sábado, 17 de agosto de 2013

Ex-gays, Homofobia e Heteronormatividade.

(Resposta a um comentário publicado no Facebook, que reproduzo ao fim desta mensagem)

A palavra "homofobia" designa usualmente dois tipos de fenômeno. Um de natureza psicológica, outro de natureza cultural.

Como fenômeno psicológico, homofobia é o medo de ser, vir a ser ou aparentar ser gay.

Como fenômeno cultural, homofobia é a ideologia que tem a heterossexualidade como única orientação sexual certa ou normal. Desta ideologia, também chamada de heteronormatividade, que é em si um preconceito, decorrem todas as discriminações e agressões de que são vítimas os homossexuais. E é este preconceito e as discriminações e agressões dele decorrentes que provocam o medo de ser, vir a ser ou aparentar ser gay de que é vítima a maioria, certamente, dos indivíduos da sociedade. É a cultura homofóbica, chamada heteronormatividade, que provoca a homofobia como fenômeno psíquico. Se não existisse a heteronormatividade, não haveria homofobia, porque ninguém consideraria anormal e portanto motivo de condenação ou deboche o fato de ser homossexual.

Homofóbico, portanto, é todo indivíduo que:
1) tem medo de ser, vir a ser ou aparentar ser homossexual, e/ou

2) acredita e defende a ideia de que a heterossexualidade é a única orientação sexual certa ou normal (heteronormatividade).
Digo que você é um homofóbico, Rogério, porque é assim que você tem se apresentado neste tópico. Declarando abertamente e em tom jocoso o seu pavor de virar gay ("Eu não vou querer isso [virar gay]. Deus me livre!"; "Quero gostar de aranhas até a morte e inclusive depois."), você expressou ao mesmo tempo a sua crença de que a homossexualidade é uma anormalidade da qual se envergonharia. O medo de ser gay advém desta crença e o tom jocoso das declarações são uma tentativa de dissimular o pavor que as palavras inequivocamente revelam.

Lamento se este diagnóstico te incomoda, mas ele precisa ser feito e apresentado aqui para que se entenda, de uma vez por todas, o que é a homofobia e como ela se origina.

Você diz que defende uma série de direitos dos homossexuais, mas faz apologia exatamente do princípio preconceituoso que está na raiz de toda a dificuldade que os homossexuais enfrentam para ter estes direitos reconhecidos na sociedade, que é o princípio de que a homossexualidade é uma anormalidade. A negação do direito ao casamento e à adoção, as humilhações e as agressões verbais e físicas decorrem precisamente desta ideologia, chamada heteronormatividade, segundo a qual o homossexual é um anormal. Ou seja, você defende os direitos dos homossexuais e, ao mesmo tempo - e certamente com mais vigor -, defende a ideia que dificulta o reconhecimento daqueles direitos.

Ao contrário do que você diz, o homofóbico não é necessariamente um gay enrustido. Pode ser, e frequentemente é, um heterossexual de personalidade fraca que adere, por covardia ou comodismo, ao senso comum, infelizmente ainda homofóbico. A homofobia é, portanto, a meu ver, uma patologia social que acomete o conjunto da sociedade, independentemente da orientação sexual dos indivíduos. Homossexuais homofóbicos não se aceitam. Heterossexuais homofóbicos não aceitam os homossexuais e passam a vida tentando provar para si mesmos e para a sociedade que não são e nunca serão homossexuais, porque têm pavor de se descobrirem gays ou de terem suas orientações sexuais questionadas, e porque sofrem profundamente, sentem-se agredidos, toda vez que se diz ou sugere que são homossexuais.

Você diz que o homofóbico não quer saber de opinião contrária e este parece ser exatamente o seu caso. Desde o início deste tópico foi-te apresentada uma série de argumentos que você nem aceita, nem refuta, simplesmente ignora. Homofóbicos agem assim porque suas teses se baseiam em premissas falsas, que se esfarelam facilmente quando expostas à luz dos fatos e da racionalidade.

Prosseguindo, vamos esclarecer mais uma coisa. O ex-gay é vítima da homofobia de que são portadores ele mesmo e o seu meio social. Ou seja, ele é vítima porque não é aceito mas, também, porque não se aceita, ele mesmo, como é.

Vítima do câncer, é o portador do câncer.

Vítima da esquizofrenia, é o portador da esquizofrenia.

Neste caso, se o esquizofrênico, tomado por um delírio persecutório, agride uma pessoa, por considerá-la uma ameaça, esta pessoa terá sido vítima, evidentemente, da esquizofrenia do agressor.

Portanto, tanto o agressor, quanto o agredido terão sido vítimas da esquizofrenia do primeiro.

Da mesma forma, os que se dizem ex-gays são portadores e reprodutores da cultura homofóbica e do medo de ser gay. Como portadores, são vítimas. Mas passam à condição de agressores quando assumem o papel de reprodutores da cultura homofóbica.

***

O comentário que deu origem a este post:
"Olha Silvio... me incomoda seus diagnósticos sobre minha pessoa. Portanto eu os dispenso. Também me incomoda quando me chama de homofóbico. Reconheço todos os direitos possíveis aos gays, coisa que o homofóbico verdadeiro não reconhece. Sou contra violência contra gays. Contra discriminação. A favor de adoção por casais gays. União civil. E homofóbico é um gay enrustido, coisa que não sou. Pense assim: se vc acha que ex gay não ecziste, também não ecziste homofóbico que é a favor dos direitos dos gays e tudo o mais que acabei de falar, ok?

O homofóbico não quer saber opinião contrária, não quer somar conhecimentos. Eu faço isso. Debato, falo e ouço.

Mas voltando ao tema... tive que insistir para sair algo. Agora gostei, pq vc falou informações. Era isso que eu queria.

Vc falou que ex gay é vítima. Se são vítimas dos Feliciânus, Maracutaias e Bolsonazis, eles não portanto, são homofóbicos.

O que tem a dizer sobre a pessoa deles?

E pq a reorientação sexual é obrigatoriamente coisa de homofóbico? Não poderia ser algo consciente? Algo como uma cirurgia estética mental? Pq nariz grande não é doença, mas rinoplastia é tratamento.

Quanto ao vídeo do Frank Jaava. Sigo o canal dele e acho as opiniões dele bem interessantes. Só achei estranho ele comparar gay com dia bético e com quem tem intolerância à lactose. Sem perceber ele comparou gay com doente. Não se trata de doença, e sim de uma preferência originária de um impulso.

E o que é opção? Escolha consciente? Opção existe quando há uma situação que permite escolhas. Sentir vontade de algo é um exemplo. Vc não escolhe ter vontade soltar pum. Vc escolhe segurar e ir até o banheiro. Ou soltar bem longe dos ouvidos dos outros, que motiva mais preocupação do que os narizes. Ou lasca a flatulencia ali mesmo, perto dos outros. (Tenho um colega de trabalho que sentiu vontade, pum!).

A mesma coisa é o gay. Se ele o é, é motivo de sentir vontade, desejo, atração, como o Frank Jaava falou. É gostar de algo. Agir conforme o desejo já é consciente, opção mesmo."

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