Em seu Dicionário de Política (1983), o filosofo, historiador e cientista político italiano, Norberto Bobbio, define da seguinte forma a Ciência Política:
"A expressão Ciência política pode ser usada em sentido amplo e não técnico para indicar qualquer estudo dos fenômenos e das estruturas políticas, conduzido sistematicamente e com rigor, apoiado num amplo e cuidadoso exame dos fatos expostos com argumentos racionais. Nesta acepção, o termo 'ciência' é utilizado dentro do significado tradicional como oposto a 'opinião'. Assim, 'ocupar-se cientificamente de política' significa não se abandonar a opiniões e crenças do vulgo, não formular juízos com base em dados imprecisos, mas apoiar-se nas provas dos fatos.
(...)
Em sentido mais limitado e mais técnico, abrangendo uma área muito bem delimitada de estudos especializados e em parte institucionalizados, com cultores ligados entre si que se identificam como 'cientistas políticos', a expressão Ciência política indica uma orientação de estudos que se propõe aplicar à análise do fenômeno político, nos limites do possível, isto é, na medida em que a matéria o permite, mas sempre com maior rigor, a metodologia das ciências empíricas (sobretudo na elaboração e na codificação derivada da filosofia neopositivista).
Em resumo, Ciência política, em sentido estrito e técnico, corresponde à 'ciência empírica da política' ou à 'ciência da política', tratada com base na metodologia das ciências empíricas mais desenvolvidas, como a física, a biologia, etc. Quando hoje se fala do desenvolvimento da Ciência política nos referimos às tentativas que vêm sendo feitas com maior ou menor sucesso, mas tendo em vista uma gradual acumulação de resultados e a promoção do estudo da política como ciência empírica rigorosamente compreendida.
Neste sentido mais específico de 'ciência', a Ciência política vem cada vez mais se distinguindo da pesquisa, voltada não mais para a descrição daquilo 'que deve ser', pesquisa esta à qual convém mais propriamente dar o nome de 'filosofia política', usado comumente. Aceitando-se esta distinção, as obras dos clássicos do pensamento político são, em sua maior parte, obras nas quais mal se distingue aquilo que pertence à filosofia, enquanto os 'cientistas políticos' contemporâneos tendem a caracterizar as próprias obras como 'científicas', para acentuar aquilo que as distingue da filosofia.
Embora não seja o caso de deter-se sobre o conceito de 'filosofia política', enquanto diferente da Ciência política, é conveniente, pelo menos, advertir que voltam a fazer parte da noção de filosofia política como estudo orientado deontologicamente, tanto as construções racionais da ótima república, que deram vida ao filão das 'utopias', quanto as idealizações ou racionalizações de um tipo de regime possível ou já existente, características das obras dos clássicos do pensamento político moderno (como Hobbes, Locke, Rousseau, Kant, Hegel).
Mais do que distinguindo entre projeção utópica ou idealizante e análise empírica, Sartori individualiza a diferença entre filosofia política e Ciência política, na falta de operatividade ou aplicabilidade da primeira, pois 'a filosofia não é (...) um pensar para aplicar, um pensar em função da possibilidade de traduzir a ideia no fato', enquanto a ciência 'é a teoria que reenvia à pesquisa, tradução da teoria em prática', afinal um 'projetar para intervir' (La scienza política, p. 691). Poderia objetar-se que, em relação à operatividade, não significa que os ideais tenham sido na história das mudanças políticas menos 'operativos' do que os conselhos dos 'engenheiros' sociais.
II. CARACTERÍSTICAS DA CIÊNCIA POLÍTICA CONTEMPORÂNEA.— Embora a constituição da Ciência política em ciência empírica como empreendimento coletivo e cumulativo seja relativamente recente, podem ser consideradas obras de Ciência política, ao menos em parte, e na sua inspiração fundamental, também no sentido limitado e técnico da palavra, algumas obras clássicas, como as de Aristóteles. Maquiavel, Montesquieu, Tocqueville, enquanto elas tendem à formulação de tipologias, de generalizações, de teorias gerais, de leis, relativas aos fenômenos políticos, fundamentadas, porém, no estudo da história, ou seja, apoiando-se na análise dos fatos.
É verdade, todavia, que a Ciência política, como disciplina e como instituição, nasceu na metade do século passado; ela representa um momento e uma determinação específica do desenvolvimento das ciências sociais, que caracterizou justamente o progresso científico do século XIX e teve suas expressões mais relevantes e influentes no positivismo de Saint-Simon e Comte, no marxismo e no darwinismo social.
Enquanto momento e determinação específica do desenvolvimento das ciências sociais, o nascimento da Ciência política moderna se processa através do distanciamento dos estudos políticos da matriz tradicional do direito (particularmente do direito público). Não devemos esquecer que a filosofia política moderna, a partir de Hobbes até Kant, apresenta-se como parte, não mais do que uma parte, do desenvolvimento do direito natural, no qual o Estado aparece como uma entidade jurídica, criada através de um ato jurídico (como o contrato ou os contratos, que constituem o fundamento de sua legitimidade), e criador ele mesmo, uma vez instituído de direito (o direito positivo). Este distanciamento da matriz jurídica é evidente e declarado nos dois autores, que mais do que quaisquer outros, podem ser considerados, a meu ver, como iniciadores da Ciência política moderna: Ludwig Gumplowicz, cuja obra Die soziologische Staatsidee é de 1892 e Gaetano Mosca, que publicou a primeira edição dos Elementi di scienza política, em 1896.
No nosso século, o desenvolvimento da Ciência política acompanha de perto a sorte das ciências sociais e sofre influência, seja no que se refere ao modo de aproximar-se da análise do fenômeno político (approach), seja no que se refere ao uso de certas técnicas de pesquisa. O país no qual a Ciência política como ciência empírica foi mais cultivada, os Estados Unidos, foi justamente aquele no qual as ciências sociais tiveram, nos últimos cinqüenta anos, o maior desenvolvimento.
Com referência ao approach, 'que surgiu com particular intensidade nos últimos vinte anos (embora o seu início remonte ao artigo de Charles E. Merriam, The present state of the study of politics, de 1921), a passagem do ponto de vista institucional, dominado ainda pela matriz jurídica tradicional dos estudos políticos, para o ponto de vista 'comportamental', segundo o qual o elemento simples, que deve iniciar o estudo político com pretensões ao uso, legítimo e fecundo, da metodologia das ciências empíricas, é o comportamento do indivíduo e dos grupos que têm ação política. Para exemplificá-lo, bastará lembrar o voto, a participação na vida de um partido, a busca de uma clientela eleitoral, a formação do processo de decisão nos mais diversos níveis.
Com referência às técnicas de pesquisa, aconteceu uma mudança igualmente decisiva a partir do uso exclusivo baseado na coleta de dados da documentação histórica, da qual se valeram estudiosos políticos do passado, desde Aristóteles até Maquiavel, de Montesquieu até Mosca, do emprego sempre mais freqüente da observação direta ou da pesquisa de campo, através de técnicas tiradas da sociologia, da investigação por sondagem ou por entrevista. Isto foi possível em conseqüência da aproximação comportamental. Esta transformação teve como resultado um enorme aumento de dados à disposição do pesquisador, que exigiu por sua vez, para a sua padronização, e, portanto, para uma utilização mais profícua, o uso sempre crescente de métodos quantitativos. A aplicação cada vez mais extensiva dos métodos quantitativos nas ciências sociais, repercutindo-se na Ciência política, embora por vezes depreciada e na prática nem sempre proveitosa, aparece inevitavelmente pela transformação acontecida no objeto da pesquisa; isto, porém, não significa que seja, ou que chegue a ser exclusiva e exaustiva."
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