domingo, 27 de janeiro de 2013

Cristianismo e Socialismo.

Por Silvio Melgarejo -  Socialismo é o sistema econômico-social que estabelece o mínimo de concentração da riqueza, para que haja o máximo de igualdade na divisão da riqueza.

Democracia é o regime político que estabelece o mínimo de concentração do poder, para que haja o máximo de igualdade na divisão do poder.

Socialismo Democrático é o sistema politico-econômico-social que estabelece o mínimo de concentração da riqueza, com o mínimo de concentração do poder, para que haja o máximo de igualdade na divisão da riqueza, com o máximo de igualdade na divisão do poder.

Há dois tipos de socialismo. O que é imposto ao povo e o que é imposto pelo povo. Um é o socialismo autoritário, já experimentado, que não deixou boas lembranças. O outro é o Socialismo Democrático, que ainda está por vir, no qual depositam suas esperanças os que têm a igualdade com liberdade como utopia. Eu sou um destes últimos e acredito que o Cristianismo é o mais poderoso aliado desse generoso ideal de organização social que é o Socialismo Democrático.

Quando falo em Cristianismo, não me refiro, evidentemente, às grandes religiões institucionalizadas que se reivindicam cristãs. Estas religiões não são e nunca foram fiéis ao Cristianismo genuíno. Refiro-me, isto sim, à proposta ética enunciada pelo próprio Jesus Cristo, conforme o relato dos evangelistas Mateus, Lucas e Marcos, que transcrevo abaixo. Peço a atenção dos que me leem. O Cristianismo não é uma igreja e não é uma religião; é uma proposta ética. É isso o que pretendo demonstrar a seguir.


Cristianismo segundo Jesus

Evangelho de Mateus, capítulo 22, versículos 34 a 40 
"Sabendo os fariseus que Jesus reduzira ao silêncio os saduceus, reuniram-se, e um deles, doutor da lei, fêz-lhe esta pergunta para pô-lo à prova: '- Mestre, qual é o maior mandamento da lei?' Respondeu Jesus: '- Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda tua alma e de todo o teu espírito (Deutoronômio, capítulo 6, versículo 5). Este é o maior e o primeiro mandamento. E o segundo , semelhante a este, é: Amarás teu próximo como a ti mesmo (Levítico, capítulo 19, versículo 18). Nesses dois mandamentos se resumem toda a lei e os profetas.'"
 Evangelho de Mateus, capítulo 7, versículo 12 (Sermão da Montanha)
"Tudo o que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles. Esta é a lei e os profetas."
Evangelho de Marcos, capítulo 12, versículos 28 a 31
"Achegou-se dele um dos escribas que os ouvira discutir e, vendo que lhes respondera bem, indagou dele: '- Qual é o primeiro de todos os mandamentos?' Jesus respondeu-lhe: '- O primeiro de todos os mandamentos é este: Ouve, Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor; amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu espírito e de todas as tuas forças. Eis, aqui, o segundo: Amarás o teu próximo como a ti mesmo.* Outro mandamento maior do que estes não existe.'" * (Citação de Deutoronômio, capítulo 6, versículos 4 e 5; e Levítico, capítulo 19, versículo 18)
Evangelho de Lucas, capítulo 10, versículos 25 a 37
"Levantou-se um doutor da lei e, para pô-lo à prova, perguntou: '- Mestre, que devo fazer para possuir a vida eterna?' Disse-lhe Jesus: '- Que está escrito na lei? Como é que lês?' Respondeu ele: '- Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu pensamento (Deutoronômio, capítulo 6, versículo 5); e a teu próximo como a ti mesmo (Levítico, capítulo 19, versículo 18).' Falou-lhe Jesus: '- Respondeste bem; faze isso, e viverás.'"
Evangelho de Lucas, capítulo 6, versículo 31 
"Tratai todos os homens como quereríeis que eles vos tratassem."


Quem são os cristãos


Cristãos não são os que se dizem cristãos. São os que lutam para atingir um ideal de conduta baseado no modelo de Jesus Cristo; os que, imperfeitos, perseguem a perfeição, segundo esse modelo. Cristãos são seres que vivem, diariamente, a tensão entre o ideal e o possível, entre a aspiração pela transcendência e a miserável condição humana. Não são anjos, não são os que não pecam. São os que, pecando, reconhecem seus erros e lutam consigo mesmos para não reincidir. Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo é a máxima que tomam por diretriz de suas vidas. O cristão é um revolucionário, dentro de si mesmo, lutando sem descanso, na intimidade de seu próprio ser, contra a tirania do orgulho e do egoísmo, que ainda lhe governam a alma e que identifica como razões maiores de sua desdita. O cristão acredita que a transformação do mundo começa com a transformação de si mesmo em algo próximo do que espera de seus semelhantes. Suas lutas, suas vitórias e suas derrotas, suas feridas abertas e suas cicatrizes, ninguém vê; ninguém senão ele mesmo sabe da dor e do gozo experimentados nessas batalhas. O cristão é, como todo ser humano, um guerreiro solitário em seu mundo íntimo. A diferença é que ele tem a seu favor a fé, que consola e encoraja, e a ética, que orienta e lhe aponta o rumo certo.


Fé cristã e ética cristã


O Cristianismo tem duas dimensões que são perfeitamente traduzidas pelos dois mandamentos citados por Jesus, como síntese de sua doutrina, conforme relatam os evangelistas. O Cristianismo tem uma dimensão religiosa e uma outra dimensão, que é a dimensão ética. Amar a Deus sobre todas as coisas, é o fundamento da fé cristã. Amar ao próximo como a si mesmo, é o fundamento da ética cristã. Não importa o que digam ou façam os que se dizem seguidores de Jesus. Eles não têm mais autoridade do que o próprio Cristo para dizer o que é o Cristianismo. E o que o Cristo disse foi que os maiores mandamentos da Lei de Deus são amar a Deus sobre todas as coisas e amar ao próximo como a si mesmo. Isso é o Cristianismo. O resto é o resto.

O indivíduo que ama ao seu semelhante realmente não precisa da fé cristã para seguir a ética cristã. Só precisa ouvir à própria consciência. Mas o indivíduo que ainda não sabe amar, precisa mesmo da fé cristã para seguir a ética cristã. Nesse caso, mesmo sem saber amar, ele agirá como se soubesse. Seus atos de amor não brotarão do amor genuíno pelo próximo, mas da obediência à vontade de Deus. A fé cristã fortalece o homem para que ele resista às dores da vida sem se curvar a elas. Já a ética cristã dá ao homem uma diretriz segura de bem proceder, para bem viver consigo mesmo e com os outros homens na sociedade. A ética e a fé cristãs não dependem, de fato, uma da outra, mas, também, de fato, o que se observa é que alimentam-se mutuamente e se robustecem quando presentes numa mesma pessoa.


O que é o Cristianismo


O Cristianismo é, portanto, o modelo de fé e de ética defendido por Jesus. Esse modelo de fé e de ética nada têm a ver com a produção teológica e com os atos condenáveis dos que O antecederam e O sucederam, apresentando-se como emissários de Deus. Jesus ensinou que o maior mandamento de Deus, no que se refere à relação do ser humano com seu semelhante, é que cada um ame a seu próximo como a si mesmo. Disse que nenhum outro mandamento, exceto o que recomenda o amor incondicional a Deus, é mais importante do que este. Amar a Deus é fazer a Sua vontade. E a vontade de Deus, segundo Jesus, é que todo indivíduo ame a seu próximo como a si mesmo. Portanto, este mandamento – amar ao próximo como a si mesmo – é a síntese perfeita do Cristianismo, apresentada por Aquele mesmo que todos os cristãos dizem ter como mestre. 


Cristianismo e Socialismo Democrático


O Cristianismo nada mais é do que a ética da solidariedade por empatia, ensinada por Jesus. Essa ética é a única capaz de servir de base cultural para a construção de um Socialismo Democrático, que não precise valer-se da repressão estatal às ambições de milhões de indivíduos egoístas, para promover e manter a ordem social igualitária. O Socialismo Democrático é aquele em que a igualdade não é imposta ao povo, e sim por ele desejada e buscada; é aquele em que a ordem igualitária não é só a realização do projeto de um partido, mas a realização da vontade soberana de um povo livre, inspirado pelo sentimento de solidariedade. 

A ética cristã não é realmente a melhor amiga das propostas revolucionárias autoritárias, idealizadas por vanguardas descoladas do povo, decididas a impor ao povo, pela força, o socialismo. Mas a ética cristã será a maior e a melhor aliada da revolução socialista democrática, aquela que será feita pelas próprias massas trabalhadoras, às quais há de servir de inspiração para a construção do mundo novo, justo e fraterno, no qual poderá viver feliz e em paz a humanidade.

O Reino dos Céus na Terra, cujo modo de ser construído foi ensinado por Jesus, começa na alma dos homens e se estende ao ambiente em que eles vivem. O homem capaz de amar a seu próximo como a si mesmo é naturalmente, mesmo que não saiba, um cidadão socialista, pronto para conviver feliz com os limites à concentração da propriedade privada, próprios da ordem igualitária. Um povo de egoístas jamais será feliz no socialismo. O egoísta pobre pode ser infeliz no capitalismo, mas se consola com a promessa capitalista de que ele um dia pode vir a ser rico. Essa promessa o socialismo não lhe faz, essa esperança o socialismo não lhe dá.

O egoísta não acha injusta a exploração do homem pelo homem, nem a distribuição desigual da riqueza; acha injusto, isto sim, que ele mesmo seja explorado e não explorador, e que a riqueza esteja concentrada em outras mãos que não as suas. Pouco lhe importa a condição miserável de milhões de semelhantes. Importa-lhe salvar a própria pele e ascender socialmente tanto quanto lhe seja possível, para gozar dos privilégios dos ricos, que não condena, antes inveja. Só à custa de uma brutal repressão estatal o socialismo pode ser imposto a esse tipo de gente que, a meu ver, continua a ser maioria na sociedade. E socialismo, imposto à maioria, não é socialismo democrático, é ditadura.

Socialismo é igualdade na divisão da riqueza. Democracia é igualdade na divisão do poder. Socialismo Democrático é a combinação desses dois conceitos, sendo a igualdade na divisão do poder, a condição fundamental para a conquista e manutenção da igualdade na divisão da riqueza. O Socialismo Democrático é aquele que é construído pelo próprio povo, e não por alguém em seu nome e à sua revelia.


Ética cristã e ética socialista


Todo sistema econômico se baseia em relações sociais regidas por algum tipo de ética. A ética do capitalismo é a da desigualdade, da competição e da indiferença pelo outro. A do socialismo é o inverso disso. A ética do socialismo é a ética da igualdade, da cooperação e da solidariedade. Ora, não é essa a mesma proposta ética do Cristianismo? Amar ao próximo como a si mesmo é querer o bem do outro em medida igual à que se quer o próprio bem. E não é esta uma clara exortação a que se estabeleçam relações sociais de cooperação e solidariedade para a promoção da igualdade entre os indivíduos?

São Paulo não é a minha maior referência em se tratando de Cristianismo; prefiro Jesus. Mas todas as religiões que se reivindicam cristãs o têm como referência até maior do que o próprio Cristo. Vejam o que diz o Apóstolo dos Gentios, na Segunda Epístola aos Coríntios, capítulo 8, versículos 12 a 15.
“Quando se dá de bom coração segundo as posses (evidentemente, não do que não se tem), sempre se é bem recebido. Não se trata de aliviar os outros fazendo-vos sofrer penúria, mas sim, que haja igualdade entre vós. Nas atuais circunstâncias, vossa abundância supra a indigência daqueles, para que, a seu turno, a abundância deles venha a suprir a vossa indigência. Assim reinará a igualdade. Como está escrito: ‘O que colheu muito não teve sobra, e o que pouco colheu não teve falta’ (Êxodo 16, 18)."
O discurso de São Paulo guarda notável sintonia com o ideal comunista proclamado por Marx, em sua ‘Crítica ao programa de Ghota’, de 1875, onde ele diz: 
“De cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades”.
Como se vê, a ética cristã, mesmo quando vocalizada por São Paulo e não pelo Cristo, é absolutamente idêntica à ética socialista. Igualdade, cooperação e solidariedade são os fundamentos de ambas. Por isso, todo discurso e toda prática genuinamente cristãos ferem profundamente o capitalismo em sua base cultural de sustentação – que é a ética da desigualdade, da competição e da indiferença pelo outro – e, portanto, são discursos e práticas essencialmente anticapitalistas e pró-socialistas.

Dir-se-á que o pacifismo cristão é um óbice à revolução socialista. Ora, revoluções não se fazem só com fuzis. Uma revolução socialista é algo muito mais complexo do que um simples golpe de Estado. Golpes de Estado só vingam quando o governo ou o próprio Estado estão debilitados. Mais poderosa que as ações de milícias revolucionárias é a mobilização pacífica das massas, desarmadas, para a desobediência civil, dentro e fora do Estado burguês. Esse tipo de mobilização é a forma mais eficiente de desarticular o Estado e esvaziar sua autoridade perante as massas, abrindo caminho, aí sim, para um golpe de Estado exitoso e virtuoso, porque democrático, já que realmente respaldado pelo povo em seus propósitos.


O nome político do amor é Socialismo


Quando a ética cristã e socialista da solidariedade for melhor compreendida e quando, afinal, for aceita pelas massas, como valor humano essencial e como padrão de conduta a ser seguido, não haverá mais como o capitalismo se sustentar. O chumbo dos pés do gigante terá virado barro, bastando um só golpe de martelo para pô-lo abaixo.

Só o Cristianismo com sua ética solidária, pode fazer com que os homens não se sintam coagidos a dividir suas posses, mas que, ao contrário disso, sendo livres, sintam-se movidos, pela própria consciência, a voluntariamente repartirem o que possuem e o que poderiam vir a possuir um dia. 

Só quem ama a seu próximo como a si mesmo é capaz de repartir o que tem, suas posses e seus sonhos, sem se sentir roubado. 

Só um povo constituído por indivíduos generosos, dotados da capacidade de amar seu semelhante, será capaz de viver feliz no socialismo. Porque só quem ama é capaz de ser feliz renunciando ao que tem em favor do outro.

O ódio pode derrubar governos e até mover revoluções. Mas não é capaz de construir o Socialismo Democrático. Quem constrói o Socialismo Democrático é a solidariedade. E a solidariedade nada mais é que o amor em ação. Por isso, concordo com Frei Betto quando ele diz, numa frase lapidar, que “o nome político do amor não é outro senão Socialismo”.

O socialismo é, sem dúvida nenhuma, o sistema econômico-social mais coerente com a ética cristã. Eu diria até, sem medo de errar, que o Socialismo Democrático, que estabelece a igualdade preservando a liberdade, será mesmo uma consequência natural da compreensão e da vivência da genuína ética cristã pela maioria dos indivíduos. Para mim, o Reino dos Céus na Terra, anunciado por Jesus, será de fato uma sociedade socialista e democrática.

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