terça-feira, 16 de agosto de 2016

Debate sobre o post "Por eleição, o povo já teria abortado a ditadura". (I)

Divulgado na lista de e-mails do 1º Diretório Zonal e no Facebook, o texto "Por eleição, o povo já teria abortado a ditadura", postado ontem neste blog, recebeu dois comentários no grupo da tendência petista Articulação de Esquerda, no Facebook. Registro aqui as respostas que lá publiquei.

O companheiro Beto Mafra disse:
[Pro]por eleição, com as esquerdas divididas e a base militante atônita por falta de direção, com os meios de comunicação homogeneamente funcionando como porta vozes dos golpistas, seria a vitória "legítima" do discurso das ratazanas movidas pelas forças fascistas dos púlpitos dos parasitas da fé. Não concordo com essa temeridade (com raiva do trocadilho embutido), que a solução "democrática" fosse solução onde as instituições de Estado foram tomadas por ratazanas. Deveriam ser tratadas como tal.
Eu lhe respondi:
Beto Mafra. Os problemas da esquerda que você cita já estavam presentes nas eleições de 2006, 2010 e 2014 e, no entanto, Lula e Dilma venceram. E o que garantiu a vitória da esquerda nestas eleições? A minha convicção é de que foi o confronto de programas de governo no debate público das campanhas. Nas campanhas presidenciais este debate sempre tem favorecido à esquerda, mesmo nos cenários mais adversos, pela razão evidente de que os programas de governo da esquerda respondem muito melhor às demandas e expectativas da classe trabalhadora dos que os programas da direita. 

A tendência natural, pelo conteúdo dos programas de governo, é a esquerda sempre levar vantagem sobre a direita no debate público programático que as campanhas impõem nas eleições presidenciais. Por isso é que direita foge deste debate, buscando abrigo em geral na pauta da corrupção. Mas, não consegue se esconder, porque o povo quer saber o que vai acontecer com  salário e emprego, como vão ser tratadas as questões da educação, da saúde, etc. E todos nós sabemos qual é o tratamento que estas questões têm nos programas de austeridade da direita. Por isso a direita precisa do golpe, para tomar o poder, sem precisar passar pelo debate público  sobre programas de governo, que as eleições impõem. 

Isto, que a maior parte da esquerda não enxerga, para mim parece óbvio. Mas, mesmo que não fosse, ainda se tem a confissão de uma das mais importantes lideranças golpistas. Em 26 de maio foram divulgados trechos das gravações feitas por Sérgio Machado para serem usadas na sua delação premiada. Numa das conversas gravadas, Romero Jucá conta a Machado como convenceu o PSDB a apoiar o golpe. O PSDB, até então, queria esperar o julgamento das contas de campanha da chapa Dilma-Temer, porque pensava em disputar, com Aécio, Serra ou Alckmin, a eleição que fosse convocada, caso as contas fossem reprovadas e a chapa impugnada. Jucá conta qual foi o argumento que usou para convencer os tucanos de que o melhor para os tucanos seria eles apoiarem o impeachment de Dilma e a posse de Michel Temer como presidente da república. Disse Jucá, na gravação divulgada pela imprensa:

Falar com o Tasso, na casa do Tasso. Eunício, o Tasso, o Aécio, o Serra, o Aloysio, o Cássio, o Ricardo Ferraço, que agora virou psdbista histórico. 
Aí, conversando lá, que é que a gente combinou? Nós temos que estar junto para dar uma saída pro Brasil (inaudível). E, se não estiver, eu disse lá, todo mundo, todos os políticos (inaudível), tão f***, entendeu?  

Porque (inaudível) disse: 'Não, TSE, se cassar...'. 

Eu disse: 'Aécio, deixa eu te falar uma coisa: se cassar e tiver outra eleição, nem Serra, nenhum político tradicional ganha essa eleição, não. (inaudível) Lula, Joaquim Barbosa... (inaudível) 

Porque na hora dos debates, vão perguntar: 'Você vai fazer reforma da previdência?' 

O que que que tu vai responder? Que vou! 

Tu acha que ganha eleição dizendo que vai reduzir aposentadoria das pessoas? 

Quem vai ganhar é quem fizer maior bravata. E depois, não governa, porque a bravata, vai ficar refém da bravata, nunca vai ter base partidária...' (inaudível) Esqueça!
No dia seguinte a esta conversa entre lideranças do PSDB e PMDB, o PSDB anunciou que "caminharia junto como PMDB" pela aprovação do impeachment. 
Olha, Beto Mafra, o que eu vejo é que a esquerda tem tanto medo de eleição quanto a direita. E se os dois lados têm medo, eu só posso deduzir que um tem razão e o outro tá vendo fantasma. Para mim, a direita tem razão para ter medo de eleição. O Romero Jucá disse tudo. Agora, a esquerda, não tem razão nenhuma, está com medo de encarar riscos que não existem.


***

Sobre o seguinte trecho do seu comentário:
Não concordo com essa temeridade(com raiva do trocadilho embutido), que a solução "democrática" fosse solução onde as instituições de Estado foram tomadas por ratazanas.
O equívoco, seu e dos demais opositores da proposta de antecipação da eleição, é considerar esta estratégia como uma solução institucional. Não é. A solução é a mobilização social que a proposta tem potencial para provocar. Veja o que eu digo no meu texto:
Desde abril, as pesquisas de opinião vinham indicando que a única bandeira com potencial para mobilizar a maioria da classe trabalhadora, permitindo a criação de uma barreira social de contenção contra o avanço do golpe, seria a bandeira da antecipação da eleição presidencial ou, pelo menos, da convocação de um plebiscito que dela tratasse.
A eleição poderia nem acontecer. Mas a mobilização social que a defesa da eleição tem potencial para provocar, por corresponder ao desejo da maioria dos trabalhadores, seria muito maior e mais eficaz para derrotar o golpe do que todas as manifestações convocadas até hoje, pautadas pela simples denúncia e repúdio ao golpe e defesa da democracia. 
A melhor estratégia para a esquerda será sempre a estratégia que mais tem potencial para mobilizar as massas para a defesa dos seus objetivos. Se o principal objetivo do golpe é a tomada do poder, derrotar o golpe é impedir a tomada do poder. E a melhor maneira de impedir a tomada do poder através deste golpe seria uma campanha de massas pela antecipação da eleição. 
Por isso, todos os agentes do golpe são contrários à antecipação da eleição, há várias declarações e editoriais de jornais da direita expressando esta posição, dizendo, inclusive, que a antecipação da eleição, sim, é que seria golpe. 
E o mais bizarro desta história toda é que a esquerda, por razões diferentes, mas com a mesma intensidade que a direita, se opõe à antecipação da eleição. E ninguém vê nada de estranho nisso. E aí eu me pergunto: onde é que essa rapaziada está com a cabeça?
Um abraço, companheiro.
***

O companheiro Eduardo Nunes Loureiro disse:
Posso estar redondamente enganado. Mas, como diz o Belchior, "eles venceram e o sinal está fechado para nós". Apesar de não sermos mais jovens (eu, ao menos, não sou), isso deve ser levado em consideração, até para que possamos elaborar estratégias para o próximo período.

Não adianta a gente ficar colocando a culpa na sintonia fina. O que ocorreu foi uma brutal ofensiva da direita, potencializada por erros grotescos nossos, como praticamente se divorciar da base que nos elegeu em 2014 com as medidas que dissemos que seriam utilizadas pelos inimigos - medidas estas que não arrefeceram os ânimos da direita e desmobilizaram aqueles que elegeram Dilma. 

Não ter chamado plebiscito, não ter feito acordo com o Congresso, não ter uma posição unificada etc. são mais consequências dos erros anteriores que sua causa. O momento é de autocrítica, contar os mortos, lamber as feridas e arregimentar forças para continuar lutando. Se a gente continuar dando murro em ponta de faca como tem sido feito desde o dia 17 de abril, as chances de continuarmos nos perdendo e nos desorientando são ainda maiores.
Minha resposta:
Eduardo Nunes Loureiro. Os erros que cometemos nos trouxeram à batalha do impeachment, mas não condicionaram as escolhas e decisões que tomamos nesta batalha, nem estabeleceram que o único desfecho possível desta batalha deveria ser a nossa derrota. Nós poderíamos ter vencido a batalha do impeachment, se ao longo dela tivéssemos feito as escolhas estratégicas certas. Erramos e persistimos no erro, apesar de o erro estar evidente, dando, como você disse, murro em ponta de faca desde o 17 de abril. Nem parecia que queríamos realmente derrotar o golpe. 

O balanço da guerra se faz a partir do balanço das batalhas e esta batalha do impeachment não é qualquer batalha, uma batalha à qual se possa atribuir peso desprezível no balanço da guerra contra a burguesia. O golpe arma ainda mais a burguesia e desarma a classe trabalhadora. Se tem sido brutal a ofensiva da direita contra o PT e o governo Dilma desde 2015, muito mais brutal ainda será a ofensiva que fará a partir de agora contra a classe trabalhadora e o conjunto da esquerda. Não é qualquer derrota que estamos sofrendo e exatamente por ser uma derrota importante é que exige um balanço sério e imediato, com vistas às próximas batalhas.

Minha avaliação, muito sucintamente, é que a esquerda sai derrotada deste processo golpista porque trocou o oportunismo pelo esquerdismo. E se não conseguir se livrar de uma coisa e de outra vai ser derrotada de novo, de novo e de novo. É isso.

Um abraço, companheiro.
Agradeço os comentários de Beto e Eduardo, que me deram oportunidade de esclarecer meu ponto de vista e avançar na minha reflexão.

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