sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Debate sobre o post "Por eleição, o povo já teria abortado a ditadura". (II)

O debate sobre meu texto "Por eleição, o povo já teria abortado a ditadura", que fazia no Facebook em 16 de agosto com o companheiro Beto Mafra, continuou naquele dia e aqui o registro.

Disse o companheiro Beto Mafra:
Vamos concordar numa coisa. QUALQUER solução futura terá de ser forçosamente com ampla e irrestrita participação popular, sob o comando da presidenta Dilma, a ÚNICA com legitimidade suficiente para dar base a uma iniciativa. por isso, para não perder esse foco, tenho me recusado a qualquer conjetura a respeito do "pós golpe". Em um estado de normalidade constitucional tudo é possível. Portanto, FORA TEMER e VOLTA DILMA, para não corrermos o risco de outro golpe dentro do golpe. Abraço.
Eu lhe respondi:
Não é solução futura, Beto Mafra. Aliás, não seria, porque agora já perdeu viabilidade. A campanha pela antecipação da eleição seria uma mobilização por algo que aconteceria depois do desfecho do processo de impeachment, mas que teria influencia imediata sobre a evolução do próprio processo. E como se daria esta influencia? Através da ampla e intensa mobilização popular que esta proposta tem potencial para provocar, como demonstram as pesquisas.

"A ampla e irrestrita participação popular", que você cita, não é condição para a solução, é a própria solução. Só que o "Fora Temer, Volta Dilma" e o discurso sobre a legitimidade não convencem a maioria da classe trabalhadora e não a empolgam a participação nenhuma. Não é possível que você e os demais até hoje não tenham se dado conta disso. O golpe só chegou onde está porque a resistência democrática foi e tem sido fraca. E a resistência democrática foi e tem sido fraca porque a esquerda escolheu uma estratégia que não mobiliza a maioria do povo.

Em um estado de ANORMALIDADE constitucional, como o que teremos depois que o golpe se consumar, muito menos poderá ser feito pela esquerda do que tem sido possível até agora, Beto Mafra. O que nós não fizemos até agora, muito dificilmente teremos condições de fazer depois, quando estivermos sob uma ditadura.

Pense bem, companheiro. Por que você acha que Globo, Estadão, Folha, Temer, Jucá, Alckmin e agora Gilmar Mendes, são tão contrários à antecipação da eleição presidencial e até mesmo ao plebiscito sobre ela? Você não acha estranho defender a mesma posição que eles, embora por razões diversas? Não te passa pela cabeça que eles podem estar certos e você errado?

Um abraço.
Beto Mafra disse:
O que tenho visto é que, por falta de direção das esquerdas, no tocante às prioridades, estamos todos batendo cabeça sem chances de um mínimo de consenso. seria, sim, essa chamada feita pela liderança do governo, o que seria um cavalo de pau nas pretensões golpistas do vice e seus asseclas. Prometo refletir mais a fundo e mudar minha postura, se eu me convencer. O problema maior tem sido "combinar com os russos" e implementar uma bandeira que seja aglutinadora e eficaz para efeito de mobilização. Mas... acho que o tempo até para isso nós perdemos por falta de iniciativa. Já penso em como fazer oposição à canalha bandida que usurpou nosso estado de direito.
Eu respondi:
Eu também. Mas, com os "russos" a gente não tem que combinar nada, tem é que dar combate. A gente tem combinar é com a classe trabalhadora, isso é o que faltou e tem faltado nessa história toda, a esquerda combinar com a classe.
Beto Mafra retrucou:
Rirrirri... "Combinar..." foi retórico, pelo descompasso. eles tiveram 13 anos para armar o bote enquanto a gente cantava as maravilhas do novo país que aparecia sob a direção democrática e popular sem a consequente vinculação aos novos atores emersos da miséria, bem como o aprofundamento de nossos vínculos históricos com a classe trabalhadora. Os "russos" citados são os beneficiados pelas nossas políticas que se uniram ao berreiro puxado pela mídia e pelo púlpito.

terça-feira, 16 de agosto de 2016

Debate sobre o post "Por eleição, o povo já teria abortado a ditadura". (I)

Divulgado na lista de e-mails do 1º Diretório Zonal e no Facebook, o texto "Por eleição, o povo já teria abortado a ditadura", postado ontem neste blog, recebeu dois comentários no grupo da tendência petista Articulação de Esquerda, no Facebook. Registro aqui as respostas que lá publiquei.

O companheiro Beto Mafra disse:
[Pro]por eleição, com as esquerdas divididas e a base militante atônita por falta de direção, com os meios de comunicação homogeneamente funcionando como porta vozes dos golpistas, seria a vitória "legítima" do discurso das ratazanas movidas pelas forças fascistas dos púlpitos dos parasitas da fé. Não concordo com essa temeridade (com raiva do trocadilho embutido), que a solução "democrática" fosse solução onde as instituições de Estado foram tomadas por ratazanas. Deveriam ser tratadas como tal.
Eu lhe respondi:
Beto Mafra. Os problemas da esquerda que você cita já estavam presentes nas eleições de 2006, 2010 e 2014 e, no entanto, Lula e Dilma venceram. E o que garantiu a vitória da esquerda nestas eleições? A minha convicção é de que foi o confronto de programas de governo no debate público das campanhas. Nas campanhas presidenciais este debate sempre tem favorecido à esquerda, mesmo nos cenários mais adversos, pela razão evidente de que os programas de governo da esquerda respondem muito melhor às demandas e expectativas da classe trabalhadora dos que os programas da direita. 

A tendência natural, pelo conteúdo dos programas de governo, é a esquerda sempre levar vantagem sobre a direita no debate público programático que as campanhas impõem nas eleições presidenciais. Por isso é que direita foge deste debate, buscando abrigo em geral na pauta da corrupção. Mas, não consegue se esconder, porque o povo quer saber o que vai acontecer com  salário e emprego, como vão ser tratadas as questões da educação, da saúde, etc. E todos nós sabemos qual é o tratamento que estas questões têm nos programas de austeridade da direita. Por isso a direita precisa do golpe, para tomar o poder, sem precisar passar pelo debate público  sobre programas de governo, que as eleições impõem. 

Isto, que a maior parte da esquerda não enxerga, para mim parece óbvio. Mas, mesmo que não fosse, ainda se tem a confissão de uma das mais importantes lideranças golpistas. Em 26 de maio foram divulgados trechos das gravações feitas por Sérgio Machado para serem usadas na sua delação premiada. Numa das conversas gravadas, Romero Jucá conta a Machado como convenceu o PSDB a apoiar o golpe. O PSDB, até então, queria esperar o julgamento das contas de campanha da chapa Dilma-Temer, porque pensava em disputar, com Aécio, Serra ou Alckmin, a eleição que fosse convocada, caso as contas fossem reprovadas e a chapa impugnada. Jucá conta qual foi o argumento que usou para convencer os tucanos de que o melhor para os tucanos seria eles apoiarem o impeachment de Dilma e a posse de Michel Temer como presidente da república. Disse Jucá, na gravação divulgada pela imprensa:

Falar com o Tasso, na casa do Tasso. Eunício, o Tasso, o Aécio, o Serra, o Aloysio, o Cássio, o Ricardo Ferraço, que agora virou psdbista histórico. 
Aí, conversando lá, que é que a gente combinou? Nós temos que estar junto para dar uma saída pro Brasil (inaudível). E, se não estiver, eu disse lá, todo mundo, todos os políticos (inaudível), tão f***, entendeu?  

Porque (inaudível) disse: 'Não, TSE, se cassar...'. 

Eu disse: 'Aécio, deixa eu te falar uma coisa: se cassar e tiver outra eleição, nem Serra, nenhum político tradicional ganha essa eleição, não. (inaudível) Lula, Joaquim Barbosa... (inaudível) 

Porque na hora dos debates, vão perguntar: 'Você vai fazer reforma da previdência?' 

O que que que tu vai responder? Que vou! 

Tu acha que ganha eleição dizendo que vai reduzir aposentadoria das pessoas? 

Quem vai ganhar é quem fizer maior bravata. E depois, não governa, porque a bravata, vai ficar refém da bravata, nunca vai ter base partidária...' (inaudível) Esqueça!
No dia seguinte a esta conversa entre lideranças do PSDB e PMDB, o PSDB anunciou que "caminharia junto como PMDB" pela aprovação do impeachment. 
Olha, Beto Mafra, o que eu vejo é que a esquerda tem tanto medo de eleição quanto a direita. E se os dois lados têm medo, eu só posso deduzir que um tem razão e o outro tá vendo fantasma. Para mim, a direita tem razão para ter medo de eleição. O Romero Jucá disse tudo. Agora, a esquerda, não tem razão nenhuma, está com medo de encarar riscos que não existem.


***

Sobre o seguinte trecho do seu comentário:
Não concordo com essa temeridade(com raiva do trocadilho embutido), que a solução "democrática" fosse solução onde as instituições de Estado foram tomadas por ratazanas.
O equívoco, seu e dos demais opositores da proposta de antecipação da eleição, é considerar esta estratégia como uma solução institucional. Não é. A solução é a mobilização social que a proposta tem potencial para provocar. Veja o que eu digo no meu texto:
Desde abril, as pesquisas de opinião vinham indicando que a única bandeira com potencial para mobilizar a maioria da classe trabalhadora, permitindo a criação de uma barreira social de contenção contra o avanço do golpe, seria a bandeira da antecipação da eleição presidencial ou, pelo menos, da convocação de um plebiscito que dela tratasse.
A eleição poderia nem acontecer. Mas a mobilização social que a defesa da eleição tem potencial para provocar, por corresponder ao desejo da maioria dos trabalhadores, seria muito maior e mais eficaz para derrotar o golpe do que todas as manifestações convocadas até hoje, pautadas pela simples denúncia e repúdio ao golpe e defesa da democracia. 
A melhor estratégia para a esquerda será sempre a estratégia que mais tem potencial para mobilizar as massas para a defesa dos seus objetivos. Se o principal objetivo do golpe é a tomada do poder, derrotar o golpe é impedir a tomada do poder. E a melhor maneira de impedir a tomada do poder através deste golpe seria uma campanha de massas pela antecipação da eleição. 
Por isso, todos os agentes do golpe são contrários à antecipação da eleição, há várias declarações e editoriais de jornais da direita expressando esta posição, dizendo, inclusive, que a antecipação da eleição, sim, é que seria golpe. 
E o mais bizarro desta história toda é que a esquerda, por razões diferentes, mas com a mesma intensidade que a direita, se opõe à antecipação da eleição. E ninguém vê nada de estranho nisso. E aí eu me pergunto: onde é que essa rapaziada está com a cabeça?
Um abraço, companheiro.
***

O companheiro Eduardo Nunes Loureiro disse:
Posso estar redondamente enganado. Mas, como diz o Belchior, "eles venceram e o sinal está fechado para nós". Apesar de não sermos mais jovens (eu, ao menos, não sou), isso deve ser levado em consideração, até para que possamos elaborar estratégias para o próximo período.

Não adianta a gente ficar colocando a culpa na sintonia fina. O que ocorreu foi uma brutal ofensiva da direita, potencializada por erros grotescos nossos, como praticamente se divorciar da base que nos elegeu em 2014 com as medidas que dissemos que seriam utilizadas pelos inimigos - medidas estas que não arrefeceram os ânimos da direita e desmobilizaram aqueles que elegeram Dilma. 

Não ter chamado plebiscito, não ter feito acordo com o Congresso, não ter uma posição unificada etc. são mais consequências dos erros anteriores que sua causa. O momento é de autocrítica, contar os mortos, lamber as feridas e arregimentar forças para continuar lutando. Se a gente continuar dando murro em ponta de faca como tem sido feito desde o dia 17 de abril, as chances de continuarmos nos perdendo e nos desorientando são ainda maiores.
Minha resposta:
Eduardo Nunes Loureiro. Os erros que cometemos nos trouxeram à batalha do impeachment, mas não condicionaram as escolhas e decisões que tomamos nesta batalha, nem estabeleceram que o único desfecho possível desta batalha deveria ser a nossa derrota. Nós poderíamos ter vencido a batalha do impeachment, se ao longo dela tivéssemos feito as escolhas estratégicas certas. Erramos e persistimos no erro, apesar de o erro estar evidente, dando, como você disse, murro em ponta de faca desde o 17 de abril. Nem parecia que queríamos realmente derrotar o golpe. 

O balanço da guerra se faz a partir do balanço das batalhas e esta batalha do impeachment não é qualquer batalha, uma batalha à qual se possa atribuir peso desprezível no balanço da guerra contra a burguesia. O golpe arma ainda mais a burguesia e desarma a classe trabalhadora. Se tem sido brutal a ofensiva da direita contra o PT e o governo Dilma desde 2015, muito mais brutal ainda será a ofensiva que fará a partir de agora contra a classe trabalhadora e o conjunto da esquerda. Não é qualquer derrota que estamos sofrendo e exatamente por ser uma derrota importante é que exige um balanço sério e imediato, com vistas às próximas batalhas.

Minha avaliação, muito sucintamente, é que a esquerda sai derrotada deste processo golpista porque trocou o oportunismo pelo esquerdismo. E se não conseguir se livrar de uma coisa e de outra vai ser derrotada de novo, de novo e de novo. É isso.

Um abraço, companheiro.
Agradeço os comentários de Beto e Eduardo, que me deram oportunidade de esclarecer meu ponto de vista e avançar na minha reflexão.

domingo, 14 de agosto de 2016

Por eleição, o povo já teria abortado a ditadura.

Imperam o cinismo e a hipocrisia nas instituições do Estado e na imprensa corrupta da direita, enquanto na esquerda reina a angustia impotente pela iminência da consumação do golpe e instalação da ditadura. A sensação geral é de que o jogo está decidido e que só um milagre pode evitar o impeachment de Dilma. O golpe, ao que tudo indica, está dado, a direita vence e vence com enorme facilidade, porque a resistência da esquerda foi pífia. Foi fácil, fácil demais nos derrotar e isto é que é o mais preocupante. Porque uma ditadura é bem mais difícil de ser vencida do que um golpe, ainda mais parlamentar.

Resulta, a meu ver, este desfecho melancólico, com suas trágicas perspectivas de desdobramentos, de um gravíssimo erro de estratégia da esquerda. Desde abril, as pesquisas de opinião vinham indicando que a única bandeira com potencial para mobilizar a maioria da classe trabalhadora, permitindo a criação de uma barreira social de contenção contra o avanço do golpe, seria a bandeira da antecipação da eleição presidencial ou, pelo menos, da convocação de um plebiscito que dela tratasse. O erro da esquerda foi desprezar inteiramente este dado da realidade na definição da sua estratégia. E o fez porque tinha, claramente, como objetivo, antes a preservação do que passou a chamar de "discurso do golpe" do que efetivamente derrotar o golpe. A esquerda não estabeleceu uma estratégia para derrotar o golpe, mas uma estratégia para não perder o tal "discurso do golpe". E não perdeu mesmo. Só que o golpe venceu.

O que a esquerda até hoje não entendeu é que a direita sempre quis não só o golpe, mas também uma ditadura, porque o programa de governo que ela defende, a mando da burguesia, é um programa que é não só impossível de ser aprovado numa eleição, como impossível de ser implementado num regime democrático, em razão das fortes reações que tende a provocar na sociedade. A direita precisa de uma ditadura exatamente para inibir ou esmagar estas reações que prevê, assim como precisa do golpe para tomar o poder e assenhorear-se dos meios necessários para estabelecer a ditadura.

A esquerda subestimou a direita. Ou iludiu-se achando que a direita tinha aceitado a democracia ou enganou-se acreditando que a direita não teria coragem de avançar do golpe à ditadura. E, no entanto, era lógico que o faria, porque não teria sentido tomar o poder de forma antidemocrática, com objetivos tão bem definidos, para submeter-se a governar de forma democrática, inviabilizando a realização destes objetivos. A esquerda subestimou a vontade e a capacidade da direita de dar o golpe e criar a ditadura e agora subestima a própria ditadura, avaliando que ela não terá força para se sustentar durante muito tempo. Em 64, ninguém também imaginava que a ditadura durasse 20 anos, muita gente até se preparava para as eleições de 65 e as eleições não vieram, canceladas por um ato institucional dos militares.

A força da ditadura que será inaugurada por Michel Temer, mas que poderá a qualquer tempo passar a ser comandada por outros gerentes, estará exatamente no pacto de unidade da burguesia em torno do programa de governo que vem sendo anunciado. Tem tudo para ser um regime forte e muito difícil de ser vencido, exatamente pelo controle quase absoluto que a burguesia tem do Estado e dos grandes meios de comunicação de massa. Por isso a meses eu venho defendendo a tese de que o objetivo principal do PT e do restante da esquerda deveria ser impedir a posse definitiva de Temer, mesmo que para isso fosse necessário sacrificar o restante do mandato de Dilma, com a antecipação da eleição presidencial. Mas aí diziam que isto legitimaria o golpe e que nos tiraria o discurso. Como, se o objetivo do golpe não é outro senão a tomada do poder e é exatamente a tomada do poder que se pretendia e poderia, efetivamente, evitar com a campanha pela antecipação da eleição ou pelo plebiscito?

Não entendo, além disso, porque se atribui tanto valor ao tal discurso do golpe. O discurso do golpe, que não convenceu a maioria mais pobre da classe trabalhadora a participar das mobilizações contra o impeachment, não salvará a esquerda das perseguições que se intensificarão contra ela a partir de agora, nem poupará a classe trabalhadora dos prejuízos imensos que terá, quando seus direitos começarem a ser realmente atacados. O discurso do golpe sempre teve e continua tendo um potencial de mobilização social limitadíssimo. As pessoas movem-se pelo que desejam e o que as massas querem hoje e já queriam desde abril é mudança, através da antecipação da eleição presidencial ou, melhor ainda, de uma eleição geral. De modo que mesmo que a defesa da antecipação da eleição ou do plebiscito legitimassem o golpe - algo que eu não acredito que aconteça -, a perda do discurso não representaria um prejuízo maior para a democracia do que a vitória efetiva do golpe, com a tomada do poder pela direita e instalação de uma ditadura no país.

Penso que o discurso do golpe é, na verdade, uma auto-consolação de quem admite e aceita a derrota, acreditando que da derrota poderá erguer-se com facilidade e fortalecido, por estar do lado certo da História. Estas pessoas não consideram o fato mais que evidente de que é muito mais difícil derrubar uma ditadura instalada do que uma ditadura em gestação, como a que temos agora. Havia, até bem pouco tempo, condições para abortar a ditadura de Temer, através da mobilização social pela antecipação da eleição presidencial. Mas, como as lideranças de esquerda recusaram-se a adotar esta estratégia, reduziram-se as perspectivas disso acontecer à possibilidade, mais que remota, de que o impeachment seja derrotado por um natural e súbito despertar das consciências de senadores ou ministros do Supremo.

Passou, infelizmente, da hora de se tentar transformar o anseio das massas por mudanças, através de eleições imediatas, em mobilização nas ruas capaz de influenciar decisivamente o julgamento do processo de impeachment. Não tendo sido alterados nem o pensamento e as disposições da maioria dos trabalhadores, nem a estratégia do movimento contra o impeachment, não se pode esperar que haja mudanças significativas no padrão qualitativo e quantitativo das manifestações de agora até 25 de agosto, data da decisão final do senado. Continuará a esquerda isolada da maioria da classe trabalhadora, simplesmente por insistir numa estratégia e discurso que não correspondem aos anseios e disposições que ela expressa. Estas mobilizações continuarão sendo insuficientes e não terão força para impedir que o impeachment seja aprovado. Resta a quem tem consciência da gravidade do momento por que passamos, torcer por um milagre no senado ou no STF e preparar-se para enfrentar tempos difíceis. É difícil acreditar que esta esquerda que foi tão facilmente derrotada pelo golpe, possa não de ser, também facilmente, subjugada pela ditadura que do golpe se origina. A menos, é claro, que consiga tirar as devidas lições da derrota que sofre. Oxalá isto aconteça.

Silvio Melgarejo

15/08/2016

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Lições de Maquiavel.

(Texto que postei no Orkut em julho de 2008. Revisado hoje, 12/08/2016)

Diz Maquiavel em sua obra clássica "O príncipe" que ...
“... as armas com as quais um príncipe defende o seu Estado, ou são suas próprias ou são mercenárias, ou auxiliares ou mistas.

As mercenárias e as auxiliares são inúteis e perigosas e se alguém tem o seu Estado apoiado nas tropas mercenárias, jamais estará firme e seguro, porque elas são desunidas, ambiciosas, indisciplinadas, infiéis; galhardas entre os amigos, vis entre os inimigos; não têm temor a Deus e não têm fé nos homens, e tanto se adia a ruína, quanto se transfere o assalto; na paz se é espoliado por elas, na guerra, pelos inimigos.

A razão disto é que elas não têm outro amor nem outra razão que as mantenha em campo, a não ser um pouco de soldo, o qual não é suficiente para fazer com que queiram morrer por ti. Querem muito ser teus soldados enquanto não estás em guerra, mas, quando esta surge, querem fugir ou ir embora.”
Sobre as tropas auxiliares, diz Maquiavel ...
“... que são as outras forças inúteis, são aquelas que se apresentam quando chamas um poderoso para que, com seus exércitos, te venha ajudar e defender,(...) Estas tropas auxiliares podem ser úteis e boas para si mesmas, mas, para quem as chame, são quase sempre danosas, eis que perdendo ficas liquidado, vencendo ficas seu prisioneiro.”
E continua, Maquiavel:
“Um príncipe prudente, portanto, sempre tem fugido a essas tropas para voltar-se às suas próprias forças, preferindo perder com as suas a vencer com aquelas, eis que, em verdade, não representaria vitória aquela que fosse conquistada com as armas alheias. (...) 

Concluo, pois, que, sem ter armas próprias, nenhum principado está seguro; ao contrário, fica ele totalmente sujeito à sorte, não havendo virtude que o defenda na adversidade. (...) 

As forças próprias são aquelas que se constituem de súditos, de cidadãos ou de criaturas tuas; todas as outras são ou mercenárias ou auxiliares.”

O PT, suas forças próprias, mercenárias e auxiliares.


A forças próprias do Partido dos Trabalhadores são aquelas de onde ele surgiu e de onde vem cada vez mais se distanciando: os trabalhadores organizados em suas entidades e intervindo no processo político através de suas variadas formas de luta e manifestação. A burguesia sempre fez um imenso esforço para convencer a classe trabalhadora de que as eleições eram o único espaço para o exercício da cidadania. Pois, nós, do PT, nascidos da contestação a esta mentira, acabamos por engoli-la e, com nossa nova atitude, fazemos coro com a burguesia induzindo o povo a manter-se dócil e passivo na condição de mero espectador da democracia burguesa.

A opção por uma atuação exclusivamente institucional está matando o Partido dos Trabalhadores. Essa estratégia equivocada está na raiz dos seus maiores problemas na atualidade. A aliança com os movimentos sociais foi abandonada em detrimento da aliança com partidos burgueses, de direita, corruptos e fisiológicos, as tais forças mercenárias e auxiliares de que fala Maquiavel. Pois se rompemos com os movimentos sociais, que são nossas forças próprias, e entramos no jogo da política institucional inteiramente desarmados, acabamos reféns de uma situação em que, se não compramos o apoio da bandidagem, ficamos impossibilitados de vencer eleições, menos ainda, de governar. É assim que aparecem as alianças esdrúxulas, os escândalos de corrupção e esta imensa confusão ideológica e crise de identidade por que estamos passando.

O PT abre mão de investir nas mobilizações populares de onde poderia e deveria retirar a energia transformadora capaz de impulsionar o seu projeto e, ao invés disso, alia-se a forças que, historicamente, sempre se opuseram a este projeto. Confunde, com isto, o povo e a sua própria militância. Daí o quadro de evidente despolitização dentro do partido e na classe trabalhadora, que faz com que, ao invés de idéias, se discutam nomes de pessoas e partidos para as eleições, sem nenhuma clareza do que realmente representam. Porque, afinal, tudo acaba, mesmo, parecendo a mesma coisa.


Vitória eleitoral e vitória política.


Vitórias eleitorais nem sempre são vitórias políticas. Quando, para vencer uma eleição e governar sem sobressaltos, um partido abre mão do seu projeto original e passa a usar métodos que antes repudiava, o que se tem não é avanço, é retrocesso. Vitória política é avançar na realização de um programa de governo apoiando-se em forças próprias, sem fazer concessões que desfigurem este programa e a ética original do partido, admitindo o uso de expedientes antes considerados escusos, destes a que estão habituados os partidos tradicionais.

A direita e a burguesia terão sempre razão para comemorar toda vez que o PT admitir dividir com elas palanques e governos. Tudo o que elas querem é a diluição da imagem pública do partido de esquerda dos trabalhadores, que quer transformações na sociedade, na água suja e fétida em que se banham os partidos conservadores. Desaparecendo o marco divisório entre as ideologias e as classes no plano da representação política, tudo fica igual, todos são iguais, ninguém é de direita, ninguém é de esquerda, tudo é centro, “todos os gatos são pardos”. E quem sabe se isto não é só aparência, se não estamos, mesmo, cada vez mais parecidos com nossos antigos inimigos.

O PT erra ao permitir, com sua conduta, que os trabalhadores o vejam como apenas mais uma carta no baralho da democracia burguesa. A confusão que isto gera beneficia aos conservadores porque desarma politicamente a classe trabalhadora frente à burguesia. A maior parte da militância petista ainda não está se dando conta deste equívoco gravíssimo e segue, encantada pela limitada democracia sem povo na rua que se estabeleceu no país, como se a simples eleição de bons representantes fosse capaz de garantir as mudanças que todos nós desejamos.

Estamos nos iludindo e iludindo ao povo brasileiro. É preciso muito mais que bons parlamentares e bons governantes para derrotar o poder econômico do grande capital. Só a mobilização popular é capaz de vencer o poder econômico, e o poder popular se constrói nas ruas, não nos gabinetes. Ignorando tudo isso, a maioria dos petistas entrega-se, com sofreguidão, às eleições, fazendo delas o evento único para o exercício da cidadania, como quer, sempre quis, a burguesia. A maioria de nós, petistas, confunde vitória eleitoral com vitória política. Não percebe que, dependendo do preço que o PT tenha que pagar, em termos de concessões éticas e programáticas, qualquer vitória eleitoral pode representar, na verdade, uma espetacular e dificilmente reversível derrota política.

Silvio Melgarejo

Julho/2008

Sobre o preconceito contra o debate partidário na internet.

(Trecho de uma mensagem enviada à lista de e-mails do 1º Diretório Zonal do PT-Rio/RJ)

Você pode não me conhecer fisicamente, mas deve conhecer mais o meu pensamento político do que o da maioria das pessoas que encontra nos eventos que vai - reuniões e atos públicos -, inclusive membros do diretório.

Tento contribuir com o partido apresentando minhas opiniões e propostas da maneira que melhor sei expressá-las, que é por escrito, através da mídia mais democrática que existe, que é a internet, e lamento quando alguns desprezam esta forma de participação, atribuindo à presença física em eventos um valor político absoluto.

As ideias que um militante expressa com seu corpo e voz numa tribuna física não são, só por serem apresentadas desta forma, superiores às que um outro expressa por escrito na internet, nem esta forma de comunicação significa que seja maior o seu compromisso com o partido e sua disposição para o trabalho prático.

O partido tem que aprender a identificar e usar as vocações, talentos, disposições e disponibilidades de cada filiado e não estabelecer um padrão único de participação ou uma hierarquia de valor que exalta uns e despreza outros, mantendo-os à margem.

Silvio Melgarejo

01/08/2016

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Sem partido, nenhuma estratégia de luta é viável.

Sem mídia e sem partido, o petismo tem se mostrado absolutamente impotente para reagir aos golpes que tem sofrido na luta de classes. A força do ideal genuíno sucumbe à incapacidade flagrante de construir meios para lutar por sua realização efetiva. Construção exige trabalho e é tristemente irônico que faltem braços, como se constata, para construir o Partido dos Trabalhadores. O petismo até hoje não entendeu que sem meios adequados para a luta, todo combate termina em derrota e que se na guerra, o meio próprio para o combate chama-se exército, na política este meio é o partido. 

O petismo é uma nação de milhões que renunciou e segue renunciando à construção do seu exército, embora fale o tempo todo de luta. Só que retórica que não se materializa em ação de massas não basta para se conquistar e preservar democracia e direitos, muito menos para se fazer revolução socialista. Sem mídia e sem partido, milhões de petistas dispersos, como átomos soltos no espaço, não conseguem formar um corpo, mantém-se uns dos outros distantes, incomunicáveis, desorientados, impossibilitados de somar as energias que os mantém em permanente e solitária agitação para a realização de qualquer ação conjunta de impacto social e político equivalente à soma das forças de todos. Há uma vaga consciência geral de que isto ocorre, mas também um forte conformismo e o conformismo é uma atitude essencialmente conservadora.

Repito o que venho dizendo a alguns anos. O partido está para a luta política, assim como o exército está para a guerra. Não se atinge o objetivo político sem um partido, como não se atinge o objetivo militar sem um exército. O partido é o instrumento da ação política daqueles que o constituem para realizar algum projeto. Por isso eu considero que a construção do PT e a administração dos seus diretórios - que são as unidades combatentes do partido - devem ser as principais preocupações e as principais ocupações dos petistas e que descuidar destas tarefas é renunciar na prática a qualquer possibilidade de ver realizado o projeto petista de conquistar o poder político e construir no Brasil o Socialismo Democrático.

Tenho a mais absoluta convicção de que não é por falta de gente disposta a lutar que a resistência ao golpe não é maior do que tem sido. É por erros de estratégia das direções do movimento contra o impeachment, mas também e sobretudo por falta de um partido que organize e comande as ações da numerosa reserva militante petista, que sempre esteve pronta para o combate e nunca foi convocada, mantendo-se ociosa, à margem da luta. E esta reserva militante não foi e não tem sido convocada porque o PT, como organização, é uma ficção que só existe no estatuto e nas resoluções dos congressos e encontros nacionais do partido. Na vida real estes documentos são permanentemente ignorados. As direções partidárias não sabem o que é "trabalho de base", não sabem o que é "dever" e "disciplina", permitem e permitem-se negligenciar impunemente o cumprimento das obrigações mais elementares, razão pela qual, da maioria das instâncias, pode-se dizer, sem exagero, que são diretórios fantasmas.

O PT, como organização, não vive, apenas vegeta. É um corpo fragilíssimo, cuja alma tem sido a burocracia indisciplinada e negligente que o governa. O petismo, como doutrina, jaz, qual letra morta, no Estatuto e nas resoluções dos congressos e encontros. E o petismo, como movimento social, que deveria ser a verdadeira alma do PT como organização, não pode se-lo por estar fora do partido e do partido desvinculado, em razão da inatividade das instâncias em que poderia expressar-se e da surdez dos dirigentes, quando a eles se fala através de outros canais, como a internet. Há um verdadeiro abismo entre PT e petismo que precisa ser, em primeiro lugar, reconhecido pelos petistas para, depois, ser superado, afim de que o PT recupere sua vocação revolucionária original e seu potencial como agente transformador da sociedade.

O PT é uma organização e toda organização precisa cumprir 4 condições para alcançar seus objetivos. A primeira é definir as ações que realizará para atingir estes objetivos e os recursos que usará na execução destas ações. Isto se chama planejamento. A segunda é determinar o papel que cada membro do partido deve desempenhar nas ações planejadas e a forma como os meios necessários para a execução de suas tarefas serão distribuídos. Isto se chama organização. A terceira é a orientação e motivação de cada membro do partido no momento da execução de cada ação planejada. Isto se chama liderança, direção ou comando. E a quarta é a avaliação permanente da execução de cada ação, com a possibilidade de recomendações de ajustes ou mudanças. Isto se chama controle. Tudo isso junto - planejamento, organização, comando e controle - chama-se administração. E nada disso, infelizmente, o PT tem, por isso o partido não funciona e não transforma a quantidade imensa de filiados e simpatizantes que tem numa unidade coletiva ampla e rígida, com força política concentrada e dirigida para a luta por seus objetivos na sociedade.

Ano passado, o jornalista Luís Nassif disse que o petismo é uma militância sem partido e ele está coberto de razão. Porque as únicas coisas que a militância petista realmente tem são a paixão pelo ideal de uma sociedade mais justa e uma legenda eleitoral com sua sigla e bandeira. Mas, partido, a militância petista não tem e por isso permanece atomizada, fragilizada e impotente. O PT corre, assim, o sério risco de morrer por absoluta falta de vontade de viver como organização, com planejamento, organização, comando e controles capazes de garantir o funcionamento pleno e permanente da sua democracia interna e a efetividade do seu poder de ação coletiva no cotidiano das ruas. Uma organização que seja capaz de dar aos milhões de petistas que vivem como átomos soltos na sociedade a possibilidade de se juntarem para formarem um só corpo e somarem forças na luta por seus objetivos comuns. Para conciliar com a burguesia, ninguém precisa de partido organizado e mobilizado. Mas para lutar contra a burguesia, um partido assim é indispensável. Porque, sem partido organizado e mobilizado, nenhuma estratégia de luta coletiva é realizável e todo ideal político acaba fatalmente morrendo no discurso.

Há, hoje, um golpe de Estado em curso e a clara possibilidade deste golpe dar origem a uma ditadura. O que o PT tem pela frente, ao que tudo indica, não serão mais apenas disputas políticas num ambiente relativamente democrático, como o que tivemos até agora, mas batalhas de vida e de morte sob um regime político autoritário que cada vez mais vem se impondo. Os inimigos da classe trabalhadora querem, porque precisam, da morte do Partido dos Trabalhadores. É com a disposição de nos aniquilar que partirão para cima de nós se assumirem a presidência da república. E a sobrevivência do PT a estes ataques, assim como a possibilidade do partido mobilizar uma contraofensiva popular e democrática, dependerão fundamentalmente da capacidade que o partido tenha de mobilizar todo o potencial humano e material da sua base de quase 2 milhões de filiados. O PT precisa, mais do que nunca, organizar e mobilizar esta base para a luta em defesa da democracia e dos direitos que estão sob ameaça. Mas para organizar e mobilizar a base é preciso que a cadeia de comando do partido funcione e que cumpra os deveres que o estatuto do partido lhe atribui.

Por isso é urgente que haja uma radical mudança de atitude da militância petista em relação aos seus diretórios. Os diretórios tem que começar a ser rigidamente cobrados. Porque os diretórios, principalmente zonais e municipais, por serem os últimos elos da cadeia de comando do PT, são os maiores responsáveis pela organização e mobilização das bases de filiados das suas respectivas jurisdições. São tempos de guerra que estamos vivendo e que teremos pela frente, nos quais a negligência quanto ao funcionamento de unidades combatentes, como os diretórios zonais e municipais, constitui atitude, mais que temerária, verdadeiramente suicida. Não se ganha guerra nenhuma sem um exercito adequadamente montado, adestrado e equipado. Não basta que os generais tenham em mente a melhor estratégia e as melhores táticas, é preciso que disponham dos meios necessários para botá-las em prática. E os meios são os recursos humanos e materiais do seu exército. No nosso caso, os recursos do partido.

Por isso, senhoras e senhores membros de diretórios, cobrem-se uns dos outros. Por isso, senhoras e senhores filiados de base, cobrem dos seus diretórios. A vida e força de um partido de esquerda dependem da constância e vigor da atividade dos seus membros e do funcionamento pleno e regular das suas instâncias dirigentes. O PT precisa que nos mantenhamos uns aos outros ativos. O partido apenas vegeta se nos acomodamos e nos permitimos ficar inativos, se negligenciamos o cumprimento dos nossos deveres e se nos omitimos ante as negligências que vemos. A guerra contra a ditadura que temos pela frente só poderá ser vencida se antes declararmos guerra e vencermos a acomodação do petismo quanto à falta de um partido que lhe dê organização, comando e meios para lutar. Dirigente tem que ter disciplina, senão nada no partido funciona. E cobrar dos dirigentes o cumprimento dos seus deveres é um direito político e estatutário inalienável, mas também um dever de todo filiado do PT. Sem o exercício deste dever e direito, não se pode dizer que haja democracia partidária.

É hora de preparar o PT para a guerra, que já começou e na qual já temos sofrido derrotas, porque guerra é luta coletiva e sem partido, nenhuma estratégia de luta coletiva é viável. Sem partido, os ideais do petismo morrerão no discurso.

Silvio Melgarejo

11/08/2016