quarta-feira, 18 de novembro de 2020

A quem serve a criminalização das drogas

Por que os Estados Unidos desistiram da Lei Seca? Porque não deu certo. Não resolveu o problema que tinha como alvo e ainda criou outros problemas, ainda mais graves. Foi absolutamente ineficaz e teve gravíssimos efeitos colaterais, como o aumento da corrupção do sistema de justiça e o aumento da violência nas cidades. Se a criminalização da produção, comércio e porte do álcool deu resultados assim, tão ruins que os estadunidenses hoje sequer cogitam de retomá-la, por que se supõe que a criminalização da produção, comércio e porte de outras drogas, que há várias décadas tem tido os mesmos efeitos negativos nos países onde é vigente, ainda pode ter alguma chance de êxito? A insistência nessa política de ineficácia e nocividade mais do que evidentes sugere que alguém deve estar ganhando enquanto as sociedades perdem. Quem poderia ser? Meus palpites: indústria de armas e agentes públicos corruptos, da política, do judiciário e das polícias.

Silvio Melgarejo

18/11/2020

terça-feira, 17 de novembro de 2020

Relação entre direitos e deveres e os conflitos inerentes à democracia

Comentário publicado no Orkut em 19 de junho de 2011 sobre o texto intitulado "Fanatismo pelos Direitos Humanos", reproduzido ao fim deste post

Para garantir o respeito a um direito de todos é preciso tornar dever o respeito a este direito por todos. Isso me parece lógico. O reconhecimento de direitos universais pressupõe que o respeito a estes direitos seja um dever também universal. Uma coisa está vinculada a outra. Assim, se o indivíduo A tem um direito X, o indivíduo B tem o dever de respeitar o direito X de A. 

A razão de ser de todo dever é o atendimento de um direito. O dever existe para realizar o direito. A instituição de um direito há sempre de preceder à instituição de um dever porque todo dever decorre de um direito. O direito é fim, o dever é meio. É impossível inverter essa relação ou desvincular uma coisa da outra sem violentar brutalmente a lógica.

O que está parecendo é que o autor do texto em análise incomoda-se com as demandas sociais por direitos que ele próprio não reconhece como legítimos. Compreende, evidentemente, que a instituição desses direitos representaria, na outra face da moeda, a instituição de deveres que ele não gostaria de ter que cumprir. Mas o que mais evidente fica é a sua incompatibilidade com a democracia. Para demonstrar isso, destaco o seguinte trecho do texto:

“A nossa Europa vive de facto um fanatismo, quase religioso, pelos direitos descorando os deveres. Deste modo um povo sem clara noção das suas obrigações, isto é, deveres para com os outros e o Estado, e reclamando apenas os seus direitos entra numa espiral de conflitos pessoais e egoístas pela satisfação dos seus caprichos.” 

Ora, a democracia é um regime político baseado na livre expressão de demandas da sociedade ao Estado para a satisfação de necessidades. A instituição de direitos visa exatamente garantir o atendimento dessas demandas pela instituição concomitante de deveres a serem cumpridos pelo Estado e pela própria sociedade. O dever é o preço do direito. Exatamente por gerar deveres é que a instituição de direitos encontra sempre algum grau de resistência na sociedade e no Estado. O conflito de posições que aí se estabelece é a própria democracia se realizando, permitindo que, através da livre expressão e debate das ideias, consolide-se uma posição majoritária. 

A regra da democracia é o cumprimento da vontade da maioria, que é manifestada ao Estado através de canais institucionais e não institucionais. Portanto, o conflito não é algo estranho na democracia, é, ao contrário, algo inerente a ela. Só em regimes autoritários pode inexistir conflito, já que o conflito decorre do dissenso e as ditaduras se caracterizam exatamente pela supressão da liberdade de expressão do dissenso. Toda ditadura aparenta harmonia social. Mas essa aparente harmonia social das ditaduras é conseguida pelo sufocamento criminoso das demandas por direitos, algo que parece ser desejado pelo autor do texto em análise.

A ideia contida no texto de que o povo não teria noção de seus deveres, não passa de uma opinião preconceituosa que explica bem a profunda aversão revelada pelo autor aos regimes democráticos e seus imperativos. Pois, se falta ao povo, como ele sugere, discernimento e responsabilidade, pode-se a partir daí concluir que o povo, sendo maioria, não estaria apto a fazer escolhas e tomar decisões. Ao desqualificar-se a maioria, fica implícita a preferência pelo poder da minoria, já que não há alternativa diferente desta.  Ora, no momento em que à maioria retira-se o poder de fazer escolhas e tomar decisões e passa-se estes poderes a uma elite supostamente mais capaz e consciente que constitui minoria, dá-se a subversão da ordem democrática e o estabelecimento de um regime autoritário.

Não resta a menor dúvida, portanto, de que o texto de abertura do presente tópico é uma defesa muito mal disfarçada dos regimes políticos autoritários. O zelo pelo respeito às regras do jogo democrático – inscritas nas constituições dos países – e pelo funcionamento pleno das instituições que o permitem – em outras palavras, o cumprimento da lei – são qualificados como fanatismo religioso, afirmação que por si só demonstra o grau de apreço do autor do texto e de todos os que o subscrevem pelos ideais democráticos – a saber, apreço nenhum – e o quanto sentem-se inconformados por terem que se submeter a uma ordem política como esta, baseada em valores que eles repudiam. 

Para eles, a democracia seria a origem da desarmonia e da desordem social. Dão-na como razão da desarmonia e da desordem para que os que desejam a harmonia e a ordem cheguem, por si, à inelutável conclusão de que ela é incompatível com estas suas aspirações. Ora, associar a democracia à desarmonia e à desordem é uma descarada trapaça intelectual. A democracia não é, como tentam fazer crer, o regime da licenciosidade, um reino do vale tudo. Ela nada tem a ver com desordem e permissividade, é, ao contrário, uma forma de ordem. A democracia é o único regime político capaz de permitir às sociedades a construção de um ordenamento social naturalmente harmonioso, porque baseado nos valores da liberdade, da igualdade e da justiça. Os pruridos antidemocráticos sempre hão de existir porque sempre haverá quem se oponha a esses valores. E seu proselitismo jamais será proibido porque a tolerância está na natureza do próprio regime. Mas é também da natureza do regime democrático a liberdade de se contestar uma ideia considerada absurda ou perniciosa, como esta que vem solertemente se insinuando no discurso apresentado pelo autor do presente tópico. 

Silvio Melgarejo

19/06/2011
Revisado em 17/11/2020

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Texto comentado na íntegra

Fanatismo pelos Direitos Humanos

Por Fábio Vieira

Num tempo em que o Pós-Modernismo prospera, renegando as leis universais, as grandes orientações éticas e morais na Europa e no Mundo, colocando sob o mesmo plano todas as civilizações e culturas do mundo é necessário tomar consciência dos perigos e enganos que esta corrente traz dissimulados sob o manto da igualdade absoluta.

Uma das questões abordadas por esta corrente é a dos Direitos Humanos e a sua defesa inquestionável sobre todas as coisas, apesar de haver uma contradição aparente já que eles são universais...

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela ONU, em 1948, consagrou no plano mundial um conjunto de valores que reputados de essenciais, não apenas para servirem de ideal à acção humana, mas também para definirem o enquadramento legal dentro do qual os Estados podem legislar, julgar e actuar.

Estes valores são assumidos como universais. Neste sentido, apesar da diversidade das culturas e das sociedades, esta diversidade não pode ir contra estes valores. A Declaração serve não apenas para julgar os actos humanos (plano ético), mas também para avaliar e julgar a acção do diferentes Estados em relação aos seus cidadãos, configurando também um modelo de uma sociedade global livre e democrática.

Ora, o que aqui esta em causa não é questionar algo que nos garante a todos nós direitos inalienáveis e essenciais, mas sim, questionar a sua supremacia sobre os deveres tão importantes e necessários à harmoniosa convivência humana. A visão ingénua que se criou pela Europa e pelo mundo em que os direitos são superiores aos deveres tem de ser abandonada, porque a Europa - neste sentido fruto da revolução francesa e do seu apanágio do individualismo - esta a ser minada interiormente. A nossa Europa vive de facto um fanatismo, quase religioso, pelos direitos descorando os deveres. Deste modo um povo sem clara noção das suas obrigações, isto é, deveres para com os outros e o Estado, e reclamando apenas os seus direitos entra numa espiral de conflitos pessoais e egoístas pela satisfação dos seus caprichos.

Na verdade olhando para a declaração dos Direitos Humanos a palavra dever (Artigo 29°) aparece uma só vez enquanto direito pelo menos dez vezes mais, mostrando desde logo a discrepância a que a sociedade se submeteu, aceitando, deste modo, a sua própria corrosão civilizacional.

Nesta época em que tantos desafios, cada vez mais complexos, assolam a civilização europeia, e mesmo o nosso pais, é necessário que cada um esteja plenamente consciente dos seus deveres e os ponha em pratica em prol da comunidade e dos outros. Procedendo deste modo estaremos a criar uma corrente de harmonia que nos proporcionará de um modo natural os nossos direitos.

Sendo este um dos desafios maiores da Europa: a promoção em igualdade dos seus direitos e deveres, é também um momento fulcral para todos nós de renegarmos o individualismo egoísta em prol do colectivo transformador.

segunda-feira, 16 de novembro de 2020

Liberdade religiosa não pode ser licença para explorar e oprimir

Texto publicado em alguma comunidade do Orkut em 18 de junho de 2011

As religiões devem ser respeitadas? É o que perguntam no post de abertura deste tópico. Se entendermos por respeito às religiões a concessão pela sociedade de uma liberdade irrestrita para a difusão das suas doutrinas e práticas rituais, eu acredito que não, que as religiões não devem ser, nesse sentido, respeitadas. Penso que o que temos que nos perguntar não é se as religiões devem ser respeitadas e sim se convém ou não aos indivíduos e às sociedades que as religiões sejam respeitas incondicionalmente. Porque não há atividade humana que possa ser exercida fora dos limites impostos pela civilização sem que haja prejuízo para os indivíduos e para as sociedades. Por isso para mim as religiões devem ser respeitadas apenas enquanto respeitarem esses limites, para além dos quais elas estarão ferindo direitos que não é justo admitir que sejam ignorados. A liberdade das religiões tem que ser restrita e condicionada, tal como deve ser a liberdade de todos os indivíduos e organizações em qualquer sociedade que reconheça a igualdade de direitos fundamentais entre os seus cidadãos. O direito de uns não pode afrontar o direito dos outros. Quando isso acontece configuram-se as injustiças.

As religiões são, via de regra, tradições milenares que trazem em seu bojo a prescrição de normas, costumes e rituais, não raro, incompatíveis com os avanços conquistados pelas sociedades contemporâneas no campo dos direitos e garantias individuais. Nem tudo o que as religiões pregam está de acordo com estes direitos e garantias. E muito frequentemente o que se vê nos templos é a difusão de preceitos que são mal disfarçadas apologias de crimes. Por outro lado, também não é nada raro que líderes religiosos dediquem-se a insuflar seus seguidores para verdadeiras guerras santas contra quem discorde do que eles pregam e a convencer-lhes a doar para as suas igrejas o que eles têm e o que eles não têm, com a promessa de recompensas ou com a ameaça de punições da providência ou justiça divinas.

Fundamentalismo religioso nada mais é do que a adesão apaixonada a uma tradição religiosa, com abstinência de qualquer juízo crítico e divorciada de qualquer parâmetro ético sintonizado com os valores de uma sociedade civilizada. A religião, no estado democrático de direito, não pode colocar-se acima da lei. E os seus preceitos, normas e rituais que estiverem em desacordo com qualquer um dos direitos humanos já reconhecidos pela sociedade devem sofrer severa censura e intransigente proibição, para desencorajar a sua difusão e a sua prática. 

A liberdade religiosa, como qualquer liberdade, não pode ser incondicionada e irrestrita porque fatalmente acaba atentando contra outras liberdades. Ela deve respeitar limites e ter, necessariamente, como parâmetros a lei e os valores civilizatórios vigentes em cada sociedade. Se as leis garantem direitos, as religiões não podem ignorá-los e atuar como se leis não houvesse. Conceder às religiões liberdade ilimitada é abrir caminho para o cometimento de abusos, que à luz das leis vigentes nas sociedades que reconhecem os direitos humanos constituem crimes, como tantas vezes se viu ao longo da história e até hoje por vezes se vê. A liberdade religiosa não pode ser licença para explorar e oprimir gente indefesa. Portanto, não pode ser absoluta, deve ter limites.

Silvio Melgarejo

18/06/2011
Revisado em 16/11/2020

sábado, 14 de novembro de 2020

O sectarismo da oposição de esquerda contra o PT

Texto publicado em alguma comunidade do Orkut em 12 de junho de 2011

Há uma diferença grande entre a crítica política qualificada e o sectarismo irracional e desinformado. A primeira, sempre acrescenta, venha de onde for. A segunda, venha de onde for, para nada serve, só atrapalha. O trotskista argentino, Nahuel Moreno, diz em seu livro “Problemas de Organização”: “Para avançar pelo caminho que nos propomos, temos um grande obstáculo: nosso sectarismo.” E assevera: “Ser sectário de um partido de milhões de votos e dezenas de milhares de ativistas é grave, porém muito mais compreensível. Porém, ser sectários de um partido com uns poucos milhares e que, no entanto, não tem influência de massas, é uma tragédia.” 

A oposição de esquerda espera tanto quanto a de direita pelo fracasso do governo Dilma. Mantém a mesma expectativa que alimentou durante todo o governo Lula. Lembro de ter recebido e-mail de um companheiro do PSOL festejando os possíveis impactos da crise econômica mundial no Brasil e por tabela na alta popularidade do então presidente. Teriam afinal um discurso e alguém disposto a ouvi-lo, a massa trabalhadora insatisfeita. Pois a crise afetou o Brasil muito menos do que imensa maioria dos países do mundo e rapidamente foi embora. A popularidade de Lula manteve-se intacta. E por uma razão óbvia. Os trabalhadores não se sentiram atingidos, ou se sentiram, entenderam que a crise veio de fora e que as medidas adotadas pelo governo foram as mais adequadas para enfrentá-la. 

A oposição de esquerda precisa ouvir o que dizem os trabalhadores antes de despejar sobre eles o seu discurso vazio, raivoso e amargurado. Dialogar é falar sobre o que se ouve. Se continuar assim, apenas torcendo pelo fracasso do governo, negando valor ao que tem valor evidente e sem apresentar alternativas ao que haja de errado, a oposição de esquerda vai continuar isolada e sem perspectiva real de crescimento. O Brasil precisa de uma oposição de esquerda forte. Mas não vai ter se a oposição de esquerda continuar com a postura sectária que tem tido em relação ao PT. Vejam bem: radicalismo não é o mesmo que sectarismo. O radical dialoga, o sectário, não. Porque o diálogo, que pretende persuadir e não derrotar, exige que se tenha tolerância. Tolerância para ouvir e contestar os argumentos de que se discorda, demonstrando as suas inconsistências, e não ignorando o que o interlocutor tem a dizer e o cobrindo de insultos. Quem não dialoga não convence ninguém. E acaba ficando sozinho.

Silvio Melgarejo

12/06/2011

Política que derrubou o consumo de tabaco derrubaria o consumo de outras drogas

Texto publicado em algum lugar no Orkut em 16 de maio de 2011

Antes de mais nada, quero deixar minha posição sobre esse assunto bastante clara. Eu sou a favor da legalização da maconha, da descriminalização do consumo de todas as demais drogas, da proibição de toda publicidade pró-consumo de drogas e do investimento pesado e continuado – tanto por parte do Estado como por parte da iniciativa privada – num programa de esclarecimento da população sobre os efeitos nocivos das drogas para a saúde física e mental dos usuários.

Existem três ordens de argumentos contrários ao uso de drogas mediante os quais pretende-se desestimular o seu consumo na sociedade. Há os argumentos de ordem legal, os de ordem moral e os de ordem cientifica.

Os argumentos de ordem legal, tratam usuários como criminosos e defendem que sejam penalizados. Os de ordem moral, tratam usuários como gente de mau caráter, merecedora de censura social e discriminação. Já os argumentos de ordem cientifica tratam os usuários de drogas como um grupo permanentemente ameaçado pelo risco de desenvolver enfermidades físicas e transtornos psiquiátricos.

De modo que os argumentos de ordem legal tentam impor-se pela força, os de ordem moral, pelo preconceito e os de ordem cientifica tentam impor-se pela razão.

Os argumentos de ordem legal tendem a falhar porque, não sendo o Estado onipresente, é sempre possível driblar a proibição. 

Os argumentos de ordem moral também tendem a falhar porque não convencem, a própria tradição bíblica diz que “o mal é o que sai da boca do homem”, não o que entra, portanto, ser ou não ser usuário de drogas não torna ninguém nem mais nem menos virtuoso. É bom lembrar que Jesus Cristo serviu vinho e não suco de uva em pelo menos duas situações relatadas nos evangelhos: as Bodas de Caná e a Última Ceia. 

Quanto ao argumento de que o consumo alimenta o tráfico, é um sofisma. O tráfico só existe porque o comércio de drogas é ilegal. Portanto a proibição é que cria e alimenta o tráfico. Por isso é difícil convencer o usuário de drogas de que ele é responsável pelo aumento da criminalidade decorrente das ações violentas das quadrilhas. Responsáveis são, na verdade, a hipocrisia e a ignorância dos que mantém as drogas mais demandadas na ilegalidade.

Já os argumentos de ordem cientifica são os tendem a ter maior efeito dissuasório. Porque a informação objetiva apela diretamente ao interesse do indivíduo em zelar por si mesmo, por sua saúde e pelo seu bem estar. Além disso, tudo que é obrigatório ou proibido gera resistência. 

Os argumentos de ordem legal e os de ordem moral tendem a falhar porque geram resistência ao desrespeitarem o direito do indivíduo de deliberar sem constrangimentos sobre o que fazer e o que não fazer com o seu próprio corpo.

Já os argumentos de ordem cientifica tendem a ter um resultado muito mais positivo porque respeitam o direito do indivíduo ao governo do seu próprio corpo, ao mesmo tempo que mostram-lhe os riscos a que estará sujeito, caso decida fazer uso de alguma droga.

O uso de drogas para fins não terapêuticos é tão antigo que nem se sabe exatamente quando e como teve origem; e é tão generalizado nas sociedades humanas que não se pode dizer sem falsear a verdade que seja modismo. É um costume que faz parte de todas as culturas e encontra-se em todas as épocas. Pretender acabar com algo tão fortemente arraigado e disseminado por via da proibição pura e simples, numa época em que se tem tanto apreço pela liberdade e tanto horror a qualquer forma de opressão, é o mesmo que lançar combustível à chama do desejo de transgredir.

A ignorância é a melhor amiga dos maus hábitos. A educação é a melhor aliada da saúde.

A melhor política de drogas é aquela que o Brasil vem desenvolvendo em relação ao cigarro. Desde 27 de dezembro de 2000, a propaganda de cigarros foi banida da televisão e do rádio pela lei nº 10.167. De lá para cá foi intensa a campanha de esclarecimento da população, sobre os males provocados pelo tabagismo, pelas grandes redes de TV e rádio. 

Não havia, até bem pouco tempo, consciência sobre os riscos de se fumar de modo indireto, da convivência do não fumante com o fumante, de respirar o ar carregado da fumaça produzida pelos cigarros de outrem. A divulgação dessa informação facilitou muito a adoção de medidas restritivas ao ato de fumar, visando à garantia legal do direito de não fumar, de não ser forçado a compartilhar do vício alheio. Neste caso, o consenso que se criou na sociedade foi o que possibilitou a ação dos legisladores na produção e aprovação de leis limitadoras dos espaços onde fumar é permitido. 

Se propaganda não desse resultado de venda, não se gastaria tanto em publicidade. Se desde o ano 2000 o consumo de cigarros vem caindo tanto como se observa, é porque desde o ano 2000 a propaganda de cigarros foi simplesmente proibida, de lá para cá só houve propaganda antitabagismo. Quem quer fumar, fuma, mas sabe o mal que faz a si mesmo. Se vai adoecer, se vai morrer de câncer, é algo que só ao indivíduo compete decidir se vale ou não correr o risco. Foi essa a linha adotada nas campanhas. E deu certo. O consumo de tabaco despencou sem que para isso se violasse o livre arbítrio do cidadão e sem que nenhum tiro tenha sido disparado. Ao invés de tratar o problema como questão de segurança pública, como fazem como a maconha e cocaína, trata-se como problema de saúde pública. No lugar de leis proibitivas e do moralismo hipócrita, dá-se ao povo informação objetiva. No lugar dos tiros, algemas e presídios, dá-se educação nas escolas e através das grandes mídias. É muito mais eficaz. Porque o cidadão que preza a sua liberdade, admite ser convencido, nunca tutelado.

Silvio Melgarejo

16/05/2011

sexta-feira, 13 de novembro de 2020

Política de drogas e a experiência da Lei Seca americana

Em alguma comunidade do Orkut, creio que numa chamada Direitos Humanos, em 15 de dezembro de 2007, eu publiquei o seguinte comentário num tópico em que se debatia a questão das drogas

"Como pode alguém pretender debater seriamente a questão da legalização ou proibição das drogas sem considerar a experiência americana da Lei Seca? Desde o início do tópico, li post por post e não vi uma referência sequer à 18ª Emenda, que durante 13 anos, desde 1920, deu poder e enriqueceu gangsters como Al Capone, transformou cidades como Chicago em verdadeiros campos de batalha entre quadrilhas de traficantes, até ser revogada em 1933 pelo então presidente, Roosevelt, por evidentemente trazer muito mais danos do que benefícios à sociedade americana. Precisamos falar sobre a Lei Seca dos Estados Unidos. Tudo que aconteceu lá enquanto ela esteve vigente acontece hoje por aqui, provocado pela criminalização da maconha e cocaína."

Silvio Melgarejo

13/11/2020

quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Bolsonaro, o messias que salvou e serve à direita, mas a constrange

Havia no extinto Orkut uma comunidade chamada Direitos Humanos que eu frequentava muito assiduamente, atraído pela importância dos temas e pela riqueza dos debates que vez por outra surgiam por lá. Eu acompanhava esses debates com muito interesse e satisfação, aprendia muito e sentia-me verdadeiramente estimulado a refletir sobre o que era dito. Muitas vezes parecia não haver nada mais a ser dito, por ter-se desenvolvido argumentações e chegado a conclusões que me pareciam satisfatórias. Por isso em raras ocasiões senti a necessidade de manifestar uma opinião. E uma dessas raras ocasiões foi quando li o texto que reproduzo ao fim deste post, intitulado "A esquerda ama Bolsonaro, Olavo de Carvalho & Cia", cujo autor era o dono mesmo daquela comunidade, Artur Dogbert. 

Em 11 de abril de 2011, eu publiquei um comentário a esse texto dele, sob o título "O messias virá!!! Será?!!!!". O texto de Artur fez-me pensar sobre linguagem e motivações políticas e sobre a dificuldade de uma parte da direita de assumir-se de direita. Vi ali a retórica típica da direita envergonhada, que tenta proteger-se da exposição indesejada negando valor aos conceitos de esquerda e direita, que desde a Revolução Francesa tem sido usados nos discursos políticos e nos discursos sobre a política. Tudo para não ser reconhecida como direita. Artur expressa claramente o desejo de que surja no Brasil "um ideólogo sério e ponderado que organize uma direita combativa, sóbria e respeitável". Seria uma espécie de messias salvador da direita que ele chama de "séria". 

Só que sete anos depois, em 2018, a direita "séria" de Artur, impopular e sem votos, ajudaria a eleger presidente da república Jair Messias Bolsonaro, um homem que no seu texto ele disse fazer parte de "um grupo espertalhão histriônico que aglutina os direitosos mais toscos e ocupa um espaço na mídia que envergonha a direita séria e dificulta tremendamente a organização de uma direita combativa, sóbria e respeitável". Pois foi exatamente um desses "espertalhões histriônicos" que a direita séria de Artur veio a reconhecer na eleição presidencial de 2018 como messias salvador. E ele de fato a livrou de mais uma derrota para um candidato do Partido dos Trabalhadores. 

O messias da direita veio. É combativo. Mas é tosco, truculento e não tem nada de sóbrio e responsável. E a tal direita séria de Artur, que já relutava em assumir ser direita, agora também constrange-se pela forma desavergonhada e grosseira como o seu representante na presidência da república, do qual depende para proteger seus interesses, vocaliza o que ela verdadeiramente pensa e diz na intimidade, longe dos olhos e ouvidos do povo.

A seguir, o meu comentário e logo abaixo o texto de Artur Dogbert.

Silvio Melgarejo

10/11/2020

O messias virá!!! Será?!!!!

Dogbert.

No post de abertura deste tópico, você cita as três correntes ideológicas que vê nas disputas políticas. Cita dois tipos de direita: a ‘direita tosca’ e a ‘direita séria, ponderada, combativa, sóbria e respeitável’. E no campo oposto, curiosamente, um só tipo de esquerda: a ‘esquerda malandra’. Nenhuma menção a uma esquerda ‘séria, ponderada, combativa, sóbria e respeitável’. Por que? Só a direita tem gente digna desses adjetivos?

Você diz que a ‘direita tosca’ envergonha ‘a direita séria e dificulta tremendamente a organização de uma direita combativa, sóbria e respeitável’. Como você sabe que há uma direita séria e que ela se envergonha de sua facção mais sincera, transparente e animada?

Você diz ainda que ‘o surgimento de um ideólogo sério e ponderado que organize uma direita combativa, sóbria e respeitável é tudo que a esquerda malandra não quer’. Fala isso com tanta convicção e sentimento que parece desejar ardentemente o surgimento do tal ideólogo e acreditar na respeitabilidade de algum postulado da direita ainda não enunciado pelos direitistas toscos. Que postulado seria esse?

Meu amigo, francamente, você parece mais incomodado com a ausência de verniz do que com a podridão da matéria que o verniz reveste. A direita elegante e culta não é menos direita que a direita tosca e histriônica. É, certamente, mais habilidosa, ardilosa, sutil e dissimulada, e, por isso, mesmo, ainda mais perigosa que a outra. Mas, em todo o mundo, defendem, as direitas, as mesmas abomináveis teses.

Neutralidade política não é a mesma coisa que nulidade política. Nas disputas políticas, o neutro sempre serve, mesmo involuntariamente, a algum dos lados. Há quem não saiba disso. Mas tem muita gente que apenas finge, por pudor, não saber a quem e a que propósitos está servindo com sua neutralidade.

Você diz que não é de direita, nem de esquerda. Há, no entanto, em seu discurso, uma generosidade maior com a direita, em quem você reconhece virtudes que não identifica na esquerda, chamada de malandra, além de expressar a esperança do surgimento de um providencial apóstolo da boa direita ou da direita do bem, que não dirá asneiras como os atuais arautos da direita tosca.

Fica claro, portanto, pelo seu discurso, que você reconhece a direita como portadora de contribuições importantes para a sociedade, que os incompetentes da direita tosca e histriônica são incapazes de traduzir e que o tal ideólogo sério, sóbrio, ponderado e respeitável, anunciaria do alto de todas a suas ilimitadas e elevadas virtudes. 

Então, eu te pergunto: o que ele diria, afinal, se existisse, ou se você preferir, o que dirá quando vier? Que contribuição a direita teria a dar à sociedade que ainda não foi revelada pelos seus mais ardentes e comprometidos arautos? Isso!!! Vamos deixar de lado os rótulos e os adjetivos, e vamos tratar de conceitos. O que é, afinal, pra você, direita e esquerda? O que define, o que distingue, essencialmente, uma de outra, na sua opinião? 

Como admitir que Jair Bolsonaro, Olavo de Carvalho, Diogo Mainardi, Reinaldo Azevedo e Júlio Severo, não sejam representantes da direita, se não se tem uma definição precisa do que seja direita? Como admitir, pela mesma razão, que a direita tenha algo a oferecer diferente daquilo que vendem os seus mais reconhecidos expoentes?

Espero que não se ofenda, Dogbert, afinal você diz não gostar de rótulos. Não quero rotulá-lo, só entender o que você pretende com este tópico. O seu discurso sugere que você sabe de alguma coisa sobre a direita, que nem a esquerda, nem a direita tosca, conhecem. O que é? Que direita é essa que por pura modéstia, guarda virtudes ocultas que se reveladas mudariam a imagem que a sociedade tem dela e que ela própria tem de si mesma?

Também tenho a impressão de que na discussão política fala-se muita besteira. Mas acho que essa impressão decorre do fato de que cada um atribui um significado diferente às palavras que usa pra montar o seu discurso. Assim origina-se um sem número de mal-entendidos e incompreensões. Na falta de conceitos claros, recorre-se aos adjetivos elogiosos ou depreciativos, conforme o caso. Daí para os xingamentos não falta muito. Apesar disso, não vejo ninguém muito disposto a tentar jogar luz nessa confusão, criando, por exemplo, um pequeno glossário, em que se defina o que é esquerda e direita, para a direita, e o que é esquerda e direita, para a esquerda. Desse modo, penso que se poderia fazer uma leitura mais exata dos discursos produzidos por oradores e escritores pertencentes a uma ou outra daquelas duas correntes que se opõem.

As palavras têm os significados que lhes atribuímos. Mas pra que haja boa comunicação é indispensável que todos os que as vão usar estejam cientes e de acordo quanto aos seus significados. A política é, talvez, a atividade humana em que mais se ignora esse imperativo da comunicação. E esse me parece ser o maior obstáculo ao desenvolvimento de debates produtivos, ao avanço de reflexões que poderiam tornar mais claras as diversas concepções políticas existentes em nossa sociedade. É preciso que o discurso político seja menos retórico e eloquente e mais didático e reflexivo, que fale antes à razão do interlocutor do que à sua sensibilidade emotiva, que toque mais a sua inteligência do que aos seus sentidos, que seja talvez menos excitante porém mais esclarecedora.

Isso não quer dizer que a política deva ser feita só com a cabeça. Até porque isso é impossível. Política se faz com o coração. Digo isso porque, pra mim, em cada posicionamento político que temos, revelamos o que o outro representa pra nós, o quanto o reconhecemos como portador ou não de direitos, o quanto reconhecemos no outro a mesma humanidade que sentimos em nós. Pois é isso mesmo, essa diferença de atitude, que distingue a esquerda da direita. A razão, na política, pode estar a serviço da opressão ou da liberdade, da exclusão ou da inclusão, do egoísmo ou da solidariedade, do ódio ou indiferença ou do amor. A razão é apenas instrumento do bem ou mal querer de cada um pelo seu próximo. A direta a usa de uma forma, a esquerda, de outra. Os fins que as animam as definem e as distinguem uma da outra. Os fins da esquerda, a esquerda revela, são declarados, por corresponderem aos anseios do povo. Os da direita, ao contrário, a direita esconde, são dissimulados, porque ao povo desagradariam. A direita precisa ser hipócrita, porque se for autêntica não ganha eleição. Ela tem que mentir, senão não tem chance, o povo não vota. Bolsonaro é só um pouco menos hipócrita do que FHC, Alckim ou José Serra. Na prática, todos defendem os interesses da mesma classe, a classe dominante na sociedade, a classe dos ricos: a burguesia.

Silvio Melgarejo

11/04/2011
Revisado em 12/11/2020

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O TEXTO COMENTADO

A esquerda ama Bolsonaro, Olavo de Carvalho & Cia.

Jair Bolsonaro e Olavo de Carvalho não são homens de direita. Da mesma forma, não são homens de direita Diego Mainardi, Reinaldo Azevedo e Júlio Severo. Essa turma é um grupo espertalhão histriônico que aglutina os direitosos mais toscos e ocupa um espaço na mídia que envergonha a direita séria e dificulta tremendamente a organização de uma direita combativa, sóbria e respeitável.

Tudo que a esquerda malandra quer é que Jair Bolsonaro, Olavo de Carvalho, Diogo Mainardi, Reinaldo Azevedo e Júlio Severo continuem vomitando as asneiras de sempre e atraindo manifestações de repúdio, gerando centenas ou milhares de artigos raivosos na blogosfera, sendo moralmente massacrados no Orkut, tendo que responder a inúmeros processos (ou tentativas de processo) e reagindo histrionicamente em nome da liberdade de expressão. Panes et circences.

O surgimento de um ideólogo sério e ponderado que organize uma direita combativa, sóbria e respeitável é tudo que a esquerda malandra não quer. Se não existissem Jair Bolsonaro, Olavo de Carvalho, Diogo Mainardi, Reinaldo Azevedo e Júlio Severo, a esquerda malandra confiaria a tarefa de bancar o pseudo-direitista histriônico a meia dúzia de seus mais leais representantes, que seriam regiamente recompensados por cumprir o papel de Boneco de Judas, aqueles bonecos da tradição quase extinta de malhar ou queimar Judas no Sábado de Aleluia.

Aliás... pensando bem... considerando a intensidade e freqüência que esse pessoal posta coisas completamente sem noção... considerando que eles não somente não aprendem nada com todos os interlocutores ponderados que os abordam mas ainda preferem polemizar e polarizar o debate com os mais barulhentos... considerando que a estratégia de radicalizar um debate é extremamente eficiente para aniquilar as chances de o bom senso preponderar... será mesmo que esses caras não são pagos pela esquerda só para achincalhar e trollar a organização da direita?

1) Eu não sou de direita. Nem de esquerda. Nem de centro. Nem sou necessariamente a favor ou contra qualquer coisa. Eu penso com meu próprio cérebro, não com rótulos, não com meu diploma, não com o título do meu cargo, não com a bênção deste ou daquele indivíduo ou grupo. Eu sou meu próprio ideólogo, posso concordar ou discordar livremente de algo dito pelo mais histriônico dos ultra-direitistas, pelo mais histérico dos ultra-esquerdistas ou pelo mais ponderado dos centristas, tudo depende do que *eu* considerar correto ou incorreto após a devida análise, entendimento e ponderação.

E, por sinal, "ponderação" não significa "contemporização". Ponderação é uma parte do processo de avaliação de uma idéia, quando se mede prós e contras, vantagens e desvantagens, consistência lógica e desejabilidade, para assumir um posicionamento consciente e bem informado, que pode ser moderado ou contundente. Ah, sim, eu sei que o Aristocles estava brincando, mas aproveitei a deixa.

2) Tem um trecho do texto do "makako kaos" que eu assino embaixo: 

"O que assusta é a quantidade de retardados que aderem a causas ridículas. Isso sim apavora. Um bolsonaro não faria mais do que nos divertir em uma mesa de bar, não fosse o apoio que ele tem. Como ele representa, infelizmente, uma parte da população, é melhor mesmo que ele tenha voz e que as questões sejam debatidas, do que calar o idiota e transforma-lo em mártir, vítima e assim legitimar suas demandas. É útil também como identificador. Quando alguém cita olavos, bolsonaros e afins em uma conversa, já sabemos exatamente o que esperar e com que nível de intelectualidade estamos lidando, o que evita desgaste e perda de tempo.".

Grande verdade. Como eu queria desenvolver melhor esta habilidade.

Artur Dogbert, 11/04/2011