessores ainda não estão por narrar.

De um Banco Central em tais condições não sairá decisão alguma que não seja também política, se não for sobretudo política. Ainda que fosse outra a situação atual do BC, é inquietante que o ministro da Fazenda não se dê conta de que é componente sempre importante de política econômica. Repito: POLÍTICA econômica. E componente de política, política é. Daí que a direção de juros tenha funções, além de políticas, até ideológicas, por exemplo para direcionar a renda no sentido da concentração de classe.

Não tem procedência alguma, então, a idéia do ministro da Fazenda de que "ou se tem um Banco Central que combate a inflação ou se tem um BC político". Na mesma medida, é uma fantasia a sua idéia de que "a única pressão que vale para a política monetária é a pressão da inflação". Quando as ruas reagem a modos perversamente anti-sociais de combate à inflação, todos os governos, até hoje, reconsideraram depressa sua política socialmente elitista. Bolívia e Peru passaram por isso há bem pouco.

Com sua crítica didática aos juros de Palocci/Lula/Meirelles, o vice José Alencar está prestando também um serviço à democracia. Usa sua condição de segunda autoridade, na hierarquia do país, para impedir a sufocação do direito de divergência, que o governo tenta por meios cada vez mais sem disfarce.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

Em defesa da frente de esquerda. Comentário sobre um texto de Igor Fuser

(comentário sobre um texto do companheiro Igor Fuser, no Facebook, que reproduzo ao final deste post)

Igor Fuser. Você acha que a política econômica vigente desde o golpe tem sido esse desastre para o povo que estamos vendo porque está conceitualmente errada, como diz a esquerda, ou porque tem sido mal executada, como diz a centro direita? Indo direto ao ponto: essa política precisa ser radicalmente mudada, como diz a esquerda, ou só precisa de uma melhor gestão, como diz a centro direita?

Não sei se você sabe, mas, segundo o site Congresso em Foco, os partidos da centro direita votaram a favor do governo Bolsonaro em mais de 80% das votações do Congresso. Você tem alguma dúvida de que estes partidos apoiam integralmente a política econômica que estamos tendo desde Michel Temer? Tem alguma dúvida de que o golpe de Estado foi dado exatamente para impor ao povo essa política que o povo já havia rejeitado nas quatro eleições presidenciais que o antecederam? E você não lembra quem foi contra e quem foi a favor desse golpe de Estado? Só os partidos de esquerda, PT, PSOL e PCdoB, votaram integralmente contra o impeachment de Dilma, todos os demais votaram total ou parcialmente a favor de derrubá-la. E quem liderou a operação golpista ostentando o programa de governo que pretendia implementar quando assumisse a presidência, substituindo a mandatária legítima? Foi a extrema direita, com Bolsonaro? Não, foi a centro direita, com Michel Temer. E o nome do programa que eles anunciaram com pompa e circunstância, antes mesmo de o golpe ser consumado, era Ponte para o Futuro. Não lembra disso, Igor Fuser?

O governo Temer foi um governo de centro direita - basta ver de que partidos eram os seus ministros - que, no fundamental, que é a política econômica, teve continuidade no atual governo. O próprio Temer diz isso. Numa entrevista ao site da BBC, de 22 de julho de 2019, ele diz: 'O governo Bolsonaro vai bem porque está dando sequência ao meu'. E está dando sequência mesmo. A política de preços da Petrobras, por exemplo, que é tão criticada hoje, é obra do tucano Pedro Parente, que foi nomeado presidente da empresa pelo usurpador, logo que ele sentou na cadeira de presidente da república. E foi exatamente para dar sequência à execução do programa Ponte para o Futuro que o governo Bolsonaro teve até agora o apoio dos partidos da centro direita, que lideraram o golpe e governaram com Temer, em mais de 80% das votações do Congresso.

A pergunta que te faço, Igor Fuser, é muito simples. A centro direita renunciou ao programa Ponte para o Futuro? Essa resposta é importante porque ela determina o que seria um governo Lula em aliança com a centro direita, se seria um governo de mudança ou um governo de continuidade. Você certamente dirá, como todo bom centrista, que precisamos encontrar os pontos de convergência entre a esquerda e a centro direita, como se antagonismo houvesse entre elas apenas quanto a questões secundárias e não nas fundamentais. Então me diga: O que é, para você, fundamental e o que é secundário num programa de governo? Que pontos do programa da centro direita, chamado Ponte para o Futuro, a esquerda pode assimilar em seu próprio programa sem estar traindo a classe trabalhadora e atentando contra a soberania nacional? E que pontos do programa da esquerda você acha que podem ser sacrificados para agradar à centro direita e viabilizar um acordo entre ambas sem, da mesma forma, estar traindo a classe trabalhadora e atentando contra a soberania nacional? Que parte, afinal, do neoliberalismo você acha que não é lesiva aos interesses nacionais e populares e por isso a esquerda pode admitir no seu programa?

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TEXTO COMENTADO, DE IGOR FUSER

Reflexão destinada a quem pensa seriamente em VENCER a dura parada política que temos pela frente em 2022:

A esquerda é, e sempre foi, minoria no Brasil, claramente minoria.

Quando amplia sua capacidade de influência política, em sintonia com o sentimento popular e em aliança com outros setores democráticos, a esquerda cresce e, em geral, vence.

Quando estreita o alcance de suas propostas, encarando a luta política no espartilho esquerda x direita, fica encurralada no seu próprio gueto e, inevitavelmente... perde.

Se o bloco político e social que se articula em torno da candidatura Lula quiser ser vitorioso na luta contra o fascismo (um monstro com duas cabeças, o genocida e o juiz-ladrão), deve evitar a armadilha fatal da "frente de esquerda".

Para ganhar a eleição, a esquerda deve (sem perder o rumo de uma campanha enfocada, obviamente, no combate à fome e em defesa das condições materiais de vida da maioria dos brasileiros) 

ampliar a candidatura Lula em direção à centro-esquerda, ao centro e até mesmo a setores da centro-direita.

Este é o caminho, aliás, que o próprio Lula parece disposto a trilhar, com muita sabedoria.

(Reflexão inspirada em post de João Franzin, que você poderá ler no espaço dos comentários.)

https://web.facebook.com/igor.fuser.9/posts/10225338317220804

quarta-feira, 8 de setembro de 2021

A esquerda e o poder ilusório do direito

Quem realmente ameaça as liberdades democráticas no Brasil não é Bolsonaro e sim as forças armadas e as polícias, sem cujo apoio ele seria inofensivo e muito provavelmente já teria sido apeado do governo. Bolsonaro e a extrema direita civil só parecem tão perigosos, afrontando a sociedade e as próprias instituições do Estado com uma retórica tão agressiva e ameaçadora, porque têm atrás de si os militares e as polícias. Pois são estes que formam efetivamente o braço armado da extrema direita brasileira. 

E não é de hoje que cumprem esse papel, já o fazem desde a monarquia, esse desvio de função não é invenção de Bolsonaro nem os militares e policiais são inocentes úteis aos propósitos nefastos do presidente. Essa gente faz parte da extrema direita e apenas usa Bolsonaro para vocalizar o que pensa e quer. Se eles retiram o apoio que dão, Bolsonaro cai, porque a extrema direita civil não tem força suficiente para sustentá-lo e não atemoriza nem o Congresso e nem o Supremo. Tanto que vários bolsonaristas civis já foram presos, mas militar de alta patente, nenhum, os desmandos se sucedem e ninguém tem coragem de encarcerá-los porque ninguém tem força para contê-los. 

Quem tem a caneta tem o poder de direito, mas poder de fato têm mesmo os que andam armados. Por isso é a estes que a esquerda e a classe trabalhadora precisam se impor para garantir suas liberdades políticas e conquistar o comando do Estado, que é a condição para haver democracia. Mas como impor-se a uma força armada hostil por meios pacíficos, como pretende a maior parte da esquerda? Creio, sinceramente, não ser possível, estamos a cultivar ilusões.

terça-feira, 7 de setembro de 2021

O pacifismo é aliado da opressão e inimigo da justiça

Civis desorganizados e desarmados serão sempre vítimas de abusos militares

Em novembro de 1988, o Exército Brasileiro se prepara para a invasão da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em Volta Redonda/RJ, ocupada por metalúrgicos em greve. Na invasão, o Exército Brasileiro matou três operários brasileiros desarmados.
7/9/2021 - O Visconde de Ouro Preto já sabia, em 1889, algo que a esquerda brasileira até hoje não entendeu: que uma força armada só pode ser contida por outra força armada. Em seu manifesto aos brasileiros, publicado em Portugal logo após o golpe de Estado que depôs o imperador Pedro II e proclamou a república, ele disse: “A força armada não deve governar pela óbvia razão de que para lhe resistir aos desmandos fora mister que as outras classes se armassem também”. Mas concluiu a frase advertindo, presumivelmente horrorizado, só de imaginar, que esta seria uma “situação intolerável e absurda”. Por que intolerável e absurda se ele mesmo acabava de reconhecer que esta era a única forma eficaz de resistência? A resposta é simples. Porque isso daria poder ao povo e quando o povo tem poder governa. O regime em que o povo governa chama-se democracia e o visconde de Ouro Preto não era evidentemente um democrata, era um alto representante dos ricos monarquistas, que assim como os ricos republicanos de então e os ricos de todas as sociedades e todas as épocas, abominavam a ideia de uma sociedade governada por representantes da classe trabalhadora. Tanto que proclamaram a república de forma arbitrária, sem consultar o povo e nem sequer convidá-lo a tomar parte do ato. 

O jornalista republicano Aristides Lobo despediu-se dos seus leitores, para assumir um cargo no governo provisório instalado, com uma carta em que descreve o que testemunhara. Disse ele: “Por ora, a cor do governo é puramente militar, e devera ser assim. O fato foi deles, deles só, porque a colaboração do elemento civil foi quase nula. O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso sem conhecer o que significava. Muitos acreditavam sinceramente estar vendo uma parada”. A república no Brasil foi fundada por um golpe militar e os militares impuseram-se à sociedade brasileira como seus eternos tutores. Suas presenças nas disputas políticas foram desde então permanentes, de forma às vezes mais, às vezes menos ostensiva. A história da república tem sido uma sucessão de golpes e ditaduras militares, intercaladas por breves períodos de regimes constitucionais, nunca inteiramente livres de ameaças de mais golpes e ditaduras. Estamos vendo neste 7 de setembro a história se repetir, não menos perplexos e impotentes do que os brasileiros das gerações passadas. 

Tornou-se afinal insustentável esse relacionamento verdadeiramente abusivo que tem sido mantido por de mais um século entre a sociedade civil e a sociedade militar no Brasil. É preciso reconhecer antes de tudo que abuso de poder só existe em relações sociais onde há desequilíbrio acentuado de poder e que uma sociedade civil desorganizada e desarmada estará sempre inevitavelmente sujeita a abusos da sociedade militar, por natureza armada e organizada. Ocorre que numa sociedade capitalista, as forças armadas do Estado não servem aos interesses da nação e sim aos da classe rica que comanda o Estado, chamada burguesia. É a esta minoria rica que os militares sempre serviram e sempre servirão no capitalismo. As forças armadas do Brasil são na verdade forças mercenárias a serviço de quem pode lhes pagar o maior soldo. O patriotismo apregoado por seus comandantes não passa de uma fachada ideológica destinada a ocultar interesses vis e compromissos espúrios, que a prática deles acaba por revelar. Não é contra a minoria rica da sociedade civil que a sociedade militar comete abusos, é sempre contra a maioria pobre, que padece indefesa exatamente por não ter organização e armas. 

A esquerda brasileira precisa entender que abuso de poder haverá enquanto houver tão acentuado desequilíbrio de forças entre uma sociedade militar organizada, disciplinada e armada e uma sociedade civil desorganizada, indisciplinada e desarmada. Armas, organização e disciplina são as bases fundamentais do poder real ou poder de fato dos aparatos de defesa e segurança do Estado, mas também do narcotráfico e das quadrilhas de extorsionários que tem sido chamadas de milícias. Este poder de fato que afronta quando quer o poder de direito das próprias instituições do Estado comandado pelos ricos e que é exercido permanentemente de forma severa e cruel sobre as populações mais pobres, só pode ser contido por meios iguais aos que emprega, não há outra forma de defesa contra eles e não há outra forma de desencorajar os seus ímpetos covardes e autoritários. Não se logrará conquistar o seu respeito a limites legais e morais sem mostrar capacidade de usar com maestria as mesmas técnicas e instrumentos de guerra que eles dominam. 

Uma ação de guerra só pode ser neutralizada por outra ação de guerra. Quando e enquanto esta reação não ocorre estabelece-se uma relação de opressão, em que o agredido é subjugado pelo agressor. Como não há combate, confrontação de forças e hostilidades mútuas, configura-se uma situação de paz. Mas será uma paz assim desejável para quem é vítima da opressão e para quem tem apreço pela justiça? Será a justiça um valor menor do que a paz, a ponto de se prescindir dela para evitar um conflito? Seria correto sacrificar a justiça, consentir e compactuar com a injustiça, a pretexto de manter a paz? Evidentemente que não, por isso há tantos conflitos sociais. O oprimido revolta-se porque sofre e o justo revolta-se porque do oprimido se compadece. 

A guerra é como uma febre intensa que acomete as sociedades, sendo como toda febre efeito da reação orgânica à doença e sendo este efeito percebido como sintoma do mal que o provoca. E a despeito do que desejam todos quantos têm apreço pela paz, ainda há muita opressão e injustiça no mundo a que só as guerras podem dar fim, ainda que ao preço de muita dor, mal estar e prejuízos. A justiça é o bem maior para o justo. Pela justiça o justo encara todos os riscos e submete-se a todo sacrifício, até mesmo o sacrifício da própria vida. A justiça, para o injustiçado e para o justo, vale mais do que a paz. Sem justiça, a paz nada mais é do que opressão sem resistência. Quando há resistência há guerra, que os pacifistas querem evitar a todo custo, admitindo até mesmo o sacrifício da justiça. 

O pacifismo é objetivamente aliado da opressão e inimigo da justiça. Porque nem toda paz é justa e libertadora assim como nem toda guerra é injusta e opressora. A paz pode ser e é frequentemente injusta e opressora enquanto a guerra é que muitas vezes se mostra justa e libertadora. Porque em toda relação humana de opressão há um oprimido que tem o direito de reagir e lutar por liberdade e porque em toda relação humana injusta há um injustiçado que tem o direito de reagir e lutar por justiça e um justo que acredita ser seu dever lhe ser solidário.

O pacifismo predominante na esquerda brasileira está na raiz das ilusões que ela mantém quanto às disposições democráticas e pacíficas da direita e dos ricos e quanto ao caráter democrático e pacífico das instituições do Estado que a direita e os ricos comandam. Os ricos e a direita não são pacifistas nem democratas, são autoritários e belicosos. Por isso quando a esquerda alimenta a mente dos pobres com as suas tolas e perigosas ilusões na falsa democracia comandada pelos ricos e pela direita ela está contribuindo para manter os pobres mentalmente indefesos contra as mistificações e trapaças da direita e dos ricos. E quando a esquerda alimenta o pacifismo dos pobres ela está contribuindo para mantê-los fisicamente indefesos frente ao poder organizado e armado dos ricos, sendo os pobres pelos ricos facilmente subjugados em razão desse despreparo que os torna impotentes, a despeito de serem bem mais numerosos.

Nas horas que antecederam aos atos golpistas convocados por Bolsonaro, o medo da militância de esquerda era indisfarçável e justificado. Não temos mesmo a massa trabalhadora conosco, porque não a mobilizamos, ocupados que estávamos analisando pesquisas e articulando alianças para uma eleição que nem sabemos se haverá. E não nos preparamos, nem mentalmente nem materialmente, para o tipo de combate que a luta contra o fascismo requer, porque aprendemos com nossas lideranças que a única forma de disputa política legítima é a que vale-se de meios pacíficos. Aprendemos que toda violência é condenável, mesmo quando usada para a autodefesa; rejeitamos, consequentemente, a violência e recusamos qualquer proposta de preparação para o seu emprego com fins defensivos. De repente surge uma ameaça de agressão e não sabemos o que fazer. 

Por isso é que vamos hoje para as ruas torcendo para que os generais, juízes e governadores da direita não bolsonarista ainda tenham alguma autoridade sobre o exército e as polícias, para nos protegerem de agressões e derrotarem o golpe de Estado anunciado. Não temos força própria para resistir e a consciência dessa impotência é que nos faz sentir inseguros. Nossa liberdade e integridade física estão a depender não de aliados mas de inimigos. E chegamos a tal situação pelas decisões equivocadas que tomamos, determinadas pelas ilusões que alimentamos em razão da nossa opção pacifista. 

Já é hora da esquerda brasileira refletir sobre esse pacifismo que tanto a fragiliza perante a direita. Porque sem disposição e preparação para a guerra, a derrota, a opressão e o martírio serão sempre inevitáveis. Não basta estar do lado certo da história, é preciso vencer guerras e só vence guerra quem usa os meios mais eficazes para alcançar os seus fins, sem restrições de natureza moral. A menos que o objetivo maior não seja a transformação da sociedade e sim o conforto de uma consciência adormecida e indiferente pelos males decorrentes da sua omissão. O que mais quer a militância de esquerda, qual é o seu maior objetivo? É a justiça mesmo ou é só um lugar no Céu?

7/9/2021

domingo, 15 de agosto de 2021

Organizações de esquerda e mobilização de massas

Não se mobiliza o povo sem ir ao encontro do povo e sem estar junto do povo, onde ele vive. E é exatamente esse encontro da esquerda com o povo que está faltando para as mobilizações se massificarem e não ficarem como até agora, restritas apenas à vanguarda. 

Mas para fazer esse movimento em direção ao povo e exercer sobre o povo uma influência política relevante é preciso que as organizações de esquerda adotem uma disciplina interna mais rígida, sobretudo nas suas cadeias de comando, que possibilite um funcionamento mais ágil e intenso, mobilizando todos os recursos de que dispõem. 

Por enquanto a maioria das organizações de esquerda ainda está funcionando no modo de operação normal, com velocidade e intensidade moderadas e baixíssima mobilização de recursos. Isso não basta para levar multidões às ruas capazes de derrubar o governo. 

Para uma situação de emergência como a vivida hoje, as organizações de esquerda precisam operar com alta intensidade e velocidade, mobilizando todos os seus recursos materiais e humanos. 

As organizações de esquerda precisam urgentemente mudar o seu modo de operação e essa mudança depende, antes de tudo, de uma mudança de atitude das suas lideranças. 

O governo Bolsonaro é desaprovado pela maioria da sociedade e isso favorece enormemente à mobilização do povo. Mas a mobilização não é uma consequência automática da desaprovação, ela precisa ser fomentada pelas organizações de esquerda. 

A insatisfação predispõe realmente à ação, mas a decisão de agir precisa de orientação e encorajamento. Sem esse estímulo e direcionamento a disposição de luta das massas tende a arrefecer ou a ser capturada pela direita, como tantas vezes já vimos acontecer, terminando em derrota para a esquerda e o próprio povo.

sábado, 14 de agosto de 2021

Vai ter golpe militar ou não vai?

Esquerda deve abandonar ilusões e preparar-se para o pior. Só com multidões nas ruas dispostas à guerra é que se pode evitar golpe e ditadura.

14/08/2021 - O país tem vivido sob permanentes ameaças de golpe de Estado, com reiteradas manifestações explícitas e implícitas não só do presidente da república, mas também dos comandantes militares, a última delas, um desfile de tanques na frente do Congresso e do Supremo. Explicita e reiteradamente, o presidente tem afirmado que pode não aceitar o resultado da eleição e até que pode impedir a realização da eleição, o que levou o presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, a emitir uma nota, em 9 de julho, com a seguinte advertência: "A realização de eleições, na data prevista na Constituição, é pressuposto do regime democrático. Qualquer atuação no sentido de impedir a sua ocorrência viola princípios constitucionais e configura crime de responsabilidade". 

Essa advertência do TSE foi apenas a primeira de muitas, mostrando que a cúpula do judiciário não duvida da disposição do presidente e dos militares de cumprirem suas ameaças e que esses altos magistrados reconhecem um risco real de as eleições não ocorrerem. Aliás, a divulgação ampla dessa e de outras notas assim como as muitas declarações dos ministros do Supremo à imprensa e em eventos públicos, sugere que essas manifestações sejam menos advertências ao governo e aos militares do que alertas à sociedade, para que reaja. Se fossem apenas advertências, poderiam ser transmitidas aos destinatários de forma reservada. 

As eleições do ano que vem estão mesmo ameaçadas, só não vê quem não quer. É crescente o risco de não ocorrerem ou de que tenham seus resultados contestados. Bolsonaro vai mal nas pesquisas, porque elas mostram a opinião da maioria da população, que é pobre. Mas ele tem forte apoio da minoria rica, tem forte apoio no parlamento, nas forças armadas, nas polícias, além de contar com centenas de milhares de seguidores civis armados espalhados pelo país, organizados em quadrilhas chamadas milícias, em empresas de segurança privada e em clubes de tiro. 

Desde que chegou ao governo, Bolsonaro vem investindo na consolidação de um poder de fato, baseado em instituições e organizações armadas da sociedade, para impor-se ao poder de direito das instituições e organizações civis desarmadas, como o próprio parlamento, o judiciário, os partidos e as entidades dos movimentos sociais. Não é exagero afirmar que estamos na iminência de um golpe de Estado. Este golpe tem sido preparado à luz do dia e aos olhos de todos, os sinais são mais que evidentes. Mas há sinais também evidentes de insegurança para dar este passo.

Se Bolsonaro e os militares julgassem viável um golpe de Estado e uma ditadura estável e duradoura, sem risco considerável de terminarem na cadeia como os golpistas da Bolívia, não precisariam estar comprando a lealdade do mal afamado Centrão. Se recorrem ao Centrão é porque reconhecem que teriam pouquíssimas chances de êxito, dada a enorme oposição que sofreriam da maior parte da sociedade. Há até bem pouco tempo não seria tanta oposição assim, já que a maior parte da sociedade tinha dos militares elevado conceito e sempre as melhores expectativas. 

Mas a percepção do povo sobre os militares mudou muito desde que eles se associaram a Bolsonaro para disputar o governo como um partido político, como um partido passaram a integrar o governo que ajudaram a eleger e no governo, afinal, decepcionaram. Seus desempenhos desastrosos frustraram dramaticamente quem esperava excelência e virtude e desfizeram por completo os mitos da competência e incorruptibilidade que por tanto tempo lhes valeram o respeito e a confiança de muita gente, legitimando de uma certa forma o papel de tutores da sociedade que eles se atribuem, amparados numa interpretação absurda do artigo 142 da constituição. As impactantes revelações da CPI da Pandemia destruíram a falsa imagem que projetavam para a sociedade e com isso eles perderam a confiança e o respeito do povo. Quem não confia e respeita não reconhece autoridade e quem não reconhece autoridade, desacata.

Todo regime político, mesmo o mais autoritário, precisa de uma base social bastante ampla que o sustente, consentindo que governe, ou seja, obedecendo aos seus comandos e ajustando-se à ordem que ele estabelece, de modo que só contra uma minoria rebelde seja preciso exercer coerção. Ao que tudo indica, os militares brasileiros hoje não têm consentimento nenhum da maior parte da sociedade para assumirem o governo do país e exercê-lo de forma arbitrária, num regime ditatorial, como gostariam. E não têm esse consentimento exatamente porque acabou a confiança e o respeito que havia por eles. Desmascarados, eles tentam intimidar quem os critica, mas são prontamente afrontados, contestados por todo lado, de um jeito que há até bem pouco tempo não eram. 

Há uma crescente animosidade e exasperação da sociedade contra os militares e essa rejeição teve sua expressão mais contundente na frase do famoso empresário e youtuber Felipe Neto, dirigida recentemente através do Twitter ao comandante da Aeronáutica. Numa entrevista da véspera, o tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior reiterara uma ameaça que fez, em nota conjunta com o ministro da defesa e os comandantes da marinha e exército, aos membros da CPI da Pandemia. Disse então Felipe Neto: “Prezado brigadeiro. Vai ameaçar a puta que pariu, babaca. Pare de envergonhar as forças armadas, tome vergonha nessa tua cara e lembre-se que você trabalha pra gente, não o contrário”. 

Esse inesperado insulto teve enorme repercussão e aprovação nas redes sociais da internet. Para muitos deve ter tido o efeito libertador de uma heresia. Foi como um desafio ao poder de deuses, um poder cuja aparente dignidade tornava até então quase sagrado. Ninguém nunca ousara insultar um comandante militar em público de forma tão direta e grosseira, com tamanho desassombro e tanta raiva, como a dizer “basta” a quem até então nunca se pode contrariar sem ser repreendido ou castigado. 

Significativo é o fato de o autor do insulto não ter sido alvo de nenhuma retaliação das forças armadas, não houve sequer protesto ou ação judicial por injúria, ninguém do alto comando, nem mesmo o tal brigadeiro, mostrou-se ofendido. Ouviram e ficaram calados, certamente por entenderem o contexto político em que a declaração se deu. Felipe Neto não fez nada além de traduzir o sentimento de milhões de brasileiros revoltados com a gestão militar da saúde, no governo, durante a pandemia. Não foi só incompetência, foi também corrupção que provocou mais de 500 mil mortes, todo mundo agora já sabe. 

A partir da CPI as pesquisas de opinião passaram a indicar que o povo não quer mais militares no governo exercendo funções de comando. Isso significa que o povo não quer mais que militares governem. Por isso é possível avaliar que uma ditadura militar seria insustentável. Sobretudo se essa ditadura destinar-se a dar continuidade à implementação do programa neoliberal adotado à revelia do povo pelo atual governo. Sim, porque a rejeição popular a Bolsonaro e aos militares é uma rejeição exatamente à gestão neoliberal desse governo em todas as áreas da administração pública e não apenas na saúde.

Não se sabe o que pensam realmente os militares, mas pode-se presumir com alguma chance de acerto. Há tempos ouvem-se dissonâncias. Bolsonaro e Braga Netto ameaçam de golpe, Mourão e Santos Cruz reagem, condenando. São indícios de divisão entre as lideranças militares quanto à orientação a seguir. A evidente inviabilidade de uma ditadura estável e duradoura torna o golpe um projeto de altíssimo risco para os seus agentes. E esse risco alto de derrota é que possivelmente provoca a rejeição de uma parte das lideranças militares à ideia da ruptura. É possível que temam até mesmo que a violência de uma eventual reação popular permita o avanço de um projeto esquerdista mais radical, que promova inclusive uma reforma das próprias forças armadas. 

Parece claro que o “tudo ou nada” só está interessando mesmo aos militares que sentem-se ameaçados pelas investigações da CPI e também do STF. Para estes, escapar ao acerto de contas com a justiça tornou-se objetivo único, nada mais lhes importa. Por isso, quanto mais o cerco se fecha mais agressivamente reagem, disparando ameaças, que ao invés de intimidar mais exacerbam a oposição que sofrem na sociedade, no parlamento e na suprema corte. Bolsonaro e seus comandantes militares estão realmente acuados e usam desesperadamente as atribuições e prerrogativas dos cargos que ocupam como proteções contra o assedio que sofrem. O governo tornou-se o único refúgio possível, razão pela qual é presumível que estejam dispostos a mantê-lo a qualquer custo, mesmo correndo o risco de serem derrotados e presos. 

Estão claramente testando os limites que a sociedade está disposta a lhes impor, tentando aferir quanto apoio e quanta oposição teriam para um golpe. Podem decidir arriscar tudo, por entenderem que nada têm a perder ou podem estar blefando para forçar um acordo que lhes propicie uma saída menos humilhante do governo e um julgamento menos rigoroso da justiça, contando com a complacência e apoio da burguesia, de quem sempre foram leais servidores. O que farão?

Se não há como saber, deve a esquerda preparar-se para o pior. Não convém desprezar as poucas chances de êxito de uma eventual intentona golpista, porque é sempre possível a uma minoria organizada e armada impor-se a uma maioria desorganizada e desarmada, sobretudo se essa maioria está desmobilizada. Por isso é preciso investir tudo na mobilização do povo para o combate nas ruas agora, já, imediatamente. 

Por que apostar na hipótese de blefe quando bem pode não ser? E em que se baseia, afinal, a evidente confiança da maioria das lideranças da esquerda na disposição e capacidade dos parlamentares e juízes da direita não bolsonarista para impedirem o golpe militar e garantirem a realização das eleições do ano que vem? É tão grande essa confiança que mais se conclama à reação esses parlamentares e juízes do que às massas trabalhadoras. E no entanto é à reação das massas que os militares mais temem, exatamente por saberem que as multidões mobilizadas são a única força social capaz de derrotá-los. Sem o respaldo de multidões dispostas ao confronto numa guerra civil, o poder dos tribunais e parlamentos é apenas formal, não é um poder de fato é poder apenas de direito, que os golpistas armados desprezam. 

Bolsonaro e os militares sabem que estão isolados, por isso pedem socorro ao Centrão. Ao fazê-lo revelam que nesse momento preferem evitar o golpe, pela falta de unidade das próprias lideranças militares, provocada exatamente pela expectativa da reação que preveem da sociedade. Podem até tentá-lo como medida extrema de desespero. Mas com certeza a derrota é o resultado mais provável que podem colher. Se sentirem, no entanto, que a reação da sociedade pode ser menor do que a esperada, a unidade das lideranças militares para o golpe pode acontecer, encorajada pelo aumento das chances de vitória. Por isso é fundamental que as lideranças da esquerda acreditem mais no efeito dissuasório da mobilização das massas e abandonem definitivamente as ilusões que ainda alimentam nas disposições e capacidades de uma suposta direita democrática. 

A direita não bolsonarista não tem força para impedir um golpe militar sozinha porque, sendo odiada e rejeitada pelo povo, não é capaz de mobilizá-lo. E a direita não bolsonarista também não é democrata, foi ela quem deu o golpe de 2016, foi ela quem prendeu Lula, ajudou a eleger Bolsonaro e participa até hoje do seu governo infame e desastroso, junto com os militares. Essa direita não bolsonarista precisa do povo para livrar-se do problema enorme que criou para o país e para si mesma, pois não consegue controlar as forças fascistas que mobilizou contra Lula, o PT e o conjunto da esquerda. E por ironia da história, agora só Lula, o PT e a esquerda é que são capazes de botar povo na rua para enfrentar o monstro que a direita não bolsonarista criou.

Por enquanto, a presunção da inviabilidade desse golpe militar anunciado tem encorajado realmente uma forte reação dos juízes e parlamentares da direita não bolsonarista, que posam de democratas, respondendo com crescente veemência e frequência às ameaças de ruptura, enquanto intensificam investigações sobre os crimes do presidente e dos militares que assumiram funções de comando na administração pública. Essa ofensiva tem o discreto apoio de lideranças militares não bolsonaristas e das que tendo sido aliadas do presidente começam a abandonar o barco, antevendo o inevitável naufrágio. Mas não é essa reação institucional que vai evitar o golpe ou derrotá-lo, se ele for tentado. O que pode evitar ou derrotar esse possível golpe é a mobilização social. Por isso é na mobilização social que a esquerda deve mais investir e não nas ações institucionais, como até agora tem feito. Esperar que tudo se resolva no judiciário ou no parlamento é deixar caminho aberto para o avanço do projeto autoritário.

domingo, 11 de julho de 2021

Lula deve ir às manifestações

O maior líder da oposição não pode mais continuar fora das manifestações contra o governo. A liderança do ex-presidente não pode continuar sendo reduzida a uma mera intenção de voto. Tem que ser efetiva nas ruas, onde a classe trabalhadora se mobiliza para expressar o seu repúdio ao governo. Lula não é apenas candidato, é líder. A oposição de direita quer mantê-lo escondido, para evitar que se consolide e cresça o seu já amplo favoritismo eleitoral. Mas a eleição é só ano que vem e hoje há uma luta sendo travada na qual o ex-presidente tem um importante papel a desempenhar. Lula deve ir ao próximo protesto, em 24 de julho, e assumir definitivamente a liderança da mobilização nacional contra o governo Bolsonaro. Essa mobilização precisa de um impulso maior para alcançar seus objetivos e a liderança do ex-presidente certamente dará esse impulso. Não apenas por ele se opor ao governo mas principalmente por ele representar, para milhões de brasileiros, a esperança de dias melhores. #LULAno24J

Hostilidade como forma de pressão e denúncia

É mais do que justo e compreensível que se impeça o desfile de bandeiras de um partido contrário à causa defendida por uma manifestação. E foi exatamente isso que o PCO fez. Impediu o desfile das bandeiras do PSDB. É mentira que tenham expulsado os tucanos, os vídeos mostram que eles perderam as bandeiras mas continuaram lá e não foram mais incomodados.

A esquerda deve buscar a unidade com quem quer o impeachment, não com quem não quer. O PSDB não quer o impeachment. E o PSDB não vai mudar de posição se não sentir o ônus de apoiar o governo. Se continuar tendo vida mansa nas ruas, sendo bem recebido por onde passa não vai nem pensar em sair da posição confortável em que está. Tem que sentir a rejeição nas ruas e ver que o apoio ao Bolsonaro lhe custa caro. Se continuar barato, não vai votar a favor do impeachment nunca.

O que a esquerda tem que fazer é jogar luz sobre o tabuleiro do jogo político para que a opinião pública entenda os movimentos de cada peça e se manifeste aprovando ou desaprovando o que vê. Nós não podemos ajudar o bolsonarismo liberal a se esconder, apoiar o Bolsonaro e fingir que não apoia. Nós não podemos deixar que eles protejam Bolsonaro impunemente e enganem o povo dessa forma. Deixar os partidos da direita, como o PSDB, livres de pressão das ruas não é uma boa estratégia para alcançar o impeachment.

Sem pressão das ruas sobre os partidos que são contra o impeachment, como o PSDB, o impeachment não vai acontecer. E como é que as ruas pressionam um partido político? Hostilizando e rejeitando os seus representantes e símbolos, não existe outra forma.

A rejeição da esquerda às bandeiras do PSDB em suas manifestações é uma forma de pressão mas também uma forma de denúncia. Porque chama a atenção para o fato de o PSDB ser contra o impeachment. É um sinal que se dá para que o povo entenda de maneira inequívoca que o PSDB é aliado do Bolsonaro e não oposição a ele, como os posicionamentos do Dória e do Eduardo Leite sugerem. Isso contribui para aumentar a pressão da opinião pública sobre o partido.

Esses governadores têm atritos com Bolsonaro mas o PSDB, partido deles, compõe com outros partidos da direita uma barreira de proteção ao presidente, que só poderá ser rompida se os partidos começarem a receber uma conta alta da sociedade pela posição que assumem. Por enquanto, o apoio ao Bolsonaro ainda está saindo muito barato pros partidos da direita. E enquanto estiver barato eles não mudam de posição, não abandonam Bolsonaro e não votam a favor do impeachment.

O povo, os militares e a democracia

 O POVO, OS MILITARES E A DEMOCRACIA - Os militares são regiamente remunerados pelo povo, mas apontam para o povo as armas que o próprio povo compra. Não defendem a soberania nacional, como deviam, e ainda atuam em sua própria terra como exército de ocupação em território inimigo. São o poder de fato no país, por terem armas e serem organizados, que se impõe ao poder de direito dos governos, parlamentos e tribunais de justiça. Fazem o mesmo as polícias em cada estado. A despeito do que determina a lei, os governadores não têm sobre elas o menor comando, morrem de medo de motins e atentados. 

Enquanto o povo não for capaz de impor-se como poder de fato às Forças Armadas e às polícias, como força organizada, também armada, os militares vão continuar exercendo indevidamente tutela sobre a sociedade, desfrutando de indecentes privilégios e cometendo impunemente crimes de toda ordem. A esquerda brasileira precisa enfrentar esse problema urgentemente. Mas não achará solução para ele se não compreender a diferença entre poder de direito e poder de fato. 

Por não compreender essa diferença é que muitos consideram o Brasil uma democracia. No Brasil não há democracia. Porque democracia é o regime político em que o povo tem poder de fato e não apenas de direito. Poder de verdade é o poder de fato. Sem poder de fato, o poder de direito só se impõe a quem o reconhece e voluntariamente acata à sua autoridade. Quem não reconhece, é-lhe indiferente e até o afronta, como fazem os militares no Brasil com o poder de direito civil.

sábado, 10 de julho de 2021

PCO acertou ou errou quando impediu o desfile de bandeiras do PSDB na manifestação de 3 de julho?

Ouvi de um companheiro do PT que a resposta a essa pergunta dependeria do objetivo principal que cada um atribui às manifestações. Segundo ele, quem acha que o objetivo principal das manifestações é derrubar Bolsonaro só pode discordar do PCO; enquanto quem concorda com o PCO só pode ser por achar que o objetivo principal das manifestações é mostrar a força da esquerda. Eu discordo disso e disse a ele o seguinte. 

"Se o objetivo é derrubar Bolsonaro e o PSDB não quer derrubar Bolsonaro, muito pelo contrário, opõe-se ao impeachment e vota tudo a favor do governo, é evidente que a posição do PCO estava certa. Uma bandeira do PSDB numa manifestação contra Bolsonaro é tão inadmissível quanto seria uma bandeira do PDS, partido da ditadura, no comício das Diretas Já. Não havia bandeira do PDS no comício das Diretas porque o PDS era o partido do governo dos generais e não deve haver bandeira do PSDB nas manifestações contra Bolsonaro porque o PSDB apoia o governo Bolsonaro, contra o qual lutamos. 

O companheiro estava certo em considerar que o julgamento da ação do PCO é o julgamento da eficácia dessa ação para alcançar um objetivo determinado. Cada um realmente julga conforme o objetivo que tem em mente. Mas isso não significa que todos os que atribuem um mesmo objetivo para as manifestações vão julgar a ação do PCO da mesma forma. Por que? Porque variam as expectativas de sucesso para cada meio imaginado. Por isso, quando ele insistiu que "as opiniões estão relacionadas com o entendimento sobre o objetivo principal das manifestações" eu lhe respondi "tem razão, companheiro", "se o objetivo principal fosse defender Bolsonaro, o PCO estaria errado".

Aparentemente sem ter entendido o que eu pretendia dizer, um outro companheiro entrou na conversa acusando o PCO de sectário. Defino o sectarismo como uma intolerância política cega, sem senso de conveniência ou, como muitos preferem, sem pragmatismo. Disse o companheiro: "O PT começou politicamente sectário, mas a experiência o fez amadurecer. Daí surgiu o Psol de sua costela esquerda. Frequentou o jardim de infância por bom tempo, mas também amadureceu. Seu antigo lugar no jardim de infância da luta político-ideológica é agora ocupado pelo PCO".

Discordando, eu lhe disse:

"Seria sectarismo se o PSDB estivesse na oposição ao Bolsonaro e defendesse o seu impeachment. Só que o PSDB é governo e é contra o impeachment. Portanto não há sectarismo nenhum e sim pressão sobre um partido contrário ao impeachment para que mude de posição. Eu já postei um texto explicando isso, talvez você não tenha lido, por isso reproduzo-o aqui pra registrar neste debate aberto pelo companheiro X.

O tucano dissidente é bem vindo nas manifestações. A bandeira do partido dele é que não. Porque o PSDB é da base do governo, é contra o impeachment e continuará sendo se não se sentir pressionado pelo povo na rua.

Mas o povo na rua só poderá pressionar os parlamentares tucanos a votarem pelo impeachment se souber que eles são contra o impeachment. E como é que vai saber se vê bandeiras do PSDB nas manifestações contra o governo? O que é que a presença dessas bandeiras nos atos indica? Que o PSDB é a favor do impeachment, o que não é verdade.

Aí os caras ficam livres da pressão, não são cobrados por ninguém, desfrutam das vantagens de ser oposição hoje, quando não são, não arcam com o ônus de apoiar um governo impopular, passam por democratas quando não são e, o pior de tudo, o impeachment não sai, porque eles nunca vão dar voto para aprovar.

Nós não podemos deixar que eles protejam Bolsonaro impunemente e enganem o povo dessa forma. As lideranças da Frente Fora Bolsorano precisam refletir melhor sobre isso. Porque deixar os partidos da direita, como o PSDB, livres de pressão das ruas não é uma boa estratégia para alcançar o impeachment. E daqui a pouco até nazista vai estar levando a sua bandeira na maior cara de pau. E nós vamos aceitar?"

A partir daí seguiu-se uma discussão que mostra como é equivocado o julgamento que muitos na esquerda, especialmente lideranças, estão fazendo da ação do PCO no 3 de Julho. Disse o companheiro:

"Na realidade não é sendo seletivo mas ampliando a frente de massas que vamos poder pressionar de fato Lira e os deputados da direita que se opõem a Bolsonaro".

Eu respondi:

"O PSDB não vai mudar de posição se não sentir o ônus de apoiar o governo. Se continuar tendo vida mansa nas ruas, sendo bem recebido por onde passa não vai nem pensar em sair da posição confortável em que está. Tem que sentir a rejeição nas ruas e ver que o apoio ao Bolsonaro lhe custa caro. Se continuar barato, não vão votar a favor do impeachment nunca".

Ele disse:

"o desgaste de expulsar uma força da manifestação é muito maior do que a aposta, a meu ver furada, de com isso obrigá-lo a uma posição mais definida, ou menos em cima do muro, que é o seu DNA partidário. Acho até que a participação de uma parte dos tucanos já representa a explicitação dessa contradição. Por isso talvez seja mais proveitoso para a luta geral não bancar a atitude intolerante, e deixar esse comportamento para quem de direito: Bolsonaro".

Eu retruquei:

"Mas não há contradição nenhuma, o grupo que foi, pelo que eu soube, era LGBT, e tinha umas 40 pessoas apenas. O PSDB não está dividido e não está em cima do muro. Ele é completamente governo. Votou a favor do Bolsonaro em 87% das votações da Câmara e 89% das votações do Senado. E é contra o impeachment! Quer mais governismo do que isso? Agora então com a privatização dos Correios, aí é que os caras vão defender o Bolsonaro mesmo até o fim. 

O PSDB tem atitude intolerante ao impeachment e é essa intolerância que nós temos que condenar e não fazer coro com esse discurso hipócrita que a imprensa da direita sempre faz pra tentar desgastar a esquerda na opinião pública. Nós temos que disputar a opinião pública e não fazer o que a direita quer pra ter a aprovação dos seus jornais. Ninguém foi expulso da manifestação, apenas impediu-se o desfile de bandeiras de um partido contrário à causa defendida. É mais do que justo e mais do que compreensível pra qualquer pessoa, desde que se conte a história como ela foi e não como a imprensa da direita conta".

E continuei:

"A esquerda deve buscar a unidade com quem quer o impeachment, não com quem não quer. A sociedade já quer o impeachment, a maioria até já quer a volta do PT com Lula, como as pesquisas demonstram. Portanto essa é uma preocupação que nós não precisamos ter, a tendência da sociedade hoje é vir pra esquerda. A rejeição ao Bolsonaro já é enorme e continua crescendo enquanto a rejeição ao Lula é a menor dentre todos os candidatos, ele é amplamente favorito e continua crescendo nas pesquisas. O que a esquerda tem que fazer é jogar luz sobre o tabuleiro do jogo para que a opinião pública entenda os movimentos de cada peça e se manifeste aprovando ou desaprovando o que vê. Nós não podemos ajudar o bolsonarismo liberal a se esconder, apoiar o Bolsonaro e fingir que não apoia".

A resposta do companheiro mostrou um certo alheamento da realidade. Ele disse:

"Essa sua certeza, que está mais para desejo, é onde mora a nossa divergência. Mas sigamos... até porque a posição do PT é mais aberta nessa questão. Ainda bem. Já pensou se todos nós pensássemos como o PCO? Bolsonaro não apenas se reelegeria como ainda iria eleger o seu sucessor em 2026...rs"

Dei um pouco de realidade a ele. Perguntei "você não vê as pesquisas que tem sido divulgadas? Você diverge delas?"

E continuei:

"Quanto à posição do PT, é menos aberta do que você imagina. Pelo que sei, em São Paulo o PT impediu que representantes do PSDB falassem no carro de som. Na política as coisas mudam, companheiro. Quem diria que algum dia veríamos um âncora do Jornal Nacional dizendo 'viva o SUS'. Pois isso aconteceu, pode acreditar. A maior parte da sociedade quer o que a esquerda defende. Nós não precisamos ter vergonha de defender o que defendemos porque o povo quer o mesmo. Ainda mais agora depois da experiência que teve com os governos da direita na pandemia."

Ele disse "ok" e a discussão morreu.

O primeiro companheiro retornou dizendo "a discussão foi boa, exemplificou e esclareceu bastante o que falei acima."

E eu disse a ele:

"Parece que você não entendeu. Nessa discussão todos temos a derrubada do governo Bolsonaro como objetivo principal. A diferença está no modo como cada um acha que esse objetivo pode ser alcançado. Para mim, sem pressão das ruas sobre os partidos que são contra o impeachment, como o PSDB, o impeachment não vai acontecer. E como é que as ruas pressionam um partido político? Hostilizando e rejeitando os seus representantes e símbolos, não existe outra forma.

A rejeição às bandeiras do PSDB não tem como objetivo mostrar a força da esquerda, tem como objetivo mostrar ao povo que a esquerda quer o impeachment e o PSDB não quer. É um sinal que se dá para que o povo entenda de maneira inequívoca que o PSDB é aliado do Bolsonaro e não oposição a ele, como os posicionamentos do Dória e do Eduardo Leite sugerem.

Esses governadores têm atritos com Bolsonaro mas o PSDB, partido deles, compõe com outros partidos da direita uma barreira de proteção ao presidente, que só poderá ser rompida se os partidos começarem a receber uma conta alta da sociedade pela posição que assumem. Por enquanto, o apoio ao Bolsonaro ainda está saindo muito barato pros partidos da direita. E enquanto estiver barato eles não mudam de posição, não abandonam Bolsonaro e não votam a favor do impeachment".

Mostrando que não entendeu, ele disse:

"Você fala de um objetivo para as manifestações e defende outro. As esquerdas sozinhas não derrubam Bolsonaro. Todos nós gostaríamos que fosse diferente. Que as esquerdas tivessem muito mais força do que têm, hoje. Mas a realidade é outra. E temos que trabalhar com a realidade, se quisermos ter sucesso.

As manifestações não são e não podem ser apenas de militantes e simpatizantes das esquerdas, mas devem conter todas as forças democráticas para conseguirmos alcançar nossos objetivos. Da mesma forma que todo o restante da luta política no congresso, na imprensa e na sociedade civil, que tenha como objetivo afastar o fascismo. 

Por melhor que sejam as nossas intenções, uma ação diferente disso seria, como classificou Lênin, infantil. A esquerda está liderando o processo nas ruas e vai continuar assim. Mas afastar qualquer ajuda, neste momento e - principalmente - agredir manifestantes, é um passo para o fracasso. Agredir manifestantes é gerar medo na população. Principalmente na população de classe média, que se dispõe a aderir". 

Ele continuou sem entender e eu fiz uma última tentativa. Disse:

"É você quem não está vendo a realidade. Eles não estão do nosso lado, companheiro, são contra o impeachment. E a presença das bandeiras deles nas manifestações só vai servir para ajudá-los a enganar o povo, dando a impressão de que estão contra o governo. Se eles sentirem rejeição nas ruas, podem até pensar em mudar de posição e votar a favor do impeachment. Se não sentirem rejeição, se continuarem com a percepção de que o apoio ao governo não lhes traz nenhum ônus, eles nunca vão votar a favor do impeachment.


Eu sugiro que você procure notícias sobre o superpedido de impeachment que foi feito e veja a lista de partidos e entidades que assinaram. Ali você vai ver quem realmente está do nosso lado na luta pra derrubar o Bolsonaro. Curiosamente o PCO está, mas disse que botaram o nome do partido indevidamente. A justificativa que eles deram não me convenceu e, aí sim, eu vi sectarismo. Mas eles querem o fim do governo, disso não há a menor dúvida.


Quanto aos demais partidos que não assinaram o superpedido, como o PSDB, esses todos são da base de apoio ao Bolsonaro e formam a sua linha de defesa parlamentar. Esses partidos só votam a favor do impeachment se forem forçados, ou seja, se sentirem a pressão das ruas. E como as ruas pressionam um partido político? Como eu já disse, hostilizando e rejeitando os seus representantes e símbolos, não existe outra forma.

Você diz que isso assusta e afasta as pessoas da manifestação. E eu digo não, se as pessoas entenderem o porque de se agir dessa forma. É mais do que justo e compreensível pra qualquer pessoa, que se impeça o desfile de bandeiras de um partido contrário à causa defendida por uma manifestação. E foi exatamente isso que o PCO fez. Impediu o desfile das bandeiras do PSDB. É mentira que tenham expulsado os tucanos, os vídeos mostram que eles perderam as bandeiras mas continuaram lá e não foram mais incomodados.

Você tem razão numa coisa: "As esquerdas sozinhas não derrubam Bolsonaro". Mas você se engana ao achar que a ajuda vai vir voluntariamente da direita. Como eu já disse, eles são contra e só vão mudar de posição se forem forçados. Forçados pela esquerda? Não, forçados pelo povo na rua. Olhe para as pesquisas e veja o tamanho da desaprovação popular ao Bolsonaro e o tamanho da intenção de voto no Lula. O povo não quer mais Bolsonaro, mas também não quer nenhum dos candidatos da direita. O povo quer Lula, portanto, o povo quer a esquerda. Essa é a realidade, companheiro, que você está ignorando. Não é a direita que vai ajudar a esquerda a derrubar Bolsonaro. Quem vai ajudar é o povo na rua, obrigando a direita a abandonar o presidente. Pense nisso".

sexta-feira, 9 de julho de 2021

As forças cagadas não querem limpeza

O Exército Brasileiro matou mais brasileiros na pandemia do que paraguaios na Guerra do Paraguai. Lá foram cerca de 300 mil. Aqui já é mais de meio milhão. Lá usaram armas brancas e de fogo. Aqui, retardaram a vacinação do seu próprio povo, porque durante meses só compravam de quem desse propina. E agora que se veem acuados pelas investigações dos seus crimes, levantam suas vozes, insolentes, para ameaçar a sociedade indignada, numa tentativa vã de intimidá-la e intimidar quem investiga. Atitude típica de bandidos quando prestes a ser desmascarados. 

Pois o povo brasileiro não vai abaixar a cabeça para ameaça de bandido fardado. Como se não bastassem os imorais privilégios que gozam, os militares brasileiros hoje disputam com os políticos mais corruptos quem rouba mais dos cofres públicos. Eles, que tinham fama de probos e competentes, entraram em peso no governo Bolsonaro e foram postos à prova. Nunca houve tantos militares ocupando cargos civis num governo como agora - nem na ditadura eram tantos - e no entanto esse governo excede todos os demais em corrupção e incompetência e em desapreço pela lei, pelo país e por seu povo. 

Falsos moralistas, falsos legalistas e falsos patriotas, os militares converteram exército, marinha e aeronáutica em braços armados de uma quadrilha que se locupleta, desviando dinheiro público, até mesmo da saúde. Os militares, que tinham a confiança e o respeito do povo, decepcionaram. A decepção é tamanha que já se diz jocosamente das forças armadas que são forças cagadas. E é bem apropriado que assim sejam chamadas porque, assim como o presidente, só fizeram merda nesse governo. Bolsonaro disse que cagou para a CPI e muita gente ficou chocada. Mas afinal o que fez Bolsonaro na vida além de cagadas? A única novidade é que agora ele tem a companhia dos militares, as forças armadas cagam com ele.