Por Silvio Melgarejo - Depois de compactuar com a venda dos terrenos do Metrô, pelo governo do Estado, em 2010, ajudando a engordar os lucros das construtoras e a saturar ainda mais o bairro, com notáveis prejuízos à sua qualidade de vida, a associação de moradores de Botafogo (AMAB), resolveu acordar. Quer agora, segundo matéria publicada no O Globo, de 16/8/2013, barrar a venda do terreno do 2º BPM (Batalhão de Polícia Militar), que fica na esquina entre as ruas São Clemente e Real Grandeza.
O argumento antes desprezado de que a venda de terrenos públicos para as construtoras ocasionaria um aumento demasiado da população local e que isso sobrecarregaria uma infraestrutura urbana que foi projetada e instalada no tempo do Império, com risco de levá-la a colapso, serve agora para justificar a tentativa de impedir a venda do terreno do batalhão da PM. O que mudou de lá prá cá? Não sei.
"Botafogo não aguenta mais prédios. O bairro está saturado, principalmente na São Clemente, onde já não dá para andar" (Regina Chiaradia, presidente da AMAB, ao O Globo, em 16/8/2013)Não tenho a menor ideia do que terá feito a AMAB mudar de ideia. Também não sei se depois de tantos terrenos públicos vendidos e de tantos novos prédios erguidos, se depois de Botafogo ter virado quase uma "copacabana" de tão superlotado; não sei se a construção de mais um prédio vai fazer alguma diferença. Acredito que não. As megaconstrutoras já compraram e lotearam Botafogo inteiro, sob o olhar até ontem complacente da associação de moradores. É, como dizem, botar tranca em porta arrombada. Mesmo assim, acho que vale a pena apoiar a insólita e inócua, por tardia, reação da AMAB.
Impedir a venda do terreno do 2º BPM não vai, de fato, salvar Botafogo do mal que já lhe fizeram. Mas a luta prá barrar essa venda pode servir para que se denuncie nas ruas a saturação de Botafogo. Bairro saturado é um bairro em que há desequilíbrio entre quantidade de habitantes e capacidade da infraestrutura urbana, em que a infraestrutura não corresponde adequadamente às necessidades da população. Em Botafogo chegou-se a essa situação graças a um histórico conluio entre poder público e construtoras, que sempre contou com a obsequiosa omissão da associação de moradores.
A partir da tomada de consciência quanto aos problemas gerados pela hiperinflação populacional ocorrida, sem um correspondente redimensionamento da infraestrutura urbana do bairro, é possível que a opinião pública local consiga afinal identificar e julgar os responsáveis políticos pelos estragos causados, exigindo-lhes reparação e inaugurando uma nova e rica agenda de demandas ao poder público.
Para restabelecer o equilíbrio entre número de habitantes e capacidade da infraestrutura urbana em Botafogo, não se cogita, evidentemente, expulsar ninguém do bairro. É preciso, isto sim, redimensionar e qualificar a infraestrutura, algo que deveria ter sido feito bem antes de se entupir o bairro de gente.
O problema é que a cidade é governada pelas construtoras que bancam as campanhas eleitorais. De modo que o interesse privado acaba sempre prevalecendo sobre o interesse público. Só a proibição do financiamento de campanhas por empresas pode dar fim a essa promiscuidade entre partidos e construtoras, que tantos prejuízos tem trazido à sociedade
A luta contra a venda do terreno do 2º BPM pode, portanto, dar ensejo à divulgação de outras duas bandeiras que são ainda mais importantes. Uma local, ligada ao tema da Reforma Urbana. Outra nacional, ligada ao tema da Reforma Política.
Por melhorias na infraestrutura urbana de Botafogo. E pelo fim do financiamento privado empresarial de campanhas eleitorais. Com estas duas bandeiras, o movimento comunitário de Botafogo estaria atacando a causa e o efeito da hiperinflação populacional do bairro. O efeito é a sobrecarga da infraestrutura. A causa é a promiscuidade entre partidos e construtoras, iniciada nos acordos para o financiamento eleitoral.
O bairro está saturado porque prefeitos e vereadores de sucessivas gestões permitiram o avanço do mercado imobiliário sem qualquer critério ou planejamento. E o fizeram de forma açodada e irresponsável simplesmente porque precisavam atender aos interesses imediatos dos financiadores de suas campanhas.
Tem-se assim, portanto, uma temática local que remete a uma nacional, por ter nesta exatamente a sua origem. O financiamento empresarial privado de campanhas eleitorais compromete, inescapavelmente, o gestor público com o interesse de seus patrocinadores. E é esse compromisso, feito à sorrelfa, sem o conhecimento do cidadão-eleitor, que determina suas escolhas no exercício do mandato conquistado pelo voto.
Reforma Urbana e Reforma Política, como se vê, têm tudo a ver. Desta, depende aquela. Aquela justifica esta. As imperfeições do sistema político geram problemas para a gestão das cidades, na medida em que permitem a privatização dos mandatos eletivos. Os efeitos dessa privatização da representação popular, o cidadão sente; mas não sabe a que se devem.
É preciso levar essa discussão para as ruas, e mostrar ao povo que uma cidade melhor só será possível se houver um sistema político melhor, no qual existam regras claras que impeçam a influência do poder econômico nas eleições e a captura dos mandatos de representação popular pelos grandes grupos capitalistas.
Não à venda do terreno do 2º BPM.
Por melhorias na infraestrutura urbana de Botafogo.
Pelo fim do financiamento privado empresarial de campanhas eleitorais.
Silvio Melgarejo
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Leia a matéria comentada.
Impasse em Botafogo.
(O Globo, 16/8/2013)
Moradores se reúnem com o Conselho de Segurança para tentar impedir venda de parte da área do 2º BPM, onde será erguido mais um espigão.
Os moradores de Botafogo estão dispostos a tentar reverter uma decisão do governo estadual. Contrariados com a venda de parte da área do 2º BPM para uma construtora, eles têm uma reunião hoje com o Conselho de Segurança para discutir que medidas podem ser tomadas. Participarão ainda associações de moradores da Glória, de Laranjeiras, da Urca e do Humaitá.
Segundo a assessoria de imprensa do governo do estado, o batalhão ocupa o espaço desde 2010¹, e a venda teria o objetivo de cortar gastos com manutenção. A empresa João Fortes Engenharia foi a vencedora da licitação, e o resultado foi publicado no Diário Oficial do dia 28 de fevereiro. A área adquirida tem um total de 2.391 metros quadrados e custou R$ 38,7 milhões. Ainda de acordo com a assessoria, a área remanescente passará por reformas.
— Já que o governador optou por revogar decisões como a derrubada do Célio de Barros, vamos tentar impedir essa venda. Botafogo não aguenta mais prédios. O bairro está saturado, principalmente na São Clemente, onde já não dá para andar — critica a presidente da associação de moradores do bairro, Regina Chiaradia.
http://oglobo.globo.com/bairros/impasse-em-botafogo-9576319?topico=zona-sul
1. A matéria está errada. O 2º BPM não ocupa o terreno onde está desde 2010, e sim desde 1910.
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