domingo, 4 de outubro de 2015

Governo petista? Cadê?

Governo petista? Cadê? Verdade que há petistas - se assim os considerarmos apenas por serem filiados ao PT - no governo Dilma. A própria presidenta o é, pelo menos assim, formalmente. Mas, petismo, não vejo. E o que é o petismo? Petismo é lutar, até a última gota de suor e sangue, para defender os interesses dos trabalhadores contra a ditadura da burguesia, que enriquece à custa do empobrecimento das massas. E o que tem-se visto no governo Dilma é exatamente o oposto disso. Vê-se rendição sem luta e uma colaboração sem limites com a burguesia - especialmente financeira - contra os interesses da classe trabalhadora. Isso é governo petista? Prá mim, não.

Lembro uma vez mais que, assim que reeleita, a presidenta Dilma, questionada sobre uma resolução política do PT, afirmou:
- “Eu não represento o PT. Eu represento a Presidência. A opinião do PT é a opinião do partido, não me influencia. Eu represento o país, não sou presidente do PT, sou presidente dos brasileiros.”
Ora, se não é a presidenta da república, filiada ao PT, a representante do partido na coalizão governista, quem será? O petista que votou em Dilma o fez exatamente para que ela cumprisse este papel, para que ela fosse o PT dentro da coalizão. Mas o que se vê é que ela não só repudiou este papel, negando terminantemente a influência do PT, como resolveu acolher, sem resistência, às influências dos barões do sistema financeiro.

Ou seja, Dilma negou firmemente o petismo para abraçar gostosamente o neoliberalismo. E, diante disso, o que faz o PT? Tenta o impossível, que é apoiar a presidenta e ao mesmo tempo combater a política que ela mesma escolheu, quando o preteriu e abandonou o programa defendido na campanha.

Penso, portanto, que iludem-se os que acreditam que, por serem Dilma e alguns dos seus ministros filiados ao PT, temos uma presidenta da república e um governo petistas. Não temos. A política econômica que temos hoje no país é uma versão apenas um pouco mais branda daquela mesma política econômica defendida por Aécio e Marina, que foi duramente contestada pela própria Dilma, na campanha de 2014.

Joaquim Levy, por sua vez, é um economista cujo perfil nada difere dos perfis de Armínio Fraga e André Lara Resende, então anunciados, respectivamente, por Aécio e Marina, como seus ministros da fazenda, caso fossem eleitos. Certamente, não foi por acaso que teve seu nome ocultado pela candidata Dilma durante a campanha. Levantaria, se anunciado, no mínimo, enormes suspeitas de que o segundo mandato da presidenta poderia não corresponder ao discurso antineoliberal que ela fazia e que acabou lhe garantindo efetivamente a vitória.

Exatamente um mês depois do 2º turno da eleição presidencial, Dilma anunciou que Joaquim Levy seria o seu ministro da fazenda. E o impacto negativo na confiança do seu eleitorado foi grande, exatamente pela expectativa da adoção de uma política econômica que correspondesse ao perfil conhecido do novo ministro, o que acabou se confirmando com o anúncio do ajuste fiscal, que tem abalado a base de apoio da presidenta na sociedade.

A combinação das medidas do ajuste com a manutenção da política de juros altos, inevitavelmente provocaria recessão, desemprego e arrocho salarial. Tudo isso foi previsto, logo de início, pelos economistas do campo progressista e tem se confirmado ao longo do ano. Criou-se então uma raríssima unanimidade no movimento sindical e popular contrária à política econômica do governo Dilma, em seu conjunto. Há, de fato, quem ainda veja semelhanças entre esta política e a dos ministros Palloci e Meirelles, no tempo de Lula e que, pensando nos resultados daquele governo, acredite que possa dar certo o que tem sido feito agora. Mas esquecem estes de um detalhe: as circunstâncias em que se dão os dois governos são muito distintas.

Se as circunstâncias econômicas e políticas que cercavam os dois mandatos de Lula permitiram que ele assumisse e honrasse compromissos tanto com a burguesia, quanto com a classe trabalhadora, as circunstâncias econômicas e políticas atuais não dão a Dilma esta mesma possibilidade. Ao contrário, impõem-lhe a escolha de um lado para defender e um lado para confrontar, como condição para não ser tragada por um ambiente de insatisfação geral, onde lhe falte base de sustentação social e política para governar. Dilma fez a pior escolha possível, que é tentar atender ao mesmo tempo à burguesia e à classe trabalhadora, algo que a conjuntura econômica hoje não permite. Insatisfeitos, os dois lados retiram cada vez mais os seus apoios e deixam a presidenta pendurada no fio tênue do compromisso das instituições do Estado burguês com a legalidade.

Atribuir, como fazem muitos, a presente crise do governo Dilma apenas à campanha da oposição golpista é o mesmo que responsabilizar apenas os vírus e bactérias pelo quadro patológico de um organismo, sem considerar o papel que deveria desempenhar o seu sistema imunológico. Pois o “sistema imunológico” do governo Dilma, que seria constituído por sua base social de 54 milhões de eleitores, foi inteiramente desmobilizado pela própria presidenta, quando ela abandonou o programa que defendera em sua campanha, revertendo subitamente todas as expectativas alimentadas. No momento em que rompe unilateralmente os compromissos assumidos com seus eleitores, ela isola-se politicamente e debilita-se, favorecendo ao avanço não só do golpismo, mas também do fisiologismo de setores da própria coalizão, que acabaram assumindo o controle efetivo do governo.

Por isso digo que, embora haja petistas no governo, como a presidenta, não há mais governo petista neste segundo mandato de Dilma. Porque não é petista o programa econômico implementado e porque o PT realmente já não tem mais nenhuma influência sobre as decisões cruciais que são tomadas. O PT hoje é um mero apoiador do governo neoliberal hegemonizado por Dilma e pelo PMDB. Suas críticas à política econômica, sem apontar qualquer perspectiva de ruptura, ante à intransigência da presidenta, não o tornam menos cúmplice da aplicação desta política e não diminuem a sua responsabilidade pelo estrago social provocado. E a classe trabalhadora logo há de lhe apresentar a conta. Como tenho dito a meses, quem fere com ajuste fiscal, com ajuste político será ferido.

Silvio Melgarejo

04/10/2015

https://www.facebook.com/notes/silvio-melgarejo/governo-petista-cad%C3%AA/1138747212805343

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