Ouvi de um companheiro do PT que a resposta a essa pergunta dependeria do objetivo principal que cada um atribui às manifestações. Segundo ele, quem acha que o objetivo principal das manifestações é derrubar Bolsonaro só pode discordar do PCO; enquanto quem concorda com o PCO só pode ser por achar que o objetivo principal das manifestações é mostrar a força da esquerda. Eu discordo disso e disse a ele o seguinte.
"Se o objetivo é derrubar Bolsonaro e o PSDB não quer derrubar Bolsonaro, muito pelo contrário, opõe-se ao impeachment e vota tudo a favor do governo, é evidente que a posição do PCO estava certa. Uma bandeira do PSDB numa manifestação contra Bolsonaro é tão inadmissível quanto seria uma bandeira do PDS, partido da ditadura, no comício das Diretas Já. Não havia bandeira do PDS no comício das Diretas porque o PDS era o partido do governo dos generais e não deve haver bandeira do PSDB nas manifestações contra Bolsonaro porque o PSDB apoia o governo Bolsonaro, contra o qual lutamos.
O companheiro estava certo em considerar que o julgamento da ação do PCO é o julgamento da eficácia dessa ação para alcançar um objetivo determinado. Cada um realmente julga conforme o objetivo que tem em mente. Mas isso não significa que todos os que atribuem um mesmo objetivo para as manifestações vão julgar a ação do PCO da mesma forma. Por que? Porque variam as expectativas de sucesso para cada meio imaginado. Por isso, quando ele insistiu que "as opiniões estão relacionadas com o entendimento sobre o objetivo principal das manifestações" eu lhe respondi "tem razão, companheiro", "se o objetivo principal fosse defender Bolsonaro, o PCO estaria errado".
Aparentemente sem ter entendido o que eu pretendia dizer, um outro companheiro entrou na conversa acusando o PCO de sectário. Defino o sectarismo como uma intolerância política cega, sem senso de conveniência ou, como muitos preferem, sem pragmatismo. Disse o companheiro: "O PT começou politicamente sectário, mas a experiência o fez amadurecer. Daí surgiu o Psol de sua costela esquerda. Frequentou o jardim de infância por bom tempo, mas também amadureceu. Seu antigo lugar no jardim de infância da luta político-ideológica é agora ocupado pelo PCO".
Discordando, eu lhe disse:
"Seria sectarismo se o PSDB estivesse na oposição ao Bolsonaro e defendesse o seu impeachment. Só que o PSDB é governo e é contra o impeachment. Portanto não há sectarismo nenhum e sim pressão sobre um partido contrário ao impeachment para que mude de posição. Eu já postei um texto explicando isso, talvez você não tenha lido, por isso reproduzo-o aqui pra registrar neste debate aberto pelo companheiro X.
O tucano dissidente é bem vindo nas manifestações. A bandeira do partido dele é que não. Porque o PSDB é da base do governo, é contra o impeachment e continuará sendo se não se sentir pressionado pelo povo na rua.
Mas o povo na rua só poderá pressionar os parlamentares tucanos a votarem pelo impeachment se souber que eles são contra o impeachment. E como é que vai saber se vê bandeiras do PSDB nas manifestações contra o governo? O que é que a presença dessas bandeiras nos atos indica? Que o PSDB é a favor do impeachment, o que não é verdade.
Aí os caras ficam livres da pressão, não são cobrados por ninguém, desfrutam das vantagens de ser oposição hoje, quando não são, não arcam com o ônus de apoiar um governo impopular, passam por democratas quando não são e, o pior de tudo, o impeachment não sai, porque eles nunca vão dar voto para aprovar.
Nós não podemos deixar que eles protejam Bolsonaro impunemente e enganem o povo dessa forma. As lideranças da Frente Fora Bolsorano precisam refletir melhor sobre isso. Porque deixar os partidos da direita, como o PSDB, livres de pressão das ruas não é uma boa estratégia para alcançar o impeachment. E daqui a pouco até nazista vai estar levando a sua bandeira na maior cara de pau. E nós vamos aceitar?"
A partir daí seguiu-se uma discussão que mostra como é equivocado o julgamento que muitos na esquerda, especialmente lideranças, estão fazendo da ação do PCO no 3 de Julho. Disse o companheiro:
"Na realidade não é sendo seletivo mas ampliando a frente de massas que vamos poder pressionar de fato Lira e os deputados da direita que se opõem a Bolsonaro".
Eu respondi:
"O PSDB não vai mudar de posição se não sentir o ônus de apoiar o governo. Se continuar tendo vida mansa nas ruas, sendo bem recebido por onde passa não vai nem pensar em sair da posição confortável em que está. Tem que sentir a rejeição nas ruas e ver que o apoio ao Bolsonaro lhe custa caro. Se continuar barato, não vão votar a favor do impeachment nunca".
Ele disse:
"o desgaste de expulsar uma força da manifestação é muito maior do que a aposta, a meu ver furada, de com isso obrigá-lo a uma posição mais definida, ou menos em cima do muro, que é o seu DNA partidário. Acho até que a participação de uma parte dos tucanos já representa a explicitação dessa contradição. Por isso talvez seja mais proveitoso para a luta geral não bancar a atitude intolerante, e deixar esse comportamento para quem de direito: Bolsonaro".
Eu retruquei:
"Mas não há contradição nenhuma, o grupo que foi, pelo que eu soube, era LGBT, e tinha umas 40 pessoas apenas. O PSDB não está dividido e não está em cima do muro. Ele é completamente governo. Votou a favor do Bolsonaro em 87% das votações da Câmara e 89% das votações do Senado. E é contra o impeachment! Quer mais governismo do que isso? Agora então com a privatização dos Correios, aí é que os caras vão defender o Bolsonaro mesmo até o fim.
O PSDB tem atitude intolerante ao impeachment e é essa intolerância que nós temos que condenar e não fazer coro com esse discurso hipócrita que a imprensa da direita sempre faz pra tentar desgastar a esquerda na opinião pública. Nós temos que disputar a opinião pública e não fazer o que a direita quer pra ter a aprovação dos seus jornais. Ninguém foi expulso da manifestação, apenas impediu-se o desfile de bandeiras de um partido contrário à causa defendida. É mais do que justo e mais do que compreensível pra qualquer pessoa, desde que se conte a história como ela foi e não como a imprensa da direita conta".
E continuei:
"A esquerda deve buscar a unidade com quem quer o impeachment, não com quem não quer. A sociedade já quer o impeachment, a maioria até já quer a volta do PT com Lula, como as pesquisas demonstram. Portanto essa é uma preocupação que nós não precisamos ter, a tendência da sociedade hoje é vir pra esquerda. A rejeição ao Bolsonaro já é enorme e continua crescendo enquanto a rejeição ao Lula é a menor dentre todos os candidatos, ele é amplamente favorito e continua crescendo nas pesquisas. O que a esquerda tem que fazer é jogar luz sobre o tabuleiro do jogo para que a opinião pública entenda os movimentos de cada peça e se manifeste aprovando ou desaprovando o que vê. Nós não podemos ajudar o bolsonarismo liberal a se esconder, apoiar o Bolsonaro e fingir que não apoia".
A resposta do companheiro mostrou um certo alheamento da realidade. Ele disse:
"Essa sua certeza, que está mais para desejo, é onde mora a nossa divergência. Mas sigamos... até porque a posição do PT é mais aberta nessa questão. Ainda bem. Já pensou se todos nós pensássemos como o PCO? Bolsonaro não apenas se reelegeria como ainda iria eleger o seu sucessor em 2026...rs"
Dei um pouco de realidade a ele. Perguntei "você não vê as pesquisas que tem sido divulgadas? Você diverge delas?"
E continuei:
"Quanto à posição do PT, é menos aberta do que você imagina. Pelo que sei, em São Paulo o PT impediu que representantes do PSDB falassem no carro de som. Na política as coisas mudam, companheiro. Quem diria que algum dia veríamos um âncora do Jornal Nacional dizendo 'viva o SUS'. Pois isso aconteceu, pode acreditar. A maior parte da sociedade quer o que a esquerda defende. Nós não precisamos ter vergonha de defender o que defendemos porque o povo quer o mesmo. Ainda mais agora depois da experiência que teve com os governos da direita na pandemia."
Ele disse "ok" e a discussão morreu.
O primeiro companheiro retornou dizendo "a discussão foi boa, exemplificou e esclareceu bastante o que falei acima."
E eu disse a ele:
"Parece que você não entendeu. Nessa discussão todos temos a derrubada do governo Bolsonaro como objetivo principal. A diferença está no modo como cada um acha que esse objetivo pode ser alcançado. Para mim, sem pressão das ruas sobre os partidos que são contra o impeachment, como o PSDB, o impeachment não vai acontecer. E como é que as ruas pressionam um partido político? Hostilizando e rejeitando os seus representantes e símbolos, não existe outra forma.
A rejeição às bandeiras do PSDB não tem como objetivo mostrar a força da esquerda, tem como objetivo mostrar ao povo que a esquerda quer o impeachment e o PSDB não quer. É um sinal que se dá para que o povo entenda de maneira inequívoca que o PSDB é aliado do Bolsonaro e não oposição a ele, como os posicionamentos do Dória e do Eduardo Leite sugerem.
Esses governadores têm atritos com Bolsonaro mas o PSDB, partido deles, compõe com outros partidos da direita uma barreira de proteção ao presidente, que só poderá ser rompida se os partidos começarem a receber uma conta alta da sociedade pela posição que assumem. Por enquanto, o apoio ao Bolsonaro ainda está saindo muito barato pros partidos da direita. E enquanto estiver barato eles não mudam de posição, não abandonam Bolsonaro e não votam a favor do impeachment".
Mostrando que não entendeu, ele disse:
"Você fala de um objetivo para as manifestações e defende outro. As esquerdas sozinhas não derrubam Bolsonaro. Todos nós gostaríamos que fosse diferente. Que as esquerdas tivessem muito mais força do que têm, hoje. Mas a realidade é outra. E temos que trabalhar com a realidade, se quisermos ter sucesso.
As manifestações não são e não podem ser apenas de militantes e simpatizantes das esquerdas, mas devem conter todas as forças democráticas para conseguirmos alcançar nossos objetivos. Da mesma forma que todo o restante da luta política no congresso, na imprensa e na sociedade civil, que tenha como objetivo afastar o fascismo.
Por melhor que sejam as nossas intenções, uma ação diferente disso seria, como classificou Lênin, infantil. A esquerda está liderando o processo nas ruas e vai continuar assim. Mas afastar qualquer ajuda, neste momento e - principalmente - agredir manifestantes, é um passo para o fracasso. Agredir manifestantes é gerar medo na população. Principalmente na população de classe média, que se dispõe a aderir".
Ele continuou sem entender e eu fiz uma última tentativa. Disse:
"É você quem não está vendo a realidade. Eles não estão do nosso lado, companheiro, são contra o impeachment. E a presença das bandeiras deles nas manifestações só vai servir para ajudá-los a enganar o povo, dando a impressão de que estão contra o governo. Se eles sentirem rejeição nas ruas, podem até pensar em mudar de posição e votar a favor do impeachment. Se não sentirem rejeição, se continuarem com a percepção de que o apoio ao governo não lhes traz nenhum ônus, eles nunca vão votar a favor do impeachment.
Eu sugiro que você procure notícias sobre o superpedido de impeachment que foi feito e veja a lista de partidos e entidades que assinaram. Ali você vai ver quem realmente está do nosso lado na luta pra derrubar o Bolsonaro. Curiosamente o PCO está, mas disse que botaram o nome do partido indevidamente. A justificativa que eles deram não me convenceu e, aí sim, eu vi sectarismo. Mas eles querem o fim do governo, disso não há a menor dúvida.
Quanto aos demais partidos que não assinaram o superpedido, como o PSDB, esses todos são da base de apoio ao Bolsonaro e formam a sua linha de defesa parlamentar. Esses partidos só votam a favor do impeachment se forem forçados, ou seja, se sentirem a pressão das ruas. E como as ruas pressionam um partido político? Como eu já disse, hostilizando e rejeitando os seus representantes e símbolos, não existe outra forma.
Você diz que isso assusta e afasta as pessoas da manifestação. E eu digo não, se as pessoas entenderem o porque de se agir dessa forma. É mais do que justo e compreensível pra qualquer pessoa, que se impeça o desfile de bandeiras de um partido contrário à causa defendida por uma manifestação. E foi exatamente isso que o PCO fez. Impediu o desfile das bandeiras do PSDB. É mentira que tenham expulsado os tucanos, os vídeos mostram que eles perderam as bandeiras mas continuaram lá e não foram mais incomodados.
Você tem razão numa coisa: "As esquerdas sozinhas não derrubam Bolsonaro". Mas você se engana ao achar que a ajuda vai vir voluntariamente da direita. Como eu já disse, eles são contra e só vão mudar de posição se forem forçados. Forçados pela esquerda? Não, forçados pelo povo na rua. Olhe para as pesquisas e veja o tamanho da desaprovação popular ao Bolsonaro e o tamanho da intenção de voto no Lula. O povo não quer mais Bolsonaro, mas também não quer nenhum dos candidatos da direita. O povo quer Lula, portanto, o povo quer a esquerda. Essa é a realidade, companheiro, que você está ignorando. Não é a direita que vai ajudar a esquerda a derrubar Bolsonaro. Quem vai ajudar é o povo na rua, obrigando a direita a abandonar o presidente. Pense nisso".
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