sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Lições de Maquiavel.

(Texto que postei no Orkut em julho de 2008. Revisado hoje, 12/08/2016)

Diz Maquiavel em sua obra clássica "O príncipe" que ...
“... as armas com as quais um príncipe defende o seu Estado, ou são suas próprias ou são mercenárias, ou auxiliares ou mistas.

As mercenárias e as auxiliares são inúteis e perigosas e se alguém tem o seu Estado apoiado nas tropas mercenárias, jamais estará firme e seguro, porque elas são desunidas, ambiciosas, indisciplinadas, infiéis; galhardas entre os amigos, vis entre os inimigos; não têm temor a Deus e não têm fé nos homens, e tanto se adia a ruína, quanto se transfere o assalto; na paz se é espoliado por elas, na guerra, pelos inimigos.

A razão disto é que elas não têm outro amor nem outra razão que as mantenha em campo, a não ser um pouco de soldo, o qual não é suficiente para fazer com que queiram morrer por ti. Querem muito ser teus soldados enquanto não estás em guerra, mas, quando esta surge, querem fugir ou ir embora.”
Sobre as tropas auxiliares, diz Maquiavel ...
“... que são as outras forças inúteis, são aquelas que se apresentam quando chamas um poderoso para que, com seus exércitos, te venha ajudar e defender,(...) Estas tropas auxiliares podem ser úteis e boas para si mesmas, mas, para quem as chame, são quase sempre danosas, eis que perdendo ficas liquidado, vencendo ficas seu prisioneiro.”
E continua, Maquiavel:
“Um príncipe prudente, portanto, sempre tem fugido a essas tropas para voltar-se às suas próprias forças, preferindo perder com as suas a vencer com aquelas, eis que, em verdade, não representaria vitória aquela que fosse conquistada com as armas alheias. (...) 

Concluo, pois, que, sem ter armas próprias, nenhum principado está seguro; ao contrário, fica ele totalmente sujeito à sorte, não havendo virtude que o defenda na adversidade. (...) 

As forças próprias são aquelas que se constituem de súditos, de cidadãos ou de criaturas tuas; todas as outras são ou mercenárias ou auxiliares.”

O PT, suas forças próprias, mercenárias e auxiliares.


A forças próprias do Partido dos Trabalhadores são aquelas de onde ele surgiu e de onde vem cada vez mais se distanciando: os trabalhadores organizados em suas entidades e intervindo no processo político através de suas variadas formas de luta e manifestação. A burguesia sempre fez um imenso esforço para convencer a classe trabalhadora de que as eleições eram o único espaço para o exercício da cidadania. Pois, nós, do PT, nascidos da contestação a esta mentira, acabamos por engoli-la e, com nossa nova atitude, fazemos coro com a burguesia induzindo o povo a manter-se dócil e passivo na condição de mero espectador da democracia burguesa.

A opção por uma atuação exclusivamente institucional está matando o Partido dos Trabalhadores. Essa estratégia equivocada está na raiz dos seus maiores problemas na atualidade. A aliança com os movimentos sociais foi abandonada em detrimento da aliança com partidos burgueses, de direita, corruptos e fisiológicos, as tais forças mercenárias e auxiliares de que fala Maquiavel. Pois se rompemos com os movimentos sociais, que são nossas forças próprias, e entramos no jogo da política institucional inteiramente desarmados, acabamos reféns de uma situação em que, se não compramos o apoio da bandidagem, ficamos impossibilitados de vencer eleições, menos ainda, de governar. É assim que aparecem as alianças esdrúxulas, os escândalos de corrupção e esta imensa confusão ideológica e crise de identidade por que estamos passando.

O PT abre mão de investir nas mobilizações populares de onde poderia e deveria retirar a energia transformadora capaz de impulsionar o seu projeto e, ao invés disso, alia-se a forças que, historicamente, sempre se opuseram a este projeto. Confunde, com isto, o povo e a sua própria militância. Daí o quadro de evidente despolitização dentro do partido e na classe trabalhadora, que faz com que, ao invés de idéias, se discutam nomes de pessoas e partidos para as eleições, sem nenhuma clareza do que realmente representam. Porque, afinal, tudo acaba, mesmo, parecendo a mesma coisa.


Vitória eleitoral e vitória política.


Vitórias eleitorais nem sempre são vitórias políticas. Quando, para vencer uma eleição e governar sem sobressaltos, um partido abre mão do seu projeto original e passa a usar métodos que antes repudiava, o que se tem não é avanço, é retrocesso. Vitória política é avançar na realização de um programa de governo apoiando-se em forças próprias, sem fazer concessões que desfigurem este programa e a ética original do partido, admitindo o uso de expedientes antes considerados escusos, destes a que estão habituados os partidos tradicionais.

A direita e a burguesia terão sempre razão para comemorar toda vez que o PT admitir dividir com elas palanques e governos. Tudo o que elas querem é a diluição da imagem pública do partido de esquerda dos trabalhadores, que quer transformações na sociedade, na água suja e fétida em que se banham os partidos conservadores. Desaparecendo o marco divisório entre as ideologias e as classes no plano da representação política, tudo fica igual, todos são iguais, ninguém é de direita, ninguém é de esquerda, tudo é centro, “todos os gatos são pardos”. E quem sabe se isto não é só aparência, se não estamos, mesmo, cada vez mais parecidos com nossos antigos inimigos.

O PT erra ao permitir, com sua conduta, que os trabalhadores o vejam como apenas mais uma carta no baralho da democracia burguesa. A confusão que isto gera beneficia aos conservadores porque desarma politicamente a classe trabalhadora frente à burguesia. A maior parte da militância petista ainda não está se dando conta deste equívoco gravíssimo e segue, encantada pela limitada democracia sem povo na rua que se estabeleceu no país, como se a simples eleição de bons representantes fosse capaz de garantir as mudanças que todos nós desejamos.

Estamos nos iludindo e iludindo ao povo brasileiro. É preciso muito mais que bons parlamentares e bons governantes para derrotar o poder econômico do grande capital. Só a mobilização popular é capaz de vencer o poder econômico, e o poder popular se constrói nas ruas, não nos gabinetes. Ignorando tudo isso, a maioria dos petistas entrega-se, com sofreguidão, às eleições, fazendo delas o evento único para o exercício da cidadania, como quer, sempre quis, a burguesia. A maioria de nós, petistas, confunde vitória eleitoral com vitória política. Não percebe que, dependendo do preço que o PT tenha que pagar, em termos de concessões éticas e programáticas, qualquer vitória eleitoral pode representar, na verdade, uma espetacular e dificilmente reversível derrota política.

Silvio Melgarejo

Julho/2008

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.