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Estação ferroviária de Sampaio, zona norte do Rio de Janeiro/RJ |
Alguém já viu massa de bolo crescer sem fermento? O fermento é o agente que, em condições adequadas, provoca as reações químicas ou biológicas que fazem com que a massa do bolo cresça. De modo análogo, as massas trabalhadoras também precisam de um fermento que as agite por dentro e provoque reações sociais de adesão à organização e mobilização para o combate político. Este fermento capaz de fazer com que a massa trabalhadora de um país se movimente e cresça como força política é a vanguarda da própria classe organizada em partidos, sindicatos e outras formas de associação para a luta coletiva direta.
No Brasil, o PT nasceu pretendendo ser fermento das mobilizações populares. Mas encantadas pelas promessas da burguesia de uma democracia sem luta, construída apenas no interior dos palácios dos governos e parlamentos, as direções do PT abandonaram este propósito e passaram a conduzir o PT como um partido meramente eleitoral, dedicado apenas à conquista de mandatos para a representação dos trabalhadores naquelas instituições do Estado. O PT renunciou, portanto, ao papel de fermento das mobilizações dos trabalhadores e, infelizmente, nenhum outro partido de esquerda conseguiu até hoje desempenhar esta função.
De modo que no Brasil hoje a classe trabalhadora tem representação política, mas não tem liderança para a luta coletiva direta, em que atue como representante de si mesma no embate físico com a classe capitalista e seu Estado. Falta o partido-líder, que seja o agente indutor e condutor da mobilização social para o confronto.
Mas chegou o momento disso mudar, tem que ser agora. As ilusões de Lula e dos dirigentes do PT já tem custado muito caro a eles mesmos, ao partido e sua militância, assim como ao conjunto da classe trabalhadora. São pessoas inteligentes, estes companheiros, não é possível que não consigam tirar lições de tantas experiências mal sucedidas, de escolhas políticas equivocadas que resultaram em frustrações, derrotas e perdas dramáticas. Não é possível que depois de tanta dor e sofrimento ainda persistam nos mesmos erros e que se mantenham surdos aos alertas e apelos de tantos militantes.
Não se constrói democracia só com eleições, ações de governo e disputas parlamentares e judiciais. Lula e os dirigentes do PT não podem mais insistir nesta concepção de democracia que nos afasta, como partido, do povo em seu dia a dia sofrido.
Quanto mais nos adaptamos às instituições do Estado dos ricos, mais nos tornamos estranhos para os pobres que queremos liderar e representar.
A maior parte dos trabalhadores não consegue sequer nos distinguir dos partidos burgueses, porque a adaptação ao regime oligárquico nos tornou semelhantes a eles. Somos vistos tanto quanto os partidos burgueses como apoiadores e beneficiários da ordem social injusta e perversa que os penaliza.
Nosso discurso e nossa prática política não ajudam os trabalhadores a enxergarem e entenderem a realidade do antagonismo entre os interesses das classes, como estes interesses se expressam nas disputas políticas e sobretudo ao lado de quem verdadeiramente estamos nestas disputas, a quem realmente servimos, a quem representamos.
Nosso discurso e nossa prática política não esclarecem, confundem. Porque somos dúbios, prometemos mudanças mas defendemos a ordem que impede as mudanças. Exatamente como fazem os partidos burgueses, aos quais nos aliamos muitas vezes, a despeito de serem inimigos nossos e da classe trabalhadora, sem demarcarmos com nitidez as diferenças que nos separam. Razão pela qual, aos olhos do povo somos "todos amiguinhos", como disse o Cabo Daciolo num debate.
O rapper Mano Brown criticou duramente este distanciamento e estranhamento entre o Partido dos Trabalhadores e os trabalhadores no Comício da Virada da campanha de Fernando Haddad, em 23 de outubro, nos Arcos da Lapa, Rio de janeiro. Ele disse às 70 mil pessoas presentes:
"Boa noiteConcordo com Mano Brown. A maioria dos eleitores de Bolsonaro não é má como ele, vai votar enganada, porque não foi educada politicamente para compreender o que ele representa e o que nós representamos. E isto é culpa nossa mesmo, dos petistas, porque era indiscutivelmente nossa esta responsabilidade de educar politicamente o trabalhador, já que somos nós o partido dos trabalhadores e porque fomos nós que governamos este país na última década. Nós realmente não educamos politicamente o povo para a conquista de uma verdadeira democracia e para imunizá-lo contra o veneno da propaganda direitista, neoliberal e fascista, embora não nos tenham faltado meios para isso. Pois precisamos fazê-lo agora com os meios que temos, que não são poucos, já que somos um partido de massas.
Bom, eu vim aqui representar a mim mesmo, não vim representar ninguém, certo?
Eu não gosto do clima de festa.
A cegueira que atinge lá, atinge nós também.
E isso é perigoso.
Não tá tendo motivo pra comemorar.
Tem, sei lá, quase trinta milhões de votos pra alcançar aí.
Não temos nem expectativa nenhuma pra alcançar, pra diminuir essa margem.
Não estou pessimista, sou realista.
Eu não consigo acreditar que pessoas que me tratavam com tanto carinho, pessoas que me respeitavam, me amavam, que me serviam o café de manhã, que lavavam meu carro, que atendiam meu filho no hospital, se transformaram em monstros, eu não posso acreditar nisso. Essas pessoas não são tão más assim.
Se em algum momento a comunicação do pessoal daqui [Haddad e o PT] falhou, vai pagar o preço, porque a comunicação é a alma.
Se não tá conseguindo falar a língua do povo, vai perder mesmo, tio. Certo?
Falar bem do PT pra torcida do PT é fácil.
Tem uma multidão que não tá aqui que precisa ser conquistada.
Ou a gente vai cair no precipício.
E eu tinha jurado pra mim mesmo nunca mais subir em palanque de ninguém.
Porque política não rima, não tem swing, não tem balanço, não tem nada que me interesse. Eu gosto de música.
Mas eu tô vendo casais se separando, amigos de 35 anos deixando de se falar. Tenho amigos...
[algumas vaias]
Se eu puder falar vai ser bom, também senão der, vou parar, já era e foda-se. Certo?
Tenho amigos que eu já não tenho mais como olhar no rosto deles. Por causa de política. Certo?
Não vim pra ganhar voto. Porque eu acho que já tá decidido.
Agora, se falhou, vai pagar, quem errou vai ter que pagar mesmo. Certo?
Não gosto do clima de festa.
O que mata a gente é a cegueira e o fanatismo.
Deixou de entender o povão, já era.
Se nós somos partido dos trabalhadores, partido do povo, tem entender o que o povo quer.
Se não sabe, volta pra base e vai procurar saber.
E as minhas ideias é essa. Fechou."
Mas, ao contrário de Mano Brown e da maioria dos que leio e ouço, não faço prognósticos sobre a eleição. Penso e me preparo para o dia seguinte, para o 3º turno, porque a ocorrência dele é a única certeza possível. Se perdermos temos que lutar para derrubar um governo nazista. Se ganharmos temos que lutar para sustentar um governo democrático e defendê-lo contra as tentativas de golpe, que certamente virão. A necessidade da mobilização social nunca foi tão grande, tão urgente e tão evidente. Por isso o PT e toda sua militância já deveriam estar se preparando para ela. Mais do que nunca, o PT precisa ser o fermento das mobilizações populares. Porque não há direito que se reconheça, lei que se cumpra ou voto que se respeite sem força social que os imponha pelos meios que forem necessários. Porque o que derruba ditadura é a afronta permanente das massas à autoridade do governo tirano. E porque liberdade, democracia e direitos só podem ser conquistados e preservados pela mobilização permanente das massas impondo a sua vontade aos governos e parlamentos eleitos.
Domingo vamos votar. Mas o nosso voto não vai ser suficiente para dar novo rumo ao Brasil. No dia seguinte será preciso lutar de um jeito que nunca lutamos: coletivamente, organizadamente e diariamente. Os dirigentes do PT precisam se conscientizar desta necessidade para exercerem junto aos filiados do partido uma liderança que até hoje nunca exerceram. Terão que fazer trabalho de base sistemático junto a todos eles e impor aos diretórios que comandam uma forma de funcionamento que lhes permita e estimule a participação em suas atividades, conforme os talentos e vocações, conhecimentos e habilidades, disposições e disponibilidades de cada um. Tudo isso para transformar o PT numa verdadeira máquina de organizar e mobilizar multidões para o combate político nas ruas. Porque só através da mobilização social permanente e em grande escala é que vamos ter força política para derrotar o fascismo e construir no Brasil uma verdadeira democracia.
Haddad presidente.
Liberdade para Lula.
Fora Bolsonaro.
E abaixo a ditadura.
Silvio Melgarejo
26/10/2018
***
Discurso do rapper Mano Brown no Comício da Virada da campanha de Fernando Haddad, em 23 de outubro nos Arcos da Lapa, Rio de janeiro.
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