O dicionário Aurélio define "palavra" como uma "unidade mínima com som e significado". De acordo com esta definição, entende-se que o que torna um som vocal palavra é o significado que se lhe atribui, isto é, a ideia ou conceito que a ele se associa. "Ideia", segundo o mesmo Aurélio, é a "representação mental de um coisa concreta ou abstrata", enquanto "conceito" é a "representação dum objeto pelo pensamento, por meio de suas características gerais". A palavra é, portanto, a representação sonora de uma ideia ou conceito, que são o seu significado. Um som vocal sem significado conhecido por quem o ouve não é palavra, para este que o ouve, é apenas um som vocal a expressar, quando muito, uma sensação ou emoção, não representando mais, como bem diz Aristóteles, do que os sons vocais produzidos pelos animais. "Nós, porém", seres humanos, diz o filósofo, temos mais do que sensações e emoções, temos, "senão o conhecimento desenvolvido, pelo menos o sentimento obscuro do bem e do mal, do útil e do nocivo, do justo e do injusto, objetos para a manifestação dos quais nos foi principalmente dado o órgão da fala". A palavra é, portanto, antes de tudo, o meio pelo qual se manifesta a consciência intelectual e moral do homem, ou seja, a faculdade humana de avaliar ou julgar objetos e fenômenos, ações, acontecimentos, situações e comportamentos.
Comunicação política
Comunicar é transmitir uma mensagem a alguém capaz de entende-la. O domínio de um mesmo código de representação de ideias e conceitos pelo emissor e pelo receptor de uma mensagem é a condição mais fundamental para que se realize o fenômeno da comunicação. Códigos divergentes, imperfeitos ou mal dominados geram comunicações igualmente imperfeitas, quando não frustram por completo qualquer tentativa de comunicação. No Brasil, o domínio precário da língua portuguesa e, mais especificamente, do vocabulário usado nos discursos políticos – o politiquês – faz com que, nestes discursos, os discursos políticos, as palavras acabem servindo muito mais como veículos de transmissão de emoções, pela inflexão com que são ditas, do que propriamente de ideias, por seus significados e pelos encadeamentos lógicos que formem. Desse modo, o conteúdo dos discursos políticos torna-se, frequentemente, indiferente, valendo quase sempre muito mais a forma como são apresentados nas tribunas. A performance cênica, a eloquência e o carisma de cada orador acabam sendo, então, os fatores realmente determinantes da conquista das plateias, pois faltam a estas os meios necessários para avaliarem racionalmente o que ouvem e estabelecerem juízos com um mínimo de rigor crítico. Para os que desejam construir no Brasil uma verdadeira democracia, esta falta de adestramento das massas para o uso da língua portuguesa e, mais especificamente, do vocabulário político, deveria ser motivo de grande preocupação.
Letramento político
Sons vocais cujos significados se ignora só à afetividade mobilizam, nunca mobilizarão à inteligência. Podem despertar mais ou menos simpatia, inspirar mais ou menos confiança por aquele que os emite, pelo conjunto mais ou menos amigável de sua atitude corporal, do seu olhar e gestual, mas jamais poderão obter a concordância ou discordância com as ideias que de fato expressem, exatamente porque as ideias que os sons expressam permanecem ignoradas. Saber o significado de cada palavra lida ou ouvida é a condição mais fundamental para se extrair o sentido das frases que as palavras formam e o sentido dos discursos que estas frases constituem. A outra condição é o adestramento para a interpretação das frases e discursos lidos ou ouvidos. Ao desenvolver a capacidade de compreender e interpretar os discursos que ouve ou lê, o indivíduo desenvolve concomitantemente a capacidade de construir os próprios discursos, já que estas duas competências, a competência para interpretar e a competência para produzir discursos, decorrem de uma mesma aptidão, que é a aptidão para o pensamento abstrato, sobre ideias e conceitos, que só se desenvolve sendo estimulada e exercitada.
Todo ser humano aprende a língua pátria ouvindo desde o nascimento o que dizem à sua volta e observando a correlação entre o que ouve e o que vê e sente. Todo ser humano aprende a falar ouvindo, assimilando gradualmente um código linguístico por meio da escuta reiterada do que é dito no ambiente social em que vive e exercitando o emprego dos recursos linguísticos progressivamente adquiridos no esforço permanente de comunicação, de expressão das próprias necessidades e desejos. É aí, antes mesmo da alfabetização - que é o adestramento para a codificação e decodificação da representação escrita da fala -, que já começa o processo de letramento do indivíduo. Letramento, segundo os teóricos da educação, é o desenvolvimento das habilidades cognitivas necessárias para a produção eficaz e autônoma do próprio discurso e para a compreensão dos discursos das outras pessoas. Não ter estas duas habilidades constitui o que se convencionou chamar de analfabetismo funcional. E quando o analfabetismo funcional compromete especificamente a capacidade do indivíduo de produzir e compreender o discurso político, tem-se efetivamente o que há muito tempo se tem chamado de analfabetismo político. Ao processo de superação ou à pedagogia que permite a superação do analfabetismo político se pode chamar de "letramento político". Letramento político é o desenvolvimento das habilidades cognitivas necessárias para a produção eficaz e autônoma do próprio discurso político e para a compreensão dos discursos políticos das outras pessoas.
Língua e democracia
Em nenhum regime político a comunicação verbal, oral e escrita, é mais importante do que na democracia. Porque é do poder de persuasão dos discursos políticos que depende, em boa medida, a conquista de adesões e de votos para candidaturas ou propostas e porque é a clareza destes discursos, para aqueles cidadãos que os leem e ouvem, o que determina o grau de consciência com que eles farão os seus juízos e escolhas. Na democracia, a palavra é o principal instrumento de luta política. Não saber usá-la é como andar cego e desarmado num campo de batalha. Na disputa por adesões e por votos, os políticos e os partidos manipulam as palavras de forma mais ou menos hábil e leal para atingir seus objetivos, revelando, enquanto o fazem, não só o domínio maior ou menor da língua, mas sobretudo a honestidade maior ou menor dos seus propósitos. Qualquer dubiedade ou imprecisão de significados serve mais aos que querem confundir para ludibriar do que aos que pretendem convencer pelo esclarecimento.
A democracia, como método, pode ser definida como a livre expressão de demandas, críticas e propostas, visando à construção de consensos sociais – situações em que há concordância da maioria sobre algo – que influenciem e determinem o comportamento dos agentes políticos da institucionalidade, que são os membros dos parlamentos e governos. A construção destes consensos sociais se dá através do diálogo e do debate cotidiano dos diversos partidos e lideranças políticas entre si, com e perante a sociedade. O processo político na democracia, portanto, consiste na tomada de decisões institucionais baseadas em consensos sociais construídos por meio do diálogo e do debate coletivos.
Diálogo e debate
Debate é a luta pela prevalência de uma ideia sobre outra. Diálogo é a busca solidária pela melhor ideia. Diálogo e debate são exercícios de comunicação verbal. São formas de uso público da razão, nos quais o meio de comunicação é a palavra. Só podem exercê-los, o diálogo e o debate, e deles desfrutarem como ouvintes ou leitores, indivíduos que dominem um mesmo idioma e o vocabulário correspondente ao tema específico de que vão tratar. Sem que estas duas condições sejam atendidas, a qualidade da comunicação fica comprometida. E quando há falha na comunicação, não há discordância, nem concordância, há confusão; não há diálogo, nem debate, há falatório improdutivo.
Diálogo e debate são confrontos de discursos, em que se pretende apresentar os melhores argumentos a favor e os melhores argumentos contra uma determinada tese. Quanto mais claros forem os discursos, mais eficazes serão na comunicação dos seus conteúdos e, por isso mesmo, mais úteis à reflexão e formação da opinião de interlocutores e plateias. Um discurso é claro quando, antes de mais nada, usa palavras cujos significados são tão conhecidos por aqueles a quem se dirigem que não admitem interpretações dúbias ou contraditórias.
Riqueza e precisão da língua
Uma língua é rica quando tem várias palavras para expressar cada significado e uma língua é precisa quando atribui a cada palavra um só significado. A melhor língua é aquela que combina a riqueza da multiplicidade de opções vocabulares com a precisão da unicidade de significados para cada palavra. É aquela que dispõe de mais recursos para expressar o maior número de significados da maneira mais precisa. A melhor língua é aquela que, por sua riqueza e precisão, melhor serve à comunicação. É a que possibilita uma comunicação mais eficaz e eficiente.
O português é uma língua rica e precisa, mas muito mal dominada pelo povo brasileiro em razão das graves deficiências ainda existentes no sistema de educação pública do país. E, se tão precário já é o conhecimento e manejo da língua pelo povo para a comunicação dos conteúdos mais prosaicos da vida de relação no cotidiano, pior o é quando se trata do seu uso em uma atividade como a política, que, não obstante a enorme influência que tem na vida da sociedade, é exercida pelos trabalhadores de forma apenas eventual, ligeira e superficial, sendo deixada, a maior parte do tempo, ao encargo de especialistas.
Ambiguidade do vocabulário político, segundo Bobbio
Como toda atividade humana, a política tem seu jargão próprio, que são as palavras, gírias, termos técnicos e conceitos mais frequentemente usados pelos que nela atuam – políticos, militantes, acadêmicos e jornalistas – para expressarem os seus pensamentos. Este jargão é normalmente usado para classificar as diferentes formas e os diferentes projetos de organização econômica, social e política em disputa na sociedade, bem como os métodos propostos e usados por seus adeptos para a luta pela conquista e manutenção do poder. Mas, mais do que o de qualquer outra atividade humana, o jargão da política sofre de uma imprecisão de significados tal que torna qualquer tentativa de diálogo ou debate uma aventura em que se está sujeito a toda sorte de acidentes. Esse problema foi perfeitamente identificado pelo filosofo, historiador e cientista político italiano Norberto Bobbio, na introdução do seu livro Dicionário de Política, lançado em 1983. No texto, Bobbio reconhecia que a Ciência Política ainda não conseguira estabelecer um padrão de linguagem que desse precisão de significados às palavras usadas no discurso político e admitiu que o objetivo de seu Dicionário tampouco fora este, ao afirmar que na concepção da obra preferiu “a descrição dos diversos significados ideológicos em que um termo é usado à imposição de um deles”. Diz, Norberto Bobbio:
“A linguagem política é notoriamente ambígua. A maior parte dos termos usados no discurso político tem significados diversos. Esta variedade depende, tanto do fato de muitos termos terem passado por longa série de mutações históricas – alguns termos fundamentais, tais como ‘democracia’, ‘aristocracia’, ‘déspota’ e ‘política’, foram-nos legados por escritores gregos –, como da circunstância de não existir até hoje uma ciência política tão rigorosa que tenha conseguido determinar e impor, de modo unívoco e universalmente aceito, o significado dos termos habitualmente mais utilizados. A maior parte destes termos é derivada da linguagem comum e conserva a fluidez e a incerteza dos confins.
Da mesma forma, os termos que adquiriram um significado técnico através da elaboração daqueles que usam a linguagem política para fins teóricos estão entrando continuamente na linguagem da luta política do dia-a-dia, que por sua vez é combatida, não o esqueçamos, em grande parte com a arma da palavra, e sofrem variações e transposições de sentido, intencionais e não-intencionais, muitas vezes relevantes. Na linguagem da luta política cotidiana, palavras que são técnicas desde a origem ou desde tempos imemoriais, como ‘oligarquia’, ‘tirania", ‘ditadura" e ‘democracia’, são usadas como termos da linguagem comum e por isso de modo não unívoco.
Palavras com sentido mais propriamente técnico, como são todos os ‘ismos’ em que é rica a linguagem política – ‘socialismo’, ‘comunismo’, ‘fascismo’, ‘peronismo", ‘marxismo’, ‘leninismo’, ‘stalinismo’, etc. –, indicam fenômenos históricos tão complexos e elaborações doutrinais tão controvertidas que não deixam de ser suscetíveis das mais diferentes interpretações. (…) Nenhum termo da linguagem política é ideologicamente neutro. Cada um deles pode ser usado com base na orientação política do usuário para gerar reações emocionais, para obter aprovação ou desaprovação de um certo comportamento, para provocar, enfim, consenso ou dissenso.”
O analfabeto político
A linguagem política é como um idioma estrangeiro para quem não tem o conhecimento e a prática necessários ao seu uso e compreensão. É uma forma de analfabetismo, um analfabetismo político, não entender e não saber interpretar corretamente os discursos políticos dos outros e não saber formular de modo eficaz e autônomo o próprio discurso político. Na verdade, o não entender é muitas vezes a causa do não saber interpretar e o não saber interpretar é, não raro, a causa do não saber formular o próprio discurso. A incapacidade de entender o discurso político é, portanto, a causa mais frequente da incapacidade de pensar sobre a política, de raciocinar sobre a política, de analisar e julgar as ideias correntes e os fatos da política e de produzir as próprias ideias políticas. Porque a qualidade da reflexão política e a qualidade da comunicação das ideais políticas dependerão sempre e fundamentalmente do grau de domínio do vocabulário criado para dar nome, descrever e classificar os fenômenos inerentes à atividade política de governantes e governados e aos processos políticos da sociedade e do Estado.
É muito conhecido o texto de Bertolt Brecht, dramaturgo e poeta alemão da primeira metade do século 20, em que ele diz:
“O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala e não participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro, que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia política. Não sabe o imbecil, que da ignorância política nascem a prostituta, o menor abandonado, o assaltante e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e bajulador das empresas nacionais e multinacionais.”
A raiva de Brecht contra o analfabeto político denota que ele culpa o infeliz pela própria ignorância. Chama-o de burro e imbecil como se o não saber fosse uma escolha sua deliberada e não uma condição que lhe é imposta pelas circunstâncias da sociedade em que vive. O analfabeto político é, na verdade, uma vítima inconsciente do capitalismo, e não um reprodutor consciente da ideologia burguesa. É um não cidadão, um indivíduo desprovido dos meios mais elementares para o exercício da sua cidadania. O analfabeto político é um ser politicamente impotente e desorientado, incapaz de identificar como os seus próprios interesses materiais e as suas próprias aspirações éticas são enormemente afetados pela política, sendo por isso mesmo vítima frequente dos que fazem política contra ele, sem que ele tenha a menor noção das trapaças que sofre e sem que ele consiga sequer entender quem lhe alerta quanto à ação dos pilantras. O analfabetismo político não é uma escolha de quem dele padece, é uma escolha dos governantes contrários à democracia. O analfabetismo político não é, tampouco, uma debilidade intelectual ou moral do cidadão, é na verdade uma doença social que simplesmente inviabiliza o regime político democrático.
O saber e o fazer políticos
Ninguém nasce entendendo de política ou sabendo fazer política. Como toda e qualquer atividade humana, política também se aprende. Não é preciso ser gênio, dotado de aptidões especiais, diferentes ou superiores àquelas de que todo ser humano é dotado. A inteligência e o senso moral, que à frente de qualquer ideia, objeto ou fenômeno naturalmente reagem, dando origem aos sentimentos do bem ou do mal, do útil ou do nocivo, do justo ou do injusto, de que falou Aristóteles, e às atitudes correspondentes a estes sentimentos, são o que basta para se aprender a entender política e a fazer política. Aprender é adquirir, por meio da razão e ou da experiência, um conhecimento teórico ou prático. A política pode ser aprendida porque, como toda arte ou ciência, pode ser não somente observada e experimentada, como também explicada e ensinada. E quem pode explicar e ensinar a política? Admite-se com naturalidade que a imprensa e os partidos políticos o façam e assim até hoje tem sido. Mas eu estou convencido de que a escola e a universidade também podem e devem explicar e ensinar política ao povo brasileiro. E por que não poderiam fazê-lo? Não é função da escola e da universidade a educação das crianças e jovens para o exercício das suas cidadanias? E não é o conhecimento político essencial para o exercício da cidadania?
O saber político da humanidade é toda a tradição e toda a teoria produzidas a partir da experiência histórica dos povos. O saber político justifica e orienta o fazer político, que na democracia consiste basicamente em posicionar-se publicamente sobre os fatos políticos do cotidiano. Fato político é todo acontecimento público que diga respeito às prerrogativas e atribuições do Estado e às disputas entre grupos sociais, dentro e fora do Estado, pelo comando do Estado. Apreciar de modo crítico o fato político e dar publicidade ao juízo formado é a essência do fazer político na democracia. E esta é uma aptidão que só se desenvolve realmente através do estudo e através da prática. É com o exercício continuado da observação, análise e interpretação dos fatos políticos, diretamente testemunhados ou conhecidos como notícias através da imprensa, que o indivíduo gradualmente aprende a identificar o sentido dos atos dos agentes públicos, o sentido das suas palavras e o sentido da relação entre os seus atos e palavras. E é com o exercício continuado do diálogo e do debate públicos que o indivíduo gradualmente aprende a expressar verbalmente, com eficácia, estes juízos.
A matéria prima de todo diálogo e todo debate político é a notícia veiculada pelas mídias sociais (internet, TVs, rádios, jornais, revistas e até panfletos). A notícia – descrição de um fato – é a tradução de um problema para uma linguagem através da qual ele pode tornar-se público e, portanto, passível de ser tratado pela sociedade, na medida em que a sociedade dele toma ciência. Se a matéria prima do debate político cotidiano é a notícia, os instrumentos de análise dos fatos tornados públicos e da própria forma como são tornados públicos, são os conceitos políticos. Toda análise política, portanto, tem o fato político como objeto e um conjunto de conceitos políticos, previamente determinados, como instrumentos de análise. O fato político, como já dito, é dado pela imprensa. E os conceitos políticos, quem os ensina aos trabalhadores? No Brasil, tem sido a própria imprensa, é o que facilmente se constata. E como a imprensa no Brasil é quase toda comandada pela burguesia, que monopoliza as frequências de TVs e de rádios, a burguesia, através dela, explica e ensina aos trabalhadores a política e os conceitos políticos à sua moda, de acordo com os seus interesses de classe dominante. De tal modo que os trabalhadores acabam vendo a política, pensando a política, falando da política e fazendo política exatamente como a burguesia quer que eles façam. O comando do Estado e o monopólio das TVs e rádios garantem à burguesia um extraordinário poder para se impor como a grande educadora política da classe trabalhadora. O analfabetismo político de dezenas de milhões de brasileiros nada mais é do que um produto da educação para a alienação, submissão e conformismo que é imposta ao povo pelos ricos capitalistas do país.
Escola e imprensa como instrumentos da educação política das massas
Se a condição básica para que haja comunicação – e, portanto, participação no debate público – é o domínio de um mesmo código linguístico por emissor e receptor das mensagens transmitidas, a condição básica para que haja democracia é que o domínio deste código linguístico seja proporcionado de modo igualitário a todos os cidadãos. Porque é da igualdade na capacidade de interpretar os fatos políticos e da igualdade na capacidade de comunicação verbal do pensamento político que decorre a igualdade do poder de intervenção no debate público inerente ao processo político de uma democracia. Se a palavra é o principal instrumento da participação política na democracia, universalizar na sociedade a capacidade de bem usá-la é condição fundamental para que haja democracia. É preciso, portanto, educar as massas trabalhadoras para o exercício pleno das suas faculdades e direitos políticos, através da democratização do domínio da língua portuguesa e através da democratização do domínio do vocabulário usado nos discursos políticos. Só assim poderão os trabalhadores participar da vida política do país de forma consciente e com uma real autonomia em relação à burguesia. E uma tarefa tão grandiosa quanto esta, de educar milhões de trabalhadores para a participação no poder democrático, só poderá ser realizada através da ação do Estado e das grandes mídias eletrônicas, que são as televisões e rádios.
Educar os trabalhadores para a política é educar a nação para a democracia. Porque, sendo a democracia o regime em que o Estado é comandado pela maioria, que são os trabalhadores, a condição mais fundamental para que ela se realize é que haja entre os cidadãos e entre as classes o máximo de igualdade de meios para participarem da disputa pelo comando do Estado. O analfabetismo funcional e o analfabetismo politico são fatores que prejudicam enormemente a capacidade dos trabalhadores de participarem dessa disputa. É impossível construir uma verdadeira democracia com uma população constituída predominantemente por analfabetos funcionais e analfabetos políticos. O poder político da burguesia alimenta-se exatamente desta ignorância dos trabalhadores, que os deixa absolutamente indefesos contra os ardis e trapaças da classe dominante. Portanto, os trabalhadores brasileiros precisam mesmo de educação política. Mas não qualquer educação política, não algum projeto pedagógico inspirado nas aspirações autoritárias e anti-igualitárias do movimento fascista Escola Sem Partido, por exemplo, e sim uma educação política verdadeiramente libertadora da ideologia burguesa, que ainda aprisiona a mente das massas.
Saber é poder. Democrática é a discussão em que todos os participantes dispõem de meios equivalentes para compreender e julgar o que leem e ouvem e para expressarem os juízos que formam. Considero, portanto, que o acesso à educação política é um direito do cidadão que deve ser garantido pelo Estado. Por isso defendo a inclusão do ensino de Ciência Política nas escolas dos níveis fundamental e médio. Acredito que a melhor maneira de estimular a participação política do povo seja disseminar na sociedade o conhecimento sobre a política através do seu ensino nas escolas. Acredito que exercer a cidadania é fazer política no dia a dia e que muita gente deixa de exercer sua cidadania simplesmente porque não entende a política e porque não sabe como participar da política. Se se der às pessoas este conhecimento e se houver estímulos, desde os primeiros anos de vida escolar, para que desenvolvam o hábito de acompanhar e discutir política, elas tenderão muito mais a fazê-lo no decorrer das suas vidas do que hoje, quando são convencidas pela burguesia de serem incapazes de fazer política e de que a política, por ser uma atividade desprezível, não merece a sua atenção e o seu tempo.
Educação política para a democracia
Minha proposta é que se torne obrigatório o ensino de Ciência Política nas escolas do nível fundamental e médio, como forma de preparar os jovens estudantes para o exercício das suas cidadanias. Defendo a tese de que é preciso haver uma pedagogia que habilite o educando para a redação, leitura e interpretação do discurso político e para a análise crítica dos fatos políticos do cotidiano, porque estas são, a meu ver, as competências mais fundamentais para que o cidadão possa exercer de modo consciente e autônomo os seus direitos políticos.
A pedagogia que proponho teria como primeiro objetivo o domínio pelos estudantes do vocabulário usado nos discursos políticos e dos conceitos que cada palavra expressa. Esta etapa incluiria o conhecimento, em nível básico, dos sistemas econômicos, dos regimes de governo e das diversas formas de participação política desenvolvidas por cidadãos de todo o mundo, ao longo da história.
O segundo objetivo seria proporcionar ao estudante o conhecimento do sistema político brasileiro e das diversas formas, institucionais e não institucionais, de participação política já usadas e ainda usadas pelos cidadãos brasileiros. Esta etapa incluiria atividades práticas, como visitas a partidos e entidades do movimento social e convites aos seus representantes; participação dos alunos, como observadores, de assembleias e manifestações políticas públicas; exibição de vídeos, além de aulas explicando o que é, para que serve e como fundar um grêmio estudantil.
O terceiro objetivo seria desenvolver, pela prática em sala de aula, a competência para empregar aqueles conceitos aprendidos na primeira etapa do curso na análise dos fatos políticos noticiados pela imprensa.
O quarto objetivo seria desenvolver a competência para fazer a análise comparativa dos discursos produzidos pelos diversos agentes públicos (políticos, lideranças sindicais, populares e estudantis, magistrados, intelectuais, jornalistas, etc).
E o quinto e último objetivo seria a redação e apresentação pública, oral e escrita, do próprio discurso político.
Ainda não tive a oportunidade de ouvir a opinião de nenhum cientista político sobre esta minha proposta de incluir a Ciência Política na grade curricular das escolas, com estes cinco objetivos que enumerei. Mas acho que minha tese de que:
1) o cidadão não participa da política porque não entende e não sabe fazer política; de que
2) o cidadão não entende e não sabe fazer política porque ninguém lhe ensinou, ou seja, ninguém lhe ajudou a aprender política, ou ainda, ninguém lhe proporcionou os meios para aprender política; de que
3) o cidadão participará da política com mais frequência se entender a política e se souber como participar da política; e de que
4) o cidadão só entenderá a política e só saberá como participar da política se a educação política lhe for proporcionada;
é suficientemente consistente para merecer ser, ao menos, debatida na sociedade.
Conclusão
A disputa política na sociedade começa pela disputa no campo dos conceitos políticos, na luta pela determinação dos significados que devem ser atribuídos pela sociedade às palavras usadas nas reflexões e nos discursos políticos. "Nenhum termo da linguagem política é ideologicamente neutro", diz Norberto Bobbio. Esta é possivelmente a mais importante lição que a Ciência Política pode ensinar aos cidadãos brasileiros. E é exatamente este o papel que a Ciência Política deve ter nas escolas: ensinar aos pequenos cidadãos que a palavra democracia, por exemplo, quando usada para referir-se a algo bom, não pode ter o mesmo significado para a direita e para a esquerda, não pode significar a mesma coisa para a burguesia e para classe trabalhadora, para o explorador e para o explorado, para o opressor e para o oprimido.
O papel da Ciência Política nas escolas seria ensinar os diversos significados dos termos mais importantes e mais usados nos discursos políticos e a interpretar estes discursos, dando a cada palavra o sentido sugerido pelo contexto em que se insere e, sobretudo, considerando a posição social e o perfil politico-ideológico do autor do discurso lido ou ouvido.
A política continuará sendo uma atividade de especialistas, quase que completamente inacessível ao povo, enquanto o povo não tiver tanto conhecimento do seu jargão, das suas regras, das suas técnicas e das suas táticas quanto tem, por exemplo, do jargão, das regras, das técnicas e táticas do futebol. Uma democracia de massas pressupõe massas educadas para uma participação autônoma e consciente no debate público sobre como o Estado deve tratar os problemas da sociedade. O ensino de Ciência Política supriria uma enorme lacuna que existe hoje nos currículos escolares no que diz respeito à formação de cidadãos capazes de exercerem em plenitude os seus direitos políticos. O povo brasileiro precisa realmente de educação. Mas não de educação só para o trabalho e para uma convivência social civilizada. O povo brasileiro precisa de educação também e sobretudo para a política, porque só através da educação política poderá desenvolver as aptidões necessárias para disputar com a burguesia o comando do Estado, apropriar-se efetivamente dele e conquistar uma real soberania na definição do seu próprio destino e do destino do país.
O Brasil precisa de uma estratégia para o letramento político das suas massas trabalhadoras. Uma estratégia que, a meu ver, deve ser desenvolvida a partir de dois eixos de ação fundamentais, que são a adoção do ensino de Ciência Política nas escolas e uma democratização radical dos meios de comunicação eletrônica de massas, que são as televisões e rádios. A democratização dos meios de comunicação eletrônica de massas é fundamental para permitir a livre expressão e a ampla difusão de toda a pluralidade e diversidade de concepções e opiniões políticas existentes na sociedade, dando ao povo oportunidade de acompanhar e participar dos diálogos e debates públicos, com frequência suficiente para se familiarizar com os termos ouvidos e assimilar os seus significados e as suas possibilidades de uso. A repetição sistemática de cada palavra seguida, sempre que possível, do conceito que ela expressa é a única maneira de vulgarizar o vocabulário político e permitir que o povo dele se aproprie.
É evidente que uma política assim jamais será consentida pacificamente pela burguesia, que comanda o Estado. Terá, isto sim, que ser imposta a esta classe dominante por um governo de esquerda, com o apoio ativo da sua base social. A democratização da mídia e a adoção da Ciência Política nas escolas, com os objetivos que proponho, dependem realmente de algum grau de comando do Estado pela esquerda e pelos trabalhadores. Mas até mesmo para conquistar o governo do país através de uma eleição é preciso investir fortemente na formação de uma corrente de opinião pública que seja politicamente esclarecida. Por isso, a esquerda precisa desde já desenvolver uma estratégia para proporcionar aos trabalhadores, tanto quanto for possível, uma educação política que os ajude a compreender as disputas que estão em curso, para não caírem nas mistificações da imprensa burguesa e para não terem a própria opinião manipulada em favor dos interesses da classe dominante.
Mídias com grande alcance em termos de audiência são fundamentais para a transmissão da informação política e para a transmissão da educação política para grandes contingentes populacionais. Se as mídias eletrônicas - rádios e TVs - são inacessíveis para a esquerda, por estarem monopolizadas pela burguesia, ainda restam as mídias impressas, cuja produção e distribuição em grande escala na sociedade pode perfeitamente ser feita por um grande partido de esquerda, um partido de esquerda de massas, como o PT. Na verdade, o PT é a única organização de esquerda do país que tem condições de realizar uma política assim. Mas, para isso, o PT precisa se preparar adequadamente. E esta preparação consiste em transformar a ampla base de filiados que o partido tem numa ampla base de arrecadação financeira, para o financiamento da produção sistemática de milhões de jornais e panfletos, e numa ampla base partidária militante, para a distribuição destas mídias impressas aos trabalhadores, nas ruas e praças de todo o país. Significa que, para realizar hoje uma política de educação política das massas, o PT precisa deixar de ser um partido apenas eleitoral e parlamentar para ser um partido realmente militante. Enquanto o PT não tomar a firme decisão de fazer esta mudança radical na sua forma de funcionamento, como organização, vai continuar sendo impossível proporcionar a educação política que a classe trabalhadora precisa para se tornar uma real protagonista do processo político do país, disputando com a burguesia o comando do Estado. O que há muito tempo se vê é que sequer à sua própria base de filiados o PT proporciona educação política, o que compromete gravemente inclusive a democracia interna do partido. Como tornar o PT um partido militante? Com comando firme e disciplina, que não devem ser confundidos com desrespeito e autoritarismo.
Silvio Melgarejo
01/03/2018