sexta-feira, 26 de outubro de 2018

PT deve ser o fermento das mobilizações sociais por liberdade, democracia e direitos.

Quanto mais nos adaptamos às instituições do Estado dos ricos, mais nos tornamos estranhos para os pobres que queremos liderar e representar.

Estação ferroviária de Sampaio, zona norte do Rio de Janeiro/RJ
A apenas dois dias do 2º turno da eleição mais dramática da história brasileira é impossível prever com segurança qual será o resultado. Mas uma coisa é certa: haverá 3º turno e ele não será decidido nas urnas, nem nos tribunais de justiça, será decidido nas ruas. De modo que a capacidade de mobilização social das forças políticas em disputa é que determinará o resultado final deste pleito. Com minoria no Congresso, Haddad eleito só conseguirá governar se for sustentado por vigorosas e permanentes mobilizações sociais de apoio ao projeto nacionalista, popular e democrático que representa. Com maioria no Congresso, Bolsonaro eleito só poderá ser contido em sua sanha autoritária, violenta e persecutória se for confrontado, derrubado e destruído politicamente por vigorosas e permanentes mobilizações sociais de contestação à legitimidade do seu governo e de oposição ao projeto verdadeiramente nazista, antidemocrático, antinacional e antipopular com que está comprometido. Esta é a única certeza que os petistas podem ter. De que, ganhando ou perdendo esta eleição, vai ser absolutamente necessário organizar e mobilizar a classe trabalhadora para o confronto com a burguesia e o fascismo. Mas como mobilizar os trabalhadores?

Alguém já viu massa de bolo crescer sem fermento? O fermento é o agente que, em condições adequadas, provoca as reações químicas ou biológicas que fazem com que a massa do bolo cresça. De modo análogo, as massas trabalhadoras também precisam de um fermento que as agite por dentro e provoque reações sociais de adesão à organização e mobilização para o combate político. Este fermento capaz de fazer com que a massa trabalhadora de um país se movimente e cresça como força política é a vanguarda da própria classe organizada em partidos, sindicatos e outras formas de associação para a luta coletiva direta.

No Brasil, o PT nasceu pretendendo ser fermento das mobilizações populares. Mas encantadas pelas promessas da burguesia de uma democracia sem luta, construída apenas no interior dos palácios dos governos e parlamentos, as direções do PT abandonaram este propósito e passaram a conduzir o PT como um partido meramente eleitoral, dedicado apenas à conquista de mandatos para a representação dos trabalhadores naquelas instituições do Estado. O PT renunciou, portanto, ao papel de fermento das mobilizações dos trabalhadores e, infelizmente, nenhum outro partido de esquerda conseguiu até hoje desempenhar esta função.

De modo que no Brasil hoje a classe trabalhadora tem representação política, mas não tem liderança para a luta coletiva direta, em que atue como representante de si mesma no embate físico com a classe capitalista e seu Estado. Falta o partido-líder, que seja o agente indutor e condutor da mobilização social para o confronto.

Mas chegou o momento disso mudar, tem que ser agora. As ilusões de Lula e dos dirigentes do PT já tem custado muito caro a eles mesmos, ao partido e sua militância, assim como ao conjunto da classe trabalhadora. São pessoas inteligentes, estes companheiros, não é possível que não consigam tirar lições de tantas experiências mal sucedidas, de escolhas políticas equivocadas que resultaram em frustrações, derrotas e perdas dramáticas. Não é possível que depois de tanta dor e sofrimento ainda persistam nos mesmos erros e que se mantenham surdos aos alertas e apelos de tantos militantes.

Não se constrói democracia só com eleições, ações de governo e disputas parlamentares e judiciais. Lula e os dirigentes do PT não podem mais insistir nesta concepção de democracia que nos afasta, como partido, do povo em seu dia a dia sofrido.

Quanto mais nos adaptamos às instituições do Estado dos ricos, mais nos tornamos estranhos para os pobres que queremos liderar e representar.

A maior parte dos trabalhadores não consegue sequer nos distinguir dos partidos burgueses, porque a adaptação ao regime oligárquico nos tornou semelhantes a eles. Somos vistos tanto quanto os partidos burgueses como apoiadores e beneficiários da ordem social injusta e perversa que os penaliza.

Nosso discurso e nossa prática política não ajudam os trabalhadores a enxergarem e entenderem a realidade do antagonismo entre os interesses das classes, como estes interesses se expressam nas disputas políticas e sobretudo ao lado de quem verdadeiramente estamos nestas disputas, a quem realmente servimos, a quem representamos.

Nosso discurso e nossa prática política não esclarecem, confundem. Porque somos dúbios, prometemos mudanças mas defendemos a ordem que impede as mudanças. Exatamente como fazem os partidos burgueses, aos quais nos aliamos muitas vezes, a despeito de serem inimigos nossos e da classe trabalhadora, sem demarcarmos com nitidez as diferenças que nos separam. Razão pela qual, aos olhos do povo somos "todos amiguinhos", como disse o Cabo Daciolo num debate.

O rapper Mano Brown criticou duramente este distanciamento e estranhamento entre o Partido dos Trabalhadores e os trabalhadores no Comício da Virada da campanha de Fernando Haddad, em 23 de outubro, nos Arcos da Lapa, Rio de janeiro. Ele disse às 70 mil pessoas presentes:
"Boa noite
Bom, eu vim aqui representar a mim mesmo, não vim representar ninguém, certo?
Eu não gosto do clima de festa.
A cegueira que atinge lá, atinge nós também.
E isso é perigoso.
Não tá tendo motivo pra comemorar.
Tem, sei lá, quase trinta milhões de votos pra alcançar aí.
Não temos nem expectativa nenhuma pra alcançar, pra diminuir essa margem.
Não estou pessimista, sou realista.
Eu não consigo acreditar que pessoas que me tratavam com tanto carinho, pessoas que me respeitavam, me amavam, que me serviam o café de manhã, que lavavam meu carro, que atendiam meu filho no hospital, se transformaram em monstros, eu não posso acreditar nisso. Essas pessoas não são tão más assim.
Se em algum momento a comunicação do pessoal daqui [Haddad e o PT] falhou, vai pagar o preço, porque a comunicação é a alma.
Se não tá conseguindo falar a língua do povo, vai perder mesmo, tio. Certo?
Falar bem do PT pra torcida do PT é fácil.
Tem uma multidão que não tá aqui que precisa ser conquistada.
Ou a gente vai cair no precipício.
E eu tinha jurado pra mim mesmo nunca mais subir em palanque de ninguém.
Porque política não rima, não tem swing, não tem balanço, não tem nada que me interesse. Eu gosto de música.
Mas eu tô vendo casais se separando, amigos de 35 anos deixando de se falar. Tenho amigos...
[algumas vaias]
Se eu puder falar vai ser bom, também senão der, vou parar, já era e foda-se. Certo?
Tenho amigos que eu já não tenho mais como olhar no rosto deles. Por causa de política. Certo?
Não vim pra ganhar voto. Porque eu acho que já tá decidido.
Agora, se falhou, vai pagar, quem errou vai ter que pagar mesmo. Certo?
Não gosto do clima de festa.
O que mata a gente é a cegueira e o fanatismo.
Deixou de entender o povão, já era.
Se nós somos partido dos trabalhadores, partido do povo, tem entender o que o povo quer.
Se não sabe, volta pra base e vai procurar saber.
E as minhas ideias é essa. Fechou."
Concordo com Mano Brown. A maioria dos eleitores de Bolsonaro não é má como ele, vai votar enganada, porque não foi educada politicamente para compreender o que ele representa e o que nós representamos. E isto é culpa nossa mesmo, dos petistas, porque era indiscutivelmente nossa esta responsabilidade de educar politicamente o trabalhador, já que somos nós o partido dos trabalhadores e porque fomos nós que governamos este país na última década. Nós realmente não educamos politicamente o povo para a conquista de uma verdadeira democracia e para imunizá-lo contra o veneno da propaganda direitista, neoliberal e fascista, embora não nos tenham faltado meios para isso. Pois precisamos fazê-lo agora com os meios que temos, que não são poucos, já que somos um partido de massas.

Mas, ao contrário de Mano Brown e da maioria dos que leio e ouço, não faço prognósticos sobre a eleição. Penso e me preparo para o dia seguinte, para o 3º turno, porque a ocorrência dele é a única certeza possível. Se perdermos temos que lutar para derrubar um governo nazista. Se ganharmos temos que lutar para sustentar um governo democrático e defendê-lo contra as tentativas de golpe, que certamente virão. A necessidade da mobilização social nunca foi tão grande, tão urgente e tão evidente. Por isso o PT e toda sua militância já deveriam estar se preparando para ela. Mais do que nunca, o PT precisa ser o fermento das mobilizações populares. Porque não há direito que se reconheça, lei que se cumpra ou voto que se respeite sem força social que os imponha pelos meios que forem necessários. Porque o que derruba ditadura é a afronta permanente das massas à autoridade do governo tirano. E porque liberdade, democracia e direitos só podem ser conquistados e preservados pela mobilização permanente das massas impondo a sua vontade aos governos e parlamentos eleitos.

Domingo vamos votar. Mas o nosso voto não vai ser suficiente para dar novo rumo ao Brasil. No dia seguinte será preciso lutar de um jeito que nunca lutamos: coletivamente, organizadamente e diariamente. Os dirigentes do PT precisam se conscientizar desta necessidade para exercerem junto aos filiados do partido uma liderança que até hoje nunca exerceram. Terão que fazer trabalho de base sistemático junto a todos eles e impor aos diretórios que comandam uma forma de funcionamento que lhes permita e estimule a participação em suas atividades, conforme os talentos e vocações, conhecimentos e habilidades, disposições e disponibilidades de cada um. Tudo isso para transformar o PT numa verdadeira máquina de organizar e mobilizar multidões para o combate político nas ruas. Porque só através da mobilização social permanente e em grande escala é que vamos ter força política para derrotar o fascismo e construir no Brasil uma verdadeira democracia.

Haddad presidente.

Liberdade para Lula.

Fora Bolsonaro.

E abaixo a ditadura.

Silvio Melgarejo

26/10/2018

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Discurso do rapper Mano Brown no Comício da Virada da campanha de Fernando Haddad, em 23 de outubro nos Arcos da Lapa, Rio de janeiro.

segunda-feira, 22 de outubro de 2018

Bolsonaro é o AI-5 da ditadura camuflada.

General Etchengoyen: é ele quem governa, não Temer.
O atual regime político do Brasil, vigente pelo menos deste o golpe de Estado de 2016, é semelhante ao regime dos quatro primeiros anos da ditadura militar iniciada com o golpe de 1964. E a eleição de Bolsonaro ou um novo golpe que destitua Haddad eleito representariam exatamente o mesmo que representou o AI-5 de 1968, que foi o marco inaugural de uma forma mais violenta de ditadura, com restrições mais severas ao exercício da liberdade, dos direitos políticos e até dos direitos humanos.

Já há uma transição, na verdade, o regime está em plena metamorfose. É visível a submissão do Executivo e do Judiciário ao Exército. Os generais já comandam estes poderes de forma dissimulada, ocupando cargos muito próximos do presidente da república e do presidente do Supremo, que lhes permitem manter sobre eles um discreto mas total controle e tutela. Se não assumem publicamente o poder que já exercem é apenas porque esperam a legitimação das urnas, com a eleição do seu candidato, Bolsonaro, o que está muito próximo de acontecer. O Brasil já é, portanto, uma ditadura a caminho do recrudescimento.

Percebo, no entanto, que há muita resistência em se caracterizar o atual regime como ditadura. Eu não hesito em dizer que é, não tenho dúvida. Os que discordam de mim, os que acham exagero, que banalizo o emprego do termo, devem ter certamente um conceito de ditadura diferente do meu. Ditadura, para mim, é o estado de exceção que tem por objetivo primordial derrotar, aniquilar e inviabilizar a oposição política. Para entender o que é estado de exceção, é preciso saber o que é regime constitucional e estado de direito. As definições destes termos, que reproduzo abaixo, fazem parte do texto "Alguns conceitos políticos básicos", publicado neste blog em 10 de setembro.

Regime constitucional é o regime político em que o Estado atua conforme as normas de uma constituição que limita o seu poder, estabelecendo como direitos fundamentais e inalienáveis de todo cidadão um conjunto de garantias e liberdades. O regime constitucional é o "governo das leis" em oposição ao "governo dos homens", que reconhece e garante os direitos fundamentais do cidadão e o protege dos abusos do Estado.

Estado de direito é o modo normal e ideal de operação do regime constitucional, em tempos de paz e ausência de instabilidades sociais e políticas de maior gravidade. É, indiscutivelmente, um atributo importante do regime político democrático. Mas não é a sua essência. A essência da democracia, como já dito, é o comando da administração do Estado pela classe trabalhadora. Isto significa que onde há estado de direito não há, necessariamente, estado democrático. São coisas distintas e uma não garante a outra. Se assim não fosse, aliás, não haveria porque falar-se em estado democrático de direito, este conceito seria uma redundância.

Estado democrático de direito é o regime político em que a atuação do Estado é regida por uma constituição e por leis – o que caracteriza um estado de direito – concebidas pelo povo, através dos seus representantes – o que caracteriza um estado democrático.

Estado de exceção é o modo excepcional de operação do regime constitucional, caracterizado pela suspensão - declarada ou não declarada, prevista ou não em norma constitucional, regulada ou não por lei ordinária - do estado de direito, isto é, da vigência plena da regra definidora do regime constitucional, que é o cumprimento integral das leis e da constituição do país pelo Estado, sobretudo no que tange às garantias e liberdades fundamentais dos cidadãos, em razão de crise grave que comprometa fortemente a ordem e a segurança públicas e que represente ameaça inequívoca à integridade e à soberania do Estado sobre o seu território, como nas situações de guerra ou de convulsões sociais.

O estado de exceção é a ausência ou o oposto do estado de direito. Nele a autoridade do governante ou do agente estatal sobrepõe-se à autoridade da constituição, em certos casos com o consentimento da própria constituição, para defendê-la, razão pela qual já foi chamado por alguns teóricos de ditadura constitucional. No estado de exceção amplia-se o poder do governante sobre os governados mediante a supressão parcial ou total das liberdades e garantias que as leis e a Constituição lhes asseguram. É o "governo dos homens" em oposição ao "governo das leis", o poder ilimitado do Estado sobre os cidadãos destituídos de direitos.

O estado de exceção torna a circunstância vivida e determinados eventos, condutas, pessoas, organizações ou grupos sociais exceções às regras estabelecidas no ordenamento jurídico de um país. Isto significa que na sua vigência, um determinado conjunto de leis e normas constitucionais continua válido para todas as circunstâncias, eventos, condutas, pessoas, organizações e grupos sociais exceto para aquelas circunstâncias, eventos, condutas, pessoas, organizações e grupos sociais definidos pelo Estado como alvos.  Significa que, na sua vigência, têm seus direitos respeitados todos os cidadãos exceto os considerados inimigos pelo Estado ou, mais especificamente, por aqueles que sobre o Estado exercem comando. O estado de exceção é, portanto, na prática um estado de guerra contra um inimigo interno, que é destituído dos seus direitos para mais facilmente ser subjugado e aniquilado pelo Estado.

Voltando então ao conceito de ditadura, eu disse que Ditadura, para mim, é o estado de exceção que tem por objetivo primordial derrotar, aniquilar e inviabilizar a oposição política. Pois não é isto mesmo que estamos vendo acontecer desde antes até do golpe que derrubou Dilma? E então? Estamos ou não estamos já sob uma ditadura? Alguém há de questionar: mas que importância tem isso, se há ou não ditadura, quando estamos em plena campanha para eleger um novo governante? Aí é que está. Quem pode confiar na lisura de uma eleição comandada por instituições que não respeitam mais as leis e a constituição do país? Por isso é importante saber se estamos ou não sob uma ditadura. Para que não alimentemos ilusões quanto às chances reais do nosso candidato e para que não nos surpreendamos com a provável vitória do candidato dos militares. Porque são eles, os militares, que já comandam o país à margem da lei e porque são eles, os militares, que à margem da lei estão comandando a eleição presidencial.

Silvio Melgarejo

22/10/2018

(revisado em 23/10/2018)

domingo, 21 de outubro de 2018

O que é o antipetismo e como combatê-lo.

Não é possível combater o antipetismo sem contestar com vigor e persistência a legitimidade de todos os atos judiciais ilegais e inconstitucionais que embasam a falsa narrativa de que o PT assaltou o erário e sem denunciar a má fé dos autores destes atos e das instituições que os validaram.


Antipetismo é a intolerância contra o PT e os petistas e a corrente de opinião pública e tendência política caracterizada por esta atitude. O antipetismo não é uma força política homogênea. Ele é formado por um núcleo duro essencial, ativo e politicamente indestrutível, e por uma massa social passiva e instável aderente a este núcleo mas de natureza distinta dele. O núcleo fundamental do antipetismo é formado por pessoas que abominam o ideal da esquerda de uma sociedade em que haja igualdade de direitos, de poder, de renda e de riqueza e que vêm o PT como o maior representante e agente da luta por este ideal. Este grupo, bastante numeroso mas minoritário na sociedade - cerca de um terço da população, talvez -, constitui a direita, que tem por sua vez como núcleo a classe capitalista, dos ricos, chamada burguesia, em torno da qual reúnem-se elementos da classe media e mesmo da classe trabalhadora que sonham com uma ascensão na hierarquia das classes para ter acesso aos privilégios que não desaprovam, invejam. Toda direita é antipetista e jamais deixará de sê-lo. O antipetismo de direita é o herdeiro genuíno no Brasil do velho anticomunismo da Guerra Fria, expressão política mais perfeita e inequívoca do egoísmo e ganância social, sobretudo das classes abastadas.

Uma outra vertente do antipetismo é formada por pessoas que, ao contrário dos antipetistas de direita, consideram o PT um obstáculo à realização do ideal que defendem da igualdade de direitos, de poder, de renda e de riqueza na sociedade. Acham que o PT é um partido contrarrevolucionário e pelego, por isso o rejeitam. Este grupo é muito pequeno e constitui a esquerda antipetista, que na maior parte dos casos pode deixar de ser antipetista se observar mudanças na atitude e na estratégia política do PT, considerada excessivamente amigável com a classe capitalista e portanto inadequada para a conquista dos seus objetivos.

Mas o discurso antipetista predominante na sociedade não é nem a crítica da direita ao igualitarismo do PT nem a crítica de alguns setores da esquerda ao papel que o PT desempenha na luta por igualdade. O discurso antipetista predominante na sociedade tem sido, há mais de uma década, a imputação ao PT de crimes de corrupção em série e de grande magnitude. É com este discurso que a direita vem se apresentando à classe trabalhadora e à classe média como defensora da probidade e do bem público e tem conseguido expandir-se, ampliando artificialmente o seu contingente de seguidores. Digo artificialmente porque estes setores que se alinham com a direita contra o PT movidos pela ideia de que o PT é um partido corrupto não são ganhos na maior parte dos casos para o ideal que efetivamente define a direita, que é o ideal da preservação das desigualdades e privilégios e a legitimação das relações de opressão que as engendram. Estes setores alinham-se à direita apenas circunstancialmente, não se tornam direita efetivamente. Por razões morais ou econômicas, os trabalhadores e a classe media têm realmente uma forte tendência ao alinhamento com a esquerda. Mas acabam muitas vezes desconsiderando o papel político virtuoso que, de um ponto de vista de esquerda, o PT efetivamente desempenha porque toda a sua atenção é atraída para os atos de corrupção atribuídos ao partido por uma ampla, intensa e permanente propaganda da direita, cujo efeito cumulativo em suas consciências é tanto maior quanto menor é a contestação que recebe, menos enfática, frequente e sobretudo menos convincente.

A pauta do combate à corrupção sempre foi usada pela direita ao longo da história como um biombo atrás do qual a direita esconde os seus reais propósitos antipopulares, antidemocráticos e antinacionais. É uma fachada. Não é atoa que a direita faz deste tema a sua principal bandeira, ao lado do tema da segurança pública, em todas as suas campanhas eleitorais. E não é por acaso também que tanto o golpe de Estado abortado pelo suicídio de Getúlio quanto os golpes de Estado que derrubaram Jango e mais recentemente Dilma Rousseff, não é mera coincidência que todos estes atentados contra o estado de direito tenham sido perpetrados pela direita a pretexto exatamente de combater a corrupção dos governos de tendências esquerdistas que tinham como alvos. A direita sempre acusou a esquerda de corrupta e a esquerda nunca foi capaz de responder adequadamente aos ataques sofridos, o que desde sempre tem-lhe custado muito caro, como se pode ver até os dias de hoje.

A imputação de graves crimes de corrupção ao PT é realmente o único discurso capaz de massificar a tendência antipetista na sociedade e até torná-la majoritária. Desde, é claro, que o PT se mantenha passivo e resignado ante as acusações que sofre, como infelizmente tem se mantido, reagindo apenas muito recentemente, em um único caso, quando Lula virou alvo e terminou sendo atingido. Mas aí já era tarde, o estrago já estava feito e, talvez, exatamente por isso a mobilização em defesa de Lula tenha se mostrado tão mais difícil do que a princípio se esperava que pudesse ser. A credibilidade do PT já estava muitíssimo comprometida enquanto a credibilidade das instituições que condenaram o partido mantinha-se intacta, em níveis muito elevados. A direita conseguiu colar na imagem do PT a fama de corrupto e esta percepção se generalizou na sociedade.

Mas será mesmo verdade que o PT é este partido corrupto que dizem? Um olhar mais atento sobre os processos judiciais penais contra petistas citados na propaganda que cria e alimenta esta crença na sociedade permite que se veja que não. É verdade que estes processos terminaram com as condenações dos acusados. Mas é verdade também - e é isto o que a leitura dos processos revela - que a quase totalidade das sentenças condenatórias proferidas deu-se à margem do princípio moral e norma constitucional e legal de que ninguém pode ser condenado sem provas cabais e inequívocas de sua culpa. Quase todos os petistas condenados em processos judiciais por corrupção o foram sem a devida observância deste preceito, ou seja, foram condenados sem provas de culpa e em certos casos até com a flagrante e deliberada desconsideração ou mesmo com a solerte ocultação pelos juízes de provas de inocência apresentadas por seus advogados ou pelos órgãos de investigação atuantes nos inquéritos que deram origem às ações penais. São inocentes, portanto, já que nada se provou contra eles. E no entanto a maioria das pessoas acredita que sejam culpados.

Como já dito, o efeito cumulativo da propaganda antipetista na consciência dos trabalhadores é tanto maior quanto menor é a contestação que esta propaganda recebe. Na presente campanha eleitoral, a total falta de combatividade do candidato petista Fernando Haddad que, mesmo sob um bombardeio de calúnias e mentiras, insiste num discurso de pacificação e conciliação com os algozes do PT - não por acaso, inimigos da classe trabalhadora -, segue o mesmo padrão de atuação do PT que permitiu e favoreceu à disseminação e exacerbação da desconfiança e do ódio contra o partido na sociedade. O antipetismo, que vimos em 7 de outubro triunfar mais uma vez na disputa eleitoral para os parlamentos e que por um tris não elegeu em primeiro turno um presidente da república nazista; este antipetismo, que tanto fortalece a direita, porque a unifica, e que tanto enfraquece a esquerda, porque a divide, cresceu sem parar ao longo dos governos de Lula e Dilma, simplesmente porque não teve freios, não houve resistência a ele, porque o PT nunca o combateu como deveria, mais preocupado que sempre esteve em provar à burguesia o seu respeito irrestrito e incondicional às instituições do Estado.

O antipetismo tem sido alimentado na sociedade desde o primeiro ano do primeiro mandato de Lula pelas mentiras em série forjadas por procuradores e juízes inescrupulosos e divulgadas pela imprensa não menos inescrupulosa da direita. E o primeiro grande banquete que estes procuradores e juízes proporcionaram ao antipetismo chama-se Ação Penal 470, mais conhecida como julgamento do mensalão. O julgamento do mensalão foi uma fraude jurídica descarada, tanto quanto o foi o julgamento de Lula no caso do tríplex. E aquelas condenações, que o PT equivocadamente insiste em tratar como páginas viradas, foram o primeiro grande estigma que o partido recebeu injustamente em sua bandeira e que até hoje carrega por não ter coragem de se defender e afrontar os seus algozes, os juízes e procuradores autores e protagonistas da farsa. Dirceu, Genoíno, Delúbio, João Paulo e Pizzolato eram inocentes tanto quanto Lula o é e foram condenados pelo mesmo poder judiciário corrupto e partidarizado que condenou o ex-presidente. O mesmo aconteceu com João Vaccari Neto. Mas nem Lula, nem Dilma, nem Haddad e nem os dirigentes e parlamentares do PT defenderam ou defendem, com a firmeza e intransigência necessárias, a honra do partido e daqueles companheiros que foram injustamente condenados e submetidos ao opróbrio e à execração pública.

O segundo grande banquete em que se fartou e engordou o antipetismo chama-se Operação Lava Jato, da qual foram vítimas quase duas dezenas de petistas inocentes, que ou foram condenados sem provas ou tiveram seus processos arquivados depois de exaustivamente explorados pelas máquinas de propaganda política da direita. A despeito disso, Lula, Dilma e outras importantes lideranças do PT sempre reconhecem supostos méritos da operação, cegos ao que ela realmente tem sido, um instrumento muito eficaz de corrupção do estado de direito, de alienação de direitos dos trabalhadores - através do enfraquecimento de sua representação política nos governos e parlamentos -, de sabotagem da economia nacional e de alienação do poder da nação sobre as imensas jazidas de petróleo do seu território em favor de potências econômicas estrangeiras. São estes os verdadeiros e mais relevantes serviços prestados pela Operação Lava Jato a pretexto de combater a corrupção. Como então podem os membros mais eminentes do maior e mais importante partido de esquerda do país dar crédito e reconhecer virtudes de quem cumpre um papel tão nefasto? Não há justificativa minimamente plausível para isso.

A melhor maneira de combater o antipetismo é demonstrar que não tem fundamento a crença de que o PT é um partido corrupto e denunciar as motivações ocultas dos que urdem e divulgam narrativas falsas, atribuindo ao PT a responsabilidade por crimes inexistentes ou de autoria alheia, como se viu nas farsas jurídico-midiáticas do mensalão e do petrolão da Operação Lava Jato. Não é possível combater o antipetismo sem contestar com vigor e persistência a legitimidade de todos os atos judiciais ilegais e inconstitucionais que embasam a falsa narrativa de que o PT assaltou o erário e sem denunciar a má fé dos autores destes atos e das instituições que os validaram. Porque é esta narrativa falsa que dá força ao conceito apregoado pela direita de que o PT é um partido corrupto, de que o PT é uma organização criminosa.

O crescimento do antipetismo ao longo da última década é portanto um produto direto da corrupção da verdade e do espírito das leis e da Constituição pelo ministério público e pelo poder judiciário, que deveria ser firme e permanentemente denunciada pelo PT. Para vencer o antipetismo é preciso demonstrar constantemente aos trabalhadores e à classe média as fragilidades e a inconsistência do discurso que afirma ser o PT um partido corrupto até tornar este discurso inverossímil e portanto inútil como argumento político. Porque sem este discurso o antipetismo minguaria, ficando restrito apenas à minoria social de direita e à minoria social ainda mais inexpressiva da esquerda sectária e intelectualmente desonesta.

Mas infelizmente, o PT tem optado por manter o respeito e a obediência ao judiciário e ao ministério público que o perseguem e atacam obstinadamente, reconhecendo a culpa falsa de petistas inocentes e a legitimidade dos processos claramente fraudulentos em que foram condenados. A direita deita e rola ante tamanha covardia. Pois se admitimos a corrupção que não houve e que não cometemos, corroborando as acusações que nos fazem, simplesmente reforçamos o estigma de corruptos que nos torna malvistos pela maioria dos trabalhadores. E é desta percepção extremamente negativa do caráter do PT que decorrem as atitudes de desconfiança, aversão e até ódio ao partido, que constituem o antipetismo.

A tibieza das respostas de Haddad e seu constrangimento quando confrontado nos debates e entrevistas por cobranças de autocrítica dos supostos crimes cometidos pelo PT não passam despercebidos pelos que acompanham com atenção estes eventos e reforçam a percepção e a opinião dominantes de que o partido tem "culpa no cartório". É desta percepção e desta opinião que principalmente se alimenta o antipetismo e é deste alimento que o PT precisa privá-lo, se quiser vencê-lo, se quiser evitar novas derrotas, até o próprio aniquilamento.

Haddad precisa dizer, com a justa ira e indignação dos que tiveram suas honras ofendidas e seus direitos aviltados, que o mensalão nunca existiu, que Dirceu, Genoíno, Delúbio, João Paulo e Pizzolato foram, assim como Lula, condenados sem provas, num julgamento repleto de irregularidades, protagonizado por procuradores e juízes que agiram de má fé, à margem da lei e da Constituição. Haddad precisa dizer com todas as letras que o julgamento do mensalão foi uma farsa jurídica encenada com motivações claramente alheias ao desejo de justiça, de cumprir a lei e de zelar pelo bem público.

Não se combate o antipetismo respeitando e dando crédito a quem desacredita e desrespeita o PT, difamando e caluniando o partido e seus membros. É preciso defender com vigor e intransigência a inocência do PT´, porque o PT é verdadeiramente inocente dos crimes que lhe imputam, e não é possível fazê-lo sem atacar a credibilidade e idoneidade das instituições criadoras de notícias falsas sobre o partido, que são o ministério público e o poder judiciário. Enquanto isto não for feito, o PT continuará sendo cobrado por dívidas que não tem pelos verdadeiros corruptos da direita e pelos fariseus canalhas da própria esquerda, cada qual tirando a seu modo proveito das sentenças injustas emanadas das cortes de justiça do Estado burguês.

Quando as massas tomarem ciência de que foram enganadas, de que o mensalão nunca existiu e de que a Lava Jato, esta sim, é uma organização criminosa, uma usina produtora de mentiras a serviço de interesses antinacionais e antipopulares e um esquema de venda de sentenças judiciais, como denunciou e provou Tacla Duran, o antipetismo vai perder seu principal alimento, o alimento com que vem se banqueteando e engordando a mais de uma década. E só não morrerá de inanição porque não lhe faltarão o egoísmo, o anti-igualitarismo e a prepotência das classes abastadas, que constituem minoria na sociedade.

Mas isto será muito difícil de acontecer se o PT continuar com a postura que tem tido. Durante esta campanha eleitoral ouvi Fernando Haddad dizer, como Lula e Dilma já haviam dito ao serem questionados em entrevistas sobre as condenações judiciais de petistas, que "quem errou deve pagar por seus erros", o que pode ser entendido como uma admissão de que as condenações foram justas. Haddad defendeu a inocência de Lula, indicando as falhas evidentes do seu julgamento, mas não fez o mesmo quanto aos demais correligionários sentenciados, alegando que não poderia se manifestar por não conhecer os processos. Esta semana noticiou-se que ele procurou Joaquim Barbosa, principal protagonista da farsa do mensalão, artífice destacado daquela fraude e por isso mesmo herói nacional da direita mais raivosa, que chama Bolsonaro de mito, para pedir a este personagem, um juiz fora da lei como Sérgio Moro, apoio à sua candidatura na disputa com o candidato nazista pela presidência da república. Reportagem do portal UOL informa:
"O candidato do PT à Presidência, Fernando Haddad, citou um encontro com o ex-ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Joaquim Barbosa ao dizer que quer 'os melhores quadros e as melhores propostas' para melhorar o combate à corrupção no Brasil caso seja eleito.

Haddad fez menção à reunião, ocorrida ontem em Brasília, durante entrevista concedida na noite desta quinta-feira (11) à rádio CBN. O petista havia sido questionado sobre como atrair o eleitorado que refuta o PT devido ao envolvimento de integrantes do partido em casos de corrupção.

O candidato respondeu dizendo que a falência do sistema de financiamento de campanhas eleitorais não foi 'uma questão do PT'. Acrescentou que 'o sistema político, como um todo, teve pessoas que erraram', e nomeou políticos do PSDB presos recentemente. Segundo Haddad, as prisões se deveram a casos de caixa 2 ou de enriquecimento pessoal ilícito.

'Isso é muito grave, por isso que eu digo: Lava Jato continua, apoio à Polícia Federal continua, apoio ao Ministério Público continua, ao Poder Judiciário continua. Eu não fui visitar o Joaquim Barbosa por outra razão. Eu quero escolher os melhores quadros e as melhores propostas para aprimorar o combate à corrupção no Brasil', afirmou o petista. (...)

Em trecho anterior da entrevista à CBN, quando questionado se ofereceria um ministério a Barbosa, Haddad disse que o ex-presidente do Supremo tomou a decisão de deixar o serviço público, mas 'pode contribuir com a democracia em um momento decisivo da vida nacional'.

'Ele deixou claro para mim que pretende se manter reservado, na vida privada, mas que quer ajudar o Brasil. Então, ele vai ver como ajudar. Há muitas formas de ajudar o Brasil, não necessariamente participando da vida pública. Mas ele é uma figura que, na minha opinião, expressa um desejo de renovação na política', afirmou o candidato do PT."
Joaquim Barbosa já deu sua resposta, negou apoio a Haddad, como era aliás previsível. Afinal, todo o prestígio e popularidade que ele desfruta até hoje advém do papel destacado que desempenhou no processo de desmoralização, criminalização e demonização do PT.

Não é assim, homenageando e mendigando atestados de idoneidade moral junto a quem promoveu a maior campanha de difamações e calúnias contra um partido político já vista neste país que se vai combater o antipetismo e reduzi-lo às suas reais dimensões, que são as dimensões da direita na sociedade. Isto só piora as coisas. Prestigiar um falsificador mentiroso é simplesmente dar crédito às mentiras e falsificações que ele cria.

Não é tentando esconder o caso do mensalão ou naturalizando-o, tratando-o como episódio normal e irrelevante, esperando que ele caia no esquecimento, que se vai superar a desconfiança disseminada na sociedade com sua exploração exaustiva e reiterada pela propaganda da direita em suas mídias de massas. O caso do mensalão nunca será esquecido porque a direita nunca deixará de evocá-lo como prova de que o PT é um partido corrupto.

A única forma de neutralizar esta propaganda negativa é contrapor à história falsa da versão oficial a verdadeira história do mensalão, que permanece oculta da sociedade. Esta história precisa ser muito bem conhecida por todo militante, todo dirigente, todo parlamentar e todo candidato do PT, para que eles possam contá-la aos trabalhadores e para que não lhes faltem elementos que sustentem as suas próprias convicções e recursos argumentativos que lhes armem adequadamente para defender o partido no debate público. A Lava Jato só teve o impacto que teve na opinião pública sobre o PT porque a credibilidade do PT já estava bastante abalada pelo julgamento do mensalão. O desgaste da imagem do partido se acumula a cada novo processo judicial rumoroso.

E por falar em Lava Jato, li há poucos dias uma notícia de que Haddad elogiou o trabalho do juiz Sérgio Moro. Informa o portal UOL:
"Questionado pelo jornalista Carlos Nascimento [do SBT] se, na opinião do candidato, Moro ajudou o Brasil com a Lava Jato ou perseguiu o PT e Lula, o ex-prefeito de São Paulo afirmou: 'acho que, em geral, ele ajudou'."
A Lava Jato ajudou o Brasil? Em que, Fernando Haddad? A Lava Jato fez um estrago enorme na economia, alimentou uma crise política sem precedentes, teve uma participação decisiva no golpe de Estado que derrubou Dilma Rousseff  e preparou a opinião pública para receber de braços abertos um candidato a presidente nazista, que hoje ainda é favorito. E a corrupção? Pergunte ao Tacla Duran, Fernando Haddad. No mais, o esquema que mantém a destinação de quase metade do orçamento da União para o rentismo continua intacto. Não é assim que se combate o antipetismo, elogiando e prestigiando os detratores do PT, seus inimigos e algozes. Isto só aumenta a credibilidade dos farsantes e alimenta a desconfiança e o ódio contra o partido. Alguém precisa dizer isso ao Fernando Haddad e à direção do PT. Porque desse jeito a coisa vai muito mal.

Silvio Melgarejo

21/10/2018

quinta-feira, 4 de outubro de 2018

Fraude maquiada, ditadura disfarçada. E se perdermos?

Na sabatina do banco BTG/Pactual, Haddad afirmou que o PT respeitará o resultado da eleição fraudada. Será que a militância petista concorda?


Bastaram duas pesquisas desfavoráveis, Ibope e Datafolha, para a imprensa progressista, o PT e sua militância começarem afinal a admitir o óbvio: que a derrota do PT nesta eleição presidencial é uma possibilidade. Até então considerava-se absurda esta hipótese. A euforia com a rápida transferência das intenções de voto em Lula para Haddad apontada pelos primeiros levantamentos após o lançamento da candidatura substituta impedia que se enxergasse este risco real e gravíssimo que corremos. Penso que vivemos uma situação muitíssimo perigosa e é bom mesmo que tomemos consciência disso logo. A estratégia política até aqui festejada e considerada genial, pelo aparente e momentâneo êxito, embute riscos que a tornam uma verdadeira armadilha, ao criar para o PT uma situação que foi chamada pelo jornalista Reinaldo Azevedo de "paradoxo da legitimidade", que consiste no seguinte: o PT quer eleger um presidente legítimo numa eleição que, pela ausência de Lula, considera ilegítima. É evidente que isto é impossível, um presidente só pode ser legítimo se for legítima a eleição que o consagra. Não é portanto por acaso que, desde o lançamento da candidatura Haddad, desapareceu do discurso petista a afirmação de que "eleição sem Lula é fraude". Se é fraude, Haddad, eleito, não poderia ser presidente legítimo. Mas, então a eleição sem Lula não é fraude, é uma eleição legítima? Lula e o PT caíram na armadilha para onde a ditadura os vinha empurrando. Como tinham a convicção de que elegeriam Haddad, renunciaram à denúncia da fraude e à contestação da legitimidade da eleição. Ou talvez nem tenha sido por isso. Se vencermos, tudo bem. Mas... e se perdermos essa eleição, o que faremos, companheiros?

A certeza cega da vitória com Haddad não vinha impedindo apenas que se visse o risco de derrota e suas gravíssimas consequências. Impedia também que se percebesse como derrota, uma derrota imensa, a desistência voluntária de Lula de manter até o fim a sua candidatura. A desistência tem sido vista até, ao contrário, pela maioria da militância petista, como uma jogada de mestre, desconsiderando o fato de que a "jogada" vinha sendo sugerida de modo insistente pela própria direita golpista. O regime expressou que era este o seu desejo e Lula acabou cedendo à chantagem dos que ameaçavam impugnar a chapa petista. Não precisava tê-lo feito, não precisava ceder. Que impugnassem a chapa e arcassem com as consequências do seu ato infame. A luta política não se resume a eleições e o ajuste de contas, se não feito nas urnas, pode dar-se nas ruas, com igual ou maior eficácia.

Considero, por isso, um erro gravíssimo esta decisão tomada, cujo primeiro efeito foi a redução da, até então, crescente tensão entre o regime e a opinião pública do país e do mundo, na mesma proporção em que se reduziu a força da narrativa da fraude e a capacidade de contestação da legitimidade da eleição presidencial, na hipótese não descartável de uma derrota. Se uma derrota de Haddad fosse impossível ou pelo menos improvável, poderia até fazer algum sentido a desistência de Lula em seu favor. O problema é que nunca houve razão para se acreditar que uma derrota é impossível ou improvável. E uma questão fundamental que precisaria ser pensada desde o início pela militância petista é a seguinte: e se a derrota acontecer, o que pretende fazer o PT? Pretende denunciar a fraude consumada, contestar a validade do pleito e lutar para derrubar o governo ilegítimo desde o dia da sua posse; ou pretende apenas reclamar da fraude, mas aceitar o resultado do pleito e esperar pela eleição de 2022 para, só então, tentar derrotar as forças golpistas empossadas e apeá-las do governo?

Não duvido que haja petistas inclinados a assumirem esta segunda atitude, de absoluta complacência e tolerância com o regime golpista. Eu discordo inteiramente disso. Para mim, não pode haver tolerância nem complacência com ditaduras e, para mim, ditadura não se derrota com voto nas urnas, ditadura se derruba com luta nas ruas. Aos que compartilham desta minha convicção, só a estes, que aos conformados e aos iludidos nem vale a pena falar, peço que pensem: que fatos políticos contribuiriam mais para o aumento da tensão entre o regime e a opinião pública nacional e internacional? A impugnação da candidatura Lula e da chapa petista pelo Judiciário e a contestação pelo PT da legitimidade da eleição presidencial ao longo de toda a campanha; ou a desistência voluntária do ex-presidente, sua substituição por outro candidato e a renúncia do partido à denúncia da fraude? Qual destes dois contextos resultaria em maior desaprovação interna e externa à ditadura brasileira? Qual destes dois contextos evidenciaria mais os vícios do processo eleitoral que está em curso e a verdadeira natureza do regime político vigente no Brasil? Qual destes dois contextos tornaria mais visível a injustiça que se comete contra o povo e contra aquele que o povo deseja eleger presidente? Qual destes dois contextos provocaria maior revolta, clamor e inconformismo entre os justos do Brasil e do mundo? Qual destes dois contextos tornaria o ambiente social mais favorável à mobilização das massas para a derrubada de um virtual governo ilegítimo, antidemocrático, antipopular e antinacional? Será que alguém tem alguma dúvida?

A desistência de Lula e sua substituição por um outro candidato simplesmente poupou a ditadura do ônus que teria ao cometer sua arbitrariedade mais explícita e abominável, cobrindo o processo eleitoral fraudulento com um manto de falsa normalidade que só aos golpistas convém. Era tudo que o regime precisava para retomar o fôlego e elevar sua expectativa de vida: uma capa de normalidade. Haddad e Manuela são então a bela e suave maquiagem com que se disfarça esta verdadeira aberração política que é a eleição presidencial sem Lula. Aos muito otimistas com suas chances de vitória, lembro uma vez mais que fazemos exatamente o que os golpistas nos cobravam que fizéssemos e peço que atentem para as reações de alívio e regozijo com que receberam a boa notícia que lhes demos. Estamos legitimando uma eleição fraudada, admitindo como válida a falsificação da vontade do povo e, com isso, nos desarmando para o combate à ditadura e reduzindo imensamente a pressão interna e externa sobre o regime.

Se vencermos, será menor o prejuízo para a luta por democracia, mas não irrelevante, porque o povo terá sido impedido de votar no candidato de sua preferência. Mas se perdermos - o que, repito, não é impossível nem improvável -, será difícil, muito difícil reverter o desalento em nossas hostes. O sentimento de desmoralização e impotência, com a auto-imolação de Lula e o esvaziamento de sentido da denúncia de fraude, demoraria a ser superado. Para quem sempre quis "virar a página do golpe" e agora já quer "virar a página da fraude" - que é um golpe antecipado - e esperar até a próxima eleição, respeitando o mandato de mais um presidente ilegítimo, isto não representaria maior prejuízo. Mas para quem pretende, em caso de derrota, lutar para derrubar o governo ilegítimo, seria um prejuízo enorme.

Sempre acreditei e continuo acreditando que a estratégia política correta seria manter a candidatura de Lula, afrontando os generais e juízes e obrigando-os a consumarem a arbitrariedade suprema que os exporia aos olhos do país e do mundo como algozes inequívocos da democracia brasileira. Sempre acreditei que a evidência gritante da fraude deveria ser amplamente denunciada, que a validade da eleição deveria ser fortemente contestada desde o curso mesmo da campanha, que o voto nulo deveria ser pregado como expressão institucional dessa contestação ao pleito e que a mobilização das massas para o confronto com o regime nas ruas seria a única forma de derrubá-lo e restabelecer, pelo menos, aquele precário estado de direito que tínhamos no país desde 1985.

Mas Lula e a maioria dos dirigentes petistas não conseguem mesmo pensar fora da caixinha da luta política institucional. Presos aos preconceitos e dogmas disseminados pela burguesia exatamente para anestesiar mentalmente os trabalhadores e facilitar sua dominação, não admitem outra forma de ação partidária além das disputas eleitorais, parlamentares e judiciais, tuteladas e manipuladas pela classe dominante. Mobilização social, só se for para a busca de votos. Reduziram o PT, que nasceu pretendendo ser dirigente das lutas cotidianas dos trabalhadores por liberdade, democracia e socialismo, a uma mera legenda eleitoral, adaptada e conformada com os limites da oligarquia burguesa e do capitalismo. Ficar fora de uma eleição, mesmo uma eleição fraudada como esta que temos, é considerada a maior das tragédias imagináveis. Fora das eleições, dos parlamentos e dos governos, considera-se que o partido seria inútil, não teria nenhuma função relevante. Por isso, desistiu Lula de sua candidatura e por isso indicou Fernando Haddad, para que o PT não ficasse fora da eleição presidencial. Como se votar fosse a única forma legítima de resistência e combate ao neoliberalismo e ao fascismo.

É evidente que Lula, Haddad e a direção do PT sabem dos riscos da estratégia que adotaram, sabem que a derrota é uma possibilidade. E é evidente também que já definiram o que farão em caso de derrota. Pode-se deduzir facilmente o que seria, considerando o histórico das escolhas políticas feitas nas últimas décadas. Mas nem precisamos deduzir, porque o plano já foi anunciado pelo próprio Fernando Haddad. Na sabatina do banco de investimentos BTG/Pactual, em 9 de agosto, da qual participou na condição de candidato a vice e porta-voz de Lula, perguntou-lhe o jornalista Reinaldo Azevedo:

- "Candidato, (...) o PT tem dito que uma eleição sem o Lula perde legitimidade. Chegou-se a discutir (...) se o PT lançaria ou não candidato, participaria ou não da eleição, caso o Lula não pudesse disputar. E, felizmente, dada a importância que tem o partido, [o PT] decidiu disputar a eleição. Se o senhor vencer a eleição, eu acho que o PT não vai alegar ilegitimidade da eleição, o senhor será o presidente legítimo, aliás, qualquer um que seja eleito será um presidente legítimo. Se algum outro [candidato] vencer, o PT reconhece a legitimidade dessa eleição, mesmo sem o Lula, mas aí não com o Fernando Haddad presidente?"

Destaque para o seguinte trecho da pergunta: "felizmente, dada a importância que tem o partido, [o PT] decidiu disputar a eleição". Por que "felizmente", se Reinaldo Azevedo é um antipetista ferrenho? Porque ao participar da eleição o PT está na prática legitimando a eleição. O antipetista Azevedo praticamente agradece ao PT, expressando certamente o alívio da burguesia e de toda a direita golpista.

Respondeu-lhe, então, Fernando Haddad - prestem bem atenção ao que ele vai dizer:

- "Olha, (...) o PT não vai se furtar a apoiar medidas na direção correta, seja de que governo for. (...) Eu sou da tese de que nós temos que estabilizar as instituições."

Estabilizar significa tornar estável. E estável é a condição do que está bem assente e livre de abalos, do que está firme, seguro, consolidado, do que é permanente, duradouro e constante. Estabilizar as instituições de uma ditadura nada mais é do que consolidar esta ditadura e garantir sua continuidade indefinida no tempo. A mensagem de Haddad foi, portanto, bastante clara: se o PT for derrotado, vai respeitar o resultado da eleição fraudada, não vai contestar a legitimidade do pleito e só vai tentar apear do poder as forças golpistas na longínqua eleição presidencial de 2022.

A imprensa progressista e a militância petista não deram a menor atenção a esta resposta de Haddad, que nas circunstâncias em que se deu - uma entrevista num evento promovido por um banco -, significa um verdadeiro compromisso político com o mercado financeiro, patrocinador e beneficiário do golpe e da ditadura a que o país vem sendo submetido.

É evidente que esta posição da direção do PT tranquiliza imensamente os próceres e apoiadores da ditadura. Pois se o PT contesta o resultado da eleição, a crise política se agrava, as massas imensamente insatisfeitas tendem a se mobilizar e o governo ilegítimo, mesmo que reaja com violência, pode não suportar a pressão e cair. O que Haddad diz - e, francamente, já não me surpreende - é que o PT não quer mesmo derrubar um virtual governo ilegítimo nas ruas, seja qual for o presidente. O que o PT quer e faz questão é de derrotar o governo ilegítimo nas urnas... lá em 2022! Alguém consegue imaginar o que seria ter o país governado durante os próximos 4 anos por Jair Bolsonaro ou Geraldo Alckmin?

É preciso saber se o povo teria paciência para esperar tanto tempo sofrendo, se ao invés de pacificar o conflito entre as classes, como pretende, o PT não estaria contribuindo para uma revolta popular ainda maior, só que explosiva, desorganizada e completamente selvagem, que o teria também como alvo, exatamente pelo papel de pelego que estará se dispondo a desempenhar. E é preciso também combinar com a militância petista, que ainda não sabe desse compromisso entre Haddad e os banqueiros. Essa discussão ainda não foi feita pelo PT de forma clara com a sua militância. O plano da ditadura sempre foi se legitimar através de uma vitória eleitoral que não fosse contestada pelo PT. Será que a militância petista vai permitir que isso aconteça? Vamos a ver.

Silvio Melgarejo

04/10/2018

terça-feira, 2 de outubro de 2018

O que é um pelego?

“‘Pelego’ é um termo depreciativo utilizado no jargão do movimento sindical para se referir aos líderes ou representantes de um sindicato que em vez de lutar pelo interesse dos trabalhadores, defendem secretamente os interesses do empregador, ainda que tal atitude seja descoberta, cedo ou tarde.

A palavra tem como origem o ‘pelego’ utilizado pelos cavaleiros gaúchos. Trata-se de um pedaço de lã de carneiro, colocado sobre a sela e preso por uma tira de couro chamada barrigueira, para que não escorregue. Sua função é amaciar o assento do arreio de lida com o gado.

Essa postura intermediária, por analogia, passou àquele que deveria representar os trabalhadores, mas os ‘amacia’, para que estes não lutem por seus interesses. Trata-se de ofensa muito grave no contexto sindical, utilizada pelo menos desde os anos 40.”

(Fonte: Wikipédia, a enciclopédia livre.)

Não há direito, lei ou voto que se respeite sem força social que os imponha.


Não há direito que se reconheça, lei que se cumpra ou voto que se respeite sem força social que os imponha pelos meios que forem necessários. Inteligência é a faculdade de escolher o meio mais eficaz para a solução de cada problema, para a conquista de cada objetivo. O meio pode ser intelectual ou físico, pacífico ou violento. Depende do fim. É o fim que determina o meio necessário para alcançá-lo. Se há disposição e capacidade ou não para empregá-lo, é uma outra questão.