Embora Dilma nada diga sobre a reforma ministerial que está preparando, tem-se noticiado que ela convidou a líder ruralista Kátia Abreu para a pasta da agricultura. E isso tem dado ensejo a que velhos e contumazes críticos esquerdistas se precipitem a condenar Dilma e acusá-la de traição aos seus eleitores. Um deles publicou ontem no Facebook:
"Vergonha Dilma, muita vergonha. Vergonha. Vergonha = Ministério da Agricultura."
E deu-me oportunidade de, movido pela indignação contra estas palavras injustas, expressar meu ponto de vista sobre o atual momento político.
Vergonha?
Assim respondi:
Vergonha é ignorar que este governo é um governo de coalizão, não um governo de esquerda, de uma só classe e de um só partido.
Vergonha é ignorar que a coalizão com setores do centro e da direita impõe-se pela razão muito simples de que a esquerda não tem base parlamentar para sustentar um governo de esquerda.
E digo mais. A esquerda não tem sequer base social capaz de sustentar hoje o governo Dilma, porque os partidos de esquerda de um modo geral têm agido como se abominassem a organização e a mobilização das massas, são radicais no discurso de cobrança ao governo, mas têm uma prática ultra-conservadora, que despreza por completo a disciplina militante e as ações partidárias organizativas.
O vigor das cobranças verbais precipitadas e irracionais vem de gente e de partidos que fingem não saber que no plano institucional a correlação de forças não favorece nem um pouco a um governo de esquerda; que a única forma desse governo não ser capturado pela direita é mudar a correlação de forças na sociedade; e que a única forma de mudar a correlação de forças na sociedade é investir na construção de partidos de esquerda que sejam indutores, organizadores e dirigentes de grandes mobilizações de trabalhadores. E isso não tem sido feito.
As cobranças a Dilma vêm de gente e de partidos que não movem uma palha sequer para ajudar a criar condições que realmente favoreçam à construção de uma base social de esquerda ampla, sólida, organizada e atuante que fortaleça a posição da esquerda dentro da coalizão governista e permita a Dilma governar menos limitada por uma correlação de forças, na institucionalidade, que é imensamente desfavorável à esquerda. Na Câmara Federal são 16,37% de deputados da esquerda contra 83,63% de deputados da direita e do centro. Isto sem falar na mídia e no Judiciário, inteiramente dominados pela direita.
A correlação de forças no Estado já está definida e aí a esquerda está em minoria. A disputa que tem que ser feita agora é na sociedade, nas ruas, na internet. É a disputa da opinião pública e a organização das massas para a realização de ações políticas de grande envergadura, que tenham forte impacto na sociedade e no Estado e sejam capazes de influenciar o processo político institucional. O governo Dilma precisa do apoio das ruas e esse apoio só pode ser construído por partidos de esquerda que sejam máquinas de organizar e mobilizar multidões. Estes partidos ainda estão por ser construídos.
Cobrar de Dilma que faça um governo de esquerda pura e classista, quando não há base de esquerda para sustentar este governo nem no Parlamento, nem no Judiciário, nem na mídia e nem na sociedade, é exigir o impossível e dar mostras de muito pouco discernimento político. Cobra-se que ela ignore as circunstâncias que cercam seu governo, que aja de forma irresponsável e voluntarista e que busque deliberadamente o fracasso e a derrota.
Nem Dilma, nem a esquerda que ajudou a elege-la e que sobre seu governo tem tantas expectativas, podem ignorar as circunstâncias do atual momento da luta de classes. E as circunstâncias hoje exigem o protagonismo das massas trabalhadoras nas ruas, organizadas e dirigidas por bem estruturados partidos de esquerda. É com a construção destes partidos que a esquerda deve se ocupar e não com críticas e cobranças à Dilma que a realidade política do país não justifica.
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Publicado em:
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