terça-feira, 15 de setembro de 2015

'Não represento o PT', disse Dilma, assim que reeleita. 'Dilma não me representa', deve dizer hoje o PT.

Dilma Rousseff não é uma tola manipulável que, politicamente fragilizada, cede às pressões do neoliberalismo. Eu até preferiria que fosse. Ainda seria possível contar com alguma predisposição sua à reversão do que tem feito, a partir de uma eventual contrapressão dos movimentos sociais.

Mas, não. Parece que ela acredita, mesmo, no que está fazendo. Acredita nesta política econômica que, deliberadamente, implementa, a partir de uma decisão exclusivamente sua, sem nenhuma consulta e à revelia de todas as manifestações contrárias do seu aturdido e acovardado partido.

Dilma, de fato, não representa o PT no governo que comanda. Sei que uma afirmação destas deve chocar e até revoltar muitos petistas e lulodilmistas. Pois é bom que todos saibam que foi ela mesma quem disse isto, com todas as letras, numa entrevista coletiva que deu, logo depois de reeleita. Reproduzo abaixo o trecho da reportagem da Folha que noticia a declaração.

"'Não represento o PT', diz Dilma.  (Folha, 6-11-2014)

A presidente Dilma Rousseff negou nesta quarta (5) apoiar a resolução de seu partido, o PT, que faz críticas duras ao candidato derrotado Aécio Neves (PSDB), prega um projeto de 'hegemonia' petista na sociedade e a regulação da mídia. 'Eu não represento o PT', disse. 
Dilma conversava com jornalistas de meios impressos no Palácio do Planalto na tarde desta quinta (6) e fazia a defesa do diálogo. 'Eu não estou propondo nenhum diálogo metafísico. Quero discutir propostas', afirmou Dilma quando a Folha a interpelou sobre a resolução petista, que tem tom beligerante.
'Eu não represento o PT. Eu represento a Presidência. A opinião do PT é a opinião do partido, não me influencia. Eu represento o país, não sou presidente do PT, sou presidente dos brasileiros', afirmou.
A resolução petista, aprovada pela Executiva Nacional do partido na segunda-feira (3), afirma que Aécio estimulou 'forças neoliberais' com nostalgia da ditadura militar, racismo e machismo. Para Dilma, é uma queixa partidária. 'É deles, é típico', afirmou, ressaltando que a oposição é acusada da mesma agressividade."
Notem com que desdém se refere, a presidenta, ao seu partido. E na terceira pessoa do plural. "É deles, é típico", diz, como quem realmente não se sente parte, não deva satisfações, nem tenha com o PT qualquer afinidade ou compromisso, embora filiada.

Mas, mais grave do que esta infidelidade declarada e realmente consumada de Dilma ao PT é a infidelidade do PT a si mesmo e à classe trabalhadora. Dir-se-á que apoia a política antipetista da presidenta para evitar um golpe de Estado.

Mas, em 23 de junho, em palestra para a Conferência Novos Caminhos da Democracia, promovida pelo seu instituto, Lula disse algo que sugere razões bem menos nobres. Aos dirigentes, parlamentares e à burocracia do PT, disse, em tom de advertência ou ultimato:
"Nós temos que definir se nós queremos salvar a nossa pele e os nossos cargos ou queremos salvar o nosso projeto."
Pois a verdade é que, de fato, o projeto do PT está sendo rapidamente empurrado para o ralo por Dilma, com a ajuda do próprio PT, e só uma interferência de Lula poderá evitar a sua completa e irreversível falência. Dilma não mudará. Quem tem que mudar é o PT em relação a ela. Não dá para continuar apoiando um governo que é a negação de tudo que o partido sempre defendeu, até mesmo durante a última campanha, através da candidata Dilma Rousseff.

A presidenta hoje está traindo os compromissos que, em nome do PT, assumiu com os trabalhadores e o PT não pode, de maneira nenhuma, admitir isto e ainda por cima fazer-se cúmplice da traição, consentindo e até endossando decisões do governo que são altamente lesivas aos interesses populares.

Se Dilma já disse e demonstra que não representa o PT, é hora de o PT deixar claro para a classe trabalhadora que não mudou de lado, como a presidenta, que Dilma não mais o representa, que ela age por conta própria, faz escolhas e toma decisões à revelia da vontade do partido; e que o PT é radicalmente contra a política econômica do governo, por ser ela austera com os pobres e com os ricos, pemissiva, uma política socialmente injusta e contrária a tudo que foi dito pela presidenta em sua campanha.

Ante à radical mudança de Dilma, o PT tem que se reposicionar na disputa política, ou será desonrosamente enterrado sob os escombros deste governo lamentável que ajudou a eleger. Manter-se como situação, dando suporte a uma gestão que é claramente antipopular, colocará o PT na condição de antagonista dos trabalhadores e o inviabilizará definitivamente como projeto de partido dirigente da luta pelo socialismo. Para sobreviver e cumprir sua missão o PT precisa mudar. E para mudar, precisa de uma nova direção.

Disse Lula na palestra de 23 de junho:
"Então, eu fico pensando se não tá na hora da gente fazer uma revolução nesse partido, uma revolução interna, e colocar gente nova, gente que pensa diferente, gente mais ousada, gente com mais coragem do que a gente."
Acredito que Lula queira mesmo salvar o projeto petista. Por isso tenho esperança que ele seja coerente com o que disse e use a enorme influência que tem no PT para conseguir a convocação imediata de um Encontro Nacional Extraordinário, para aprovar o rompimento com Dilma, a ida do PT para a oposição e a eleição de uma nova direção para o partido. Parece radical demais? Sim, é radical. Mas creio que na medida exigida pela gravidade da situação. O governo Dilma está perdido, não é mais nosso, não é do povo, é dos banqueiros. E a presidenta já disse e demonstrou que não tem o menor compromisso com o PT. Trata-se agora de salvar, como disse Lula, o projeto do partido, que vai muito além do atual governo, com mudanças rápidas e radicais no PT, que representem uma verdadeira revolução interna no partido. Mudanças que o capacitem para servir melhor às lutas dos trabalhadores e vencer os graves desafios da presente conjuntura, sem perder de vista o seu objetivo estratégico, que é o socialismo.

Concluo reproduzindo os parágrafos finais de um texto que publiquei em 6 de agosto, intitulado "A economia de Dilma e sua omissão política são o adubo que fertiliza a lavoura golpista", em que já previa a necessidade de uma ruptura do PT com Dilma, caso ela se mantivesse irredutível ante os apelos dos movimentos sociais por mudanças na sua política econômica. Pois, acredito que, infelizmente, chegamos a este ponto. O que não quer dizer que devamos consentir um golpe de Estado. Resistência deve haver, sim. Mas a verdade é que o PT, fragilizado como está, muito pouco pode fazer. A força necessária para resistir a um golpe, o PT só há de haurir reconciliando-se consigo mesmo e com a classe trabalhadora, mediante a superação da contradição radical que o partido tem vivido entre os seus compromissos históricos e o papel que ele tem desempenhado. E esta contradição só poderá ser superada se o PT romper com Dilma e for para a oposição. Não há outro jeito.

Seguem os parágrafos finais do texto "A economia de Dilma e sua omissão política são o adubo que fertiliza a lavoura golpista", de 6 de agosto.
"Só o fim da atual política econômica e a adoção de uma outra, que garanta a manutenção do emprego, a elevação dos salários e a integridade dos direitos dos trabalhadores, permitiria à presidenta Dilma reconquistar a confiança dos seus eleitores e recompor a sua base de apoio na sociedade, elevando a expectativa do custo e do risco de uma investida golpista contra o seu mandato.
Se além desta radical correção de rota na economia, Dilma resolver assumir um protagonismo na cena política que até hoje não teve, cumprindo a função que lhe cabe, como presidenta da república, de liderar as forças sociais e políticas que a elegeram, na luta por mais democracia e igualdade, no Estado e na sociedade, aí sim, vai ser difícil até pensar em golpe, porque a capacidade de resistência democrática será grande, o que elevará o custo econômico e político do processo, assim como o risco de insucesso.
Conclui-se, portanto, que o futuro do governo Dilma está nas mãos da própria presidenta. Já o PT não precisa e não deve depositar a sua sorte nas mãos desta sua filiada infiel. O partido nasceu para servir aos trabalhadores e só com os trabalhadores deve ter compromisso. Não pode e não deve se permitir embarcar num projeto que não é o seu e sim das forças que acabou de derrotar na eleição recente.
O governo Dilma passa, mas o PT tem que cuidar de manter sua integridade ideológica e preservar sua aliança histórica com os trabalhadores, sem perder de vista o seu objetivo estratégico, que é a construção, no Brasil, do socialismo democrático.
O PT realmente não pode obrigar Dilma a salvar o seu governo. Mas nem Dilma, nem nenhum outro petista tem o direito de exigir do PT que renuncie ao seu projeto e que decida morrer com a presidenta, num abraço de afogados."

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