Já disse outras vezes e repito. O medo do golpe de Estado só tem servido para paralisar a maior parte da esquerda, a parte petista. Ninguém mais, na esquerda, aprova a política econômica do governo Dilma, cujos efeitos negativos cada vez mais se evidenciam para os trabalhadores. Mas o medo do golpe tem impedido o PT de assumir, em relação ao governo, uma postura mais incisiva. Teme o partido que uma pressão mais forte por mudanças acabe favorecendo ao golpismo de direita. Então adota o seguinte discurso: somos contrários à política econômica do governo e queremos mudanças, mas apoiamos incondicionalmente à presidenta Dilma.
E o problema da esquerda e da classe trabalhadora está exatamente neste apoio incondicional do PT ao governo. Porque, sendo o PT o único partido de massas no campo da esquerda, a incondicionalidade do seu apoio ao governo acaba limitando fortemente o poder de pressão da esquerda por mudanças e faz do seu discurso crítico à economia um mero jogo de cena, sem nenhum efeito político além da desmoralização da esquerda toda e do próprio partido.
Sobre isto, propus o seguinte enigma, em minhas notas de 27 e 29 de setembro, em que dizia: Se a essência de um governo é a sua política econômica, como combater uma política econômica e ao mesmo tempo apoiar o governo que a concebe e implementa? Penso, como já disse outras vezes, que isto seja impossível.
"Cobrar, apoiando", diz-me um companheiro, "é o que deve ser feito". Mas, e se o governo se mantiver intransigente? Mantém-se, mesmo assim, o apoio? Que razão teria o governo, então, para mudar? Pois se quem cobra mudanças, garante, ao mesmo tempo, apoio incondicional, aonde o poder de pressão desta cobrança?
Apoiar incondicionalmente o governo é dar, na prática, ao governo sustentação política para ele executar a sua política econômica. O apoio sem limites anula inteiramente o efeito de qualquer cobrança que se faça a um governo. A cobrança, neste caso, se torna inócua. Porque, a partir do momento em que se estabelece que o não atendimento a ela não terá consequência nenhuma, que o governo não sofrerá qualquer sanção, fica o governo à vontade para fazer o que quiser, inclusive ignorar a cobrança dos apoiadores incondicionais, enquanto cede aos opositores, quando eles cobram e impõem sanções muito duras, e é isso mesmo que tem acontecido no nosso caso.
Para os petistas "torcedores", que devem entender bem de futebol, digo de outra forma: se a direita entra numa dividida com tudo e a esquerda, ao contrário, "pipoca", quem tende a ficar com a bola é a direita. E é isso exatamente que temos visto. Uma direita viril - prá ser mais exato, desleal - disputando o poder com uma esquerda "pipoqueira", que evita o confronto por medo de se machucar.
Ainda nesta linha de analogia com o futebol, pode-se dizer que o PT tem sido uma esquerda medrosa e retranqueira, que chama o adversário para o seu próprio campo e se expõe à pressão permanente nos arredores da sua meta. Está passando sufoco deste a eleição passada, com a direita marcando em cima e chegando a toda hora na cara do gol. O partido não tem saída de bola, não cria jogadas no meio de campo e tem tido um ataque absolutamente inoperante.
E tudo isto porque está preso à defesa de um governo, cuja política econômica é indefensável perante os trabalhadores. E porque está paralisado pelo medo de um golpe de Estado. O golpe de Estado só é possível, em verdade, por causa da fragilidade do governo Dilma e da esquerda democrática. O que fragiliza Dilma é a política econômica neoliberal, que tem frustrado enormemente os seus eleitores. E o que fragiliza a esquerda democrática é a submissão do PT à vontade intransigente da presidenta.
Dilma tem dado seguidos sinais de que vai manter Levy e sua gestão neoliberal da economia. E o PT, o que fará? Vai ajudar a presidenta a governar assim e depois dizer aos trabalhadores que não tem culpa pela recessão, pelo desemprego e pelo arrocho salarial, só porque tem feito críticas e apresentado um projeto alternativo? Mas se dá sustentação ao governo, como pode o PT negar a própria responsabilidade pelos efeitos desta política que o governo concebe e implementa? É dúbia e flagrantemente desonesta esta postura, que custará muitíssimo caro ao partido, se a continuar sustentando. Porque as massas não se deixarão enganar mais uma vez, depois de serem tão recentemente traídas.
A maioria petista acredita, equivocadamente, que uma defesa eficaz da democracia contra o golpismo depende do apoio incondicional do PT ao governo Dilma, quando, ao contrário, é exatamente este apoio incondicional que o PT tem dado ao governo, o que tem deixado as massas sem uma alternativa oposicionista de esquerda viável e permitido, com isso, que toda insatisfação popular com o governo seja capitalizada pela direita golpista.
A ditadura dos bancos governa o Brasil e o PT, único partido de esquerda de massas do país, tem colaborado com ela, quando nega aos trabalhadores direção para a luta, a pretexto de evitar que se precipite um golpe de Estado. Mas como pretende o PT preservar o que ainda há de democracia nesta ditadura do bancos e avançar para uma democracia plena, de verdade, em que os trabalhadores realmente governem, se concilia o tempo todo com os bancos e mantém as massas à margem do processo político do país?
O PT critica a política econômica do governo e propõe mudanças. Mas não diz em nenhum momento o que fará se o governo não mudar. Se o apoio a Dilma é incondicional mesmo, como quer a maioria petista, permanecerá o partido na base de sustentação ao governo, como aquele cobrador que não faz questão de receber, nem se incomoda com o calote que leva. Com isso, a ditadura dos bancos, vendida como democracia pela imprensa e partidos burgueses, seguirá roubando as riquezas do Brasil e empobrecendo os trabalhadores, sem enfrentar resistência nenhuma, ao contrário, contando até com a colaboração do único partido de esquerda de massas do país.
De uma mudança radical na atual postura do PT em relação ao governo Dilma, depende o futuro do Brasil, de sua esquerda e da sua classe trabalhadora. O PT tem que romper com Dilma e mobilizar o povo para enfrentar a ditadura dos bancos. Porque se não o fizer, será responsável direto pelo retrocesso nos avanços sociais da última década, que já estão sendo gravemente ameaçados pela atual política econômica. A esquerda brasileira e as massas trabalhadoras precisam do PT na oposição, para evitar que esta tragédia se consuma no país. Coragem e ousadia, insisto, é o que se espera do PT, para que ele não tenha o destino desonroso de outros tantos partidos socialistas, que traíram seus compromissos com as massas: a tal "lata de lixo da História", de que falou Trotsky.
Silvio Melgarejo
18/10/2015
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.