domingo, 28 de outubro de 2012

Condenação sem provas fortalece PT, fere credibilidade do STF e exige debate sobre a Lei dos Meios de Comunicação.

Por Silvio Melgarejo - Festejam Globo, Veja, Folha e Estadão, a condenação de José Dirceu, José Genoíno, João Paulo Cunha e Delúbio Soares, pelo STF. Comemoram, note-se, com especial entusiasmo a condenação de Dirceu. É que julgam ser a decisão recentemente anunciada pelos ministros daquela corte o ponto final da história política de um dos mais importantes e, por isso mesmo, mais odiados líderes do partido de esquerda mais odiado, porque mais temido, pela direita brasileira, o Partido dos Trabalhadores.

Desejam ardentemente os dirigentes-donos desses verdadeiros partidos informais midiáticos que a condenação de Dirceu, Genoíno, Cunha e Delúbio, torne-se uma mancha perpétua na história do PT, motivo de vergonha para seus eleitores e militantes, a ser apontada e eficazmente explorada nas disputas eleitorais. Prá desespero deles e de seus colunistas-militantes, nem uma coisa, nem outra aconteceu ou vai acontecer. Nem Dirceu está morto politicamente, nem a militância petista baixou ou baixará a cabeça ante seus inimigos. Os petistas, ao contrário, cada vez mais numerosos, têm um orgulho imenso da história do Partido dos Trabalhadores, dos dois governos de Lula e do atual governo de Dilma; e depois de terem acompanhado o julgamento de seus antigos dirigentes, tiveram mais do que reforçada a certeza de que eles são realmente inocentes das acusações que lhes foram imputadas.

A condenação sem provas de José Dirceu, alvo principal da ira anti-petista na Ação Penal 470, de José Genoíno, João Paulo Cunha e Delúbio Soares, não é uma mancha na história do PT. É uma mancha na história do próprio STF que demonstra o quanto ainda precisam ser aperfeiçoadas as instituições democráticas brasileiras. Quem acompanhou, com um mínimo de isenção, o desenrolar dos debates no tribunal, pela TV ou pela internet, tomando ciência dos argumentos apresentados pela defesa e pela acusação, bem como das tortuosas e frágeis justificativas dos ministros para os seus votos, só pode concluir que Dirceu e os demais réus não tiveram o julgamento justo que todos os brasileiros desejávamos.

Demonizado pelos partidos midiáticos em quase uma década de furiosa e infame campanha de destruição de sua imagem, José Dirceu tem caminhado desde 2005 até aqui sozinho, sofrendo os ataques covardes das maiores e mais poderosas empresas de comunicação do país. Desde 2005, ele já fora condenado pela Globo e demais órgãos da imprensa oposicionista partidarizada. O veredicto repetido a partir de então, de modo sistemático, pelos porta-vozes destes órgãos, sem a garantia do justo e democrático contraditório, possibilitou o estabelecimento da crença em sua culpabilidade nos setores da opinião pública menos atentos e menos afeitos ao exercício da análise crítica dos conteúdos jornalísticos.

Criou-se desse modo, artificialmente, o ambiente social mais favorável possível à sua condenação na mais alta corte do país. Uma turma de juízes pusilânimes, vaidosos e irresponsáveis, garantiu o desfecho antecipado e exigido pelos partidos midiáticos, valendo-se das mais exdruxulas e controversas doutrinas jurídicas para tentar em vão justificar a limitação do direito de defesa, a inversão do ônus da prova, o desrespeito à presunção de inocência e a escandalosa condenação sem provas, baseada somente em indícios e deduções.

O desrespeito aos princípios mais fundamentais do direito, conhecidos até pelo mais leigo dos cidadãos, foi perpetrado à luz dos holofotes, diante das câmeras da TV Justiça, transmitido em tempo real para todo o Brasil, cumprindo com rigor um calendário meticulosamente preparado para permitir o que só os tolos admitem poder ser casual: que os réus petistas tenham sido julgados exatamente nas semanas do 1º e do 2º turno das eleições municipais. O presidente da corte, Aires Britto, não fez questão de esconder o esforço para que isso ocorresse. E o procurador Gurgel chegou a afirmar com todas as letras que gostaria mesmo que o resultado do pleito fosse influenciado pelas condenações.

As capas das publicações impressas dos partidos midiáticos oposicionistas e os discursos de seus colunistas-militantes expressaram exultante aprovação à confirmação de suas teses pelos respeitáveis e até então insuspeitos ministros da suprema corte. Vislumbram nesse endosso, Globo, Veja, Folha e Estadão, a possibilidade de recuperarem um pouco da credibilidade perdida em anos de corrupção do bom jornalismo. Mas, sobretudo, uma outra possibilidade vislumbram, a de usar a decisão dos juízes como material de propaganda contra o partido de esquerda tri-campeão em eleições presidenciais.

Precipitam-se os anti-petistas e sua imprensa comemorando uma vitória que, a meu ver, é apenas aparente. O triunfo obtido no Supremo tem tudo para provocar efeito inverso ao que esperam. Digo isso porque desde o início do julgamento venho lendo na internet manifestações de qualificados e experientes observadores apontando, entre indignados e preocupados, erros e incoerências graves dos ministros do Supremo, cujas implicações altamente negativas podem, segundo eles, ir muito além de uma, por si só, lamentável condenação de inocentes. Nota-se que não há, de fato, consenso nos meios jurídicos e jornalísticos de que o processo tenha ocorrido de forma regular. Há, ao contrário, muitas e bem fundamentadas críticas ao modo como tem sido conduzido, despertando e alimentando a convicção de amplos setores da opinião pública de que, pressionados pela mídia, os ministros deixaram de lado o direito e protagonizaram um julgamento meramente político.

O STF condenou João Paulo Cunha por corrupção passiva sem apresentar à sociedade nenhuma prova de que ele tenha influído no processo licitatório que levou à contratação da agência publicitária de Marcos Valério pela Câmara Federal, no período em que a presidia. E condenou Dirceu, Genoíno e Delúbio por corrupção ativa e formação de quadrilha, sem apresentar uma prova sequer de que tenha havido a compra de votos de que são acusados. Pior que isso, as provas apresentadas pelas defesas dos acusados não foram sequer contestadas, foram, isto sim, solenemente ignoradas. Não convenceu, por isso, o  STF, ao conjunto da sociedade brasileira – como era de se esperar que fizesse, principalmente por se tratar de um julgamento público tão divulgado e esperado – da procedência das justificativas apresentadas para a condenação daqueles líderes petistas. É grande, por conta disso, a desconfiança e o inconformismo na opinião pública. Há um sentimento e uma convicção, especialmente entre militantes e eleitores do PT, mesmo entre os que, como eu – filiado ao partido –, sempre discordaram das posições de Dirceu, de que ele, Genoíno, João Paulo e Delúbio Soares estão sendo condenados por crimes que não foram provados sequer em sua materialidade, de que estão sendo vítimas de um golpe político que tem Lula e o Partido dos Trabalhadores como alvos.

Dirceu, dos quatro injustiçados, desde o eclodir das denúncias, o mais politicamente ativo, malgrado o desejo de seus inimigos, ganhou uma vitalidade e uma força políticas ainda maiores depois que o julgamento tomou seus contornos definitivos. Com isso não deviam contar os inimigos do PT. Se tiverem, ele, Dirceu, e os outros petistas, que cumprir pena com privação de liberdade, muitos, na opinião pública, os considerarão presos políticos, porque têm a nítida percepção de que foram exclusivamente políticas as motivações dos que os condenaram. Por serem petistas foram condenados e por mais nenhuma outra razão além desta. A simples comparação do tratamento dado a eles, tanto pelo Ministério Público Federal quanto pelo STF, com o tratamento dispensado aos suspeitos e réus do mensalão do PSDB, evidencia o critério político a favorecer os operadores e beneficiários do ‘valerioduto’ tucano, em tudo igual ao petista.

Dirceu, Genoíno, Delúbio e João Paulo, massacrados sem chance de defesa por partidos midiáticos como a Globo, foram julgados publicamente e finalmente puderam apresentar à sociedade respostas às acusações e provas de suas inocências. Os argumentos usados em suas defesas foram infinitamente mais consistentes do que os apresentados pelos acusadores. Condenados por juízes mais empenhados em destruir inimigos do que em fazer justiça em nome da sociedade, Dirceu, Genoíno, João Paulo e Delúbio, foram absolvidos por importante parcela da opinião pública, que passa doravante a considera-los vítimas de uma feroz campanha política que extrapolou os limites impostos pelas regras do jogo democrático, e feriu gravemente  um dos fundamentos mais importantes da democracia que é o das garantias individuais inscritas na Constituição. As maiores vítimas deste julgamento tão cheio de falhas não foram, portanto, nenhum dos réus condenados sem provas, nem aqueles que através deles se pretendeu atingir, que são Lula e o PT. As maiores vítimas desse julgamento foram a própria justiça e a democracia brasileira. Porque, diante dos olhos da sociedade, a Constituição do país foi desrespeitada, e desrespeitada exatamente por aqueles que tem a missão de defendê-la.

O que se viu e o que se tem visto é que a Suprema Corte do Brasil curvou-se, servil e obediente, à Suprema Mídia, detentora exclusiva do poder de criar e destruir reputações. Tremem os ministros, por certo, diante do poder potencialmente devastador concentrado nas mãos de Roberto Irineu Marinho, presidente das Organizações Globo. Ou, pior que isso, sentem-se, com certeza, irresistivelmente seduzidos diante da possibilidade de ser por ele homenageados, tratados como heróis e até deuses diante do povo. A soberba dos ministros do Supremo só não é maior do que a sua vaidade. Por tributos a ela, parecem ter vendido seus votos, numa espécie de mensalão em que a bajulação é moeda de propina.

Por não terem tido um julgamento justo, Dirceu, Genoíno, João Paulo e Delúbio, ganham a solidariedade de toda a militância petista e de expressiva parcela da opinião pública não petista. O PT, vencedor inconteste das presentes eleições municipais, a despeito de toda a propaganda negativa sofrida, nunca esteve tão unido e fortalecido como agora. Se havia dúvidas sobre a inocência de seus antigos dirigentes quanto as acusações que lhes foram imputadas, essas dúvidas foram inteiramente dirimidas pelo próprio Procurador Geral da República, Roberto Gurgel, pelo relator, ministro Joaquim Barbosa, pelo revisor, Ricardo Lewandovisk, e pelos demais ministros do STF. Porque mesmo quando votaram pela condenação dos réus, suas justificativas pediam a absolvição, tamanha era a carência de elementos realmente comprobatórios das hipóteses engendradas.

A discurseira vazia do procurador e a performance teatral, por vezes patética, dos ministros acusadores só serviu para conduzir os observadores sinceramente interessados em que se fizesse justiça à conclusão inescapável de que não houve mesmo compra de votos, de que Delúbio Soares não mentiu quando afirmou na CPMI dos Correios, e depois, em juízo, que o ‘valerioduto’ era um esquema de caixa 2 e que os repasses de dinheiro aos parlamentares, do seu e de outros partidos, destinavam-se ao pagamento de dívidas de campanha. A abundância retórica e a eloquência virulenta dos ministros daquela corte suprema, são índices de uma enorme vontade de condenar os réus, mas não foram suficientes para disfarçar, perante a parcela da sociedade mais civilizada, comprometida com a justiça, com a verdade e com o direito, a ausência absoluta de provas que fundamentassem a acusação de compra de votos.

Tratados como bandidos durante anos, Dirceu, Genoíno, Delúbio e João Paulo, saem do julgamento injusto a que foram submetidos, como vítimas do poder paralelo, ilegítimo e ilimitado, das Organizações Globo, de Roberto Irineu Marinho, que influenciaram de modo grosseiro e ostensivo os procedimentos, os discursos e os votos equivocados da maioria dos magistrados. A vergonhosa submissão do STF à vontade do supremo midiático Marinho é mais uma mancha na história daquela corte e nas biografias de seus ministros, com a honrosa exceção do bravo e esforçado Lewandovisk.

Ficou patente, neste como em outros casos, a ascendência do oligopólio das empresas de comunicação sobre os três poderes da República, num desequilíbrio de forças que representa clara e permanente ameaça à democracia, ao chamado Estado Democrático de Direito. Supremo, por ilimitado, tem sido o poder da Globo, razão pela qual é preciso, é urgente, que sejam retomadas as mobilizações pela votação no Congresso de um novo Marco Regulatório das Comunicações, que proporcione ao poder executivo os meios legais de dar cumprimento à proibição constitucional do monopólio e do oligopólio neste setor, de modo a democratizá-lo, através da garantia da livre expressão da pluralidade e da diversidade existentes na sociedade, que tem sido sufocadas pela concentração dos meios de comunicação nas mãos de algumas poucas famílias. Só assim será possível dar cumprimento a outro preceito constitucional frequentemente desrespeitado por detentores de concessões de rádio e TV, como Roberto Irineu Marinho: o direito democrático do cidadão à informação.

A luta pela democratização das comunicações deve ganhar um novo e, quem sabe, até decisivo impulso com as prováveis prisões de Dirceu, Genoíno, João Paulo e Delúbio Soares. De dentro de suas celas, estes homens serão fonte abundante de inspiração para os verdadeiros combatentes da causa social e democrática, como foram no passado outros mártires. O injusto, violento e arbitrário sacrifício de suas liberdades será como chaga aberta na consciência de quantos compartilhem dos ideais pelos quais eles foram condenados.

O homem justo, que já sofre e se revolta ante a simples perspectiva ou suspeita de uma injustiça, sofre e revolta-se ainda mais quando a injustiça se consuma de modo claro ante seus olhos. Não há de ser em vão, portanto, o martírio em vida – desde 2005 e a partir de agora no cárcere – daqueles companheiros. Em nome deles, vítimas mais recentes e conhecidas do poder sem regras e sem limites do oligopólio das comunicações, liderado pelas Organizações Globo, é que a militância do PT deve exigir das direções e dos parlamentares do partido a imediata retomada das mobilizações sociais pela votação no Congresso do novo marco regulatório das comunicações. Se a militância do Partido dos Trabalhadores não tiver essa atitude e se nossos dirigentes e parlamentares não a encamparem, será em vão o sacrifício da liberdade dos companheiros agora condenados.

Por isso, eu me dirijo agora aos militantes e simpatizantes do Partido dos Trabalhadores e lhes digo com a mais absoluta segurança. Não é hora de se lamentar, nem de se queixar. É hora de agir. É hora de lutar. Não vamos permitir que, encorajadas pela vitória no Supremo e por nossa apatia e imobilismo, as forças da direita, eleitoralmente derrotadas, deem curso ao projeto de voltar ao poder via golpes judiciários como os que depuseram os presidentes de Honduras e Paraguai, e como este que acabamos de testemunhar agora no Brasil. Dirceu, Genoíno, Delúbio e João Paulo serão presos políticos. É assim que os devemos considerar e é isso o que temos que denunciar ao povo brasileiro e à opinião pública internacional. O Brasil voltou a ter presos políticos, como no tempo da ditadura. E não há porque duvidar de que os próximos alvos dos golpistas são o ex-presidente Lula e a presidenta Dilma Rousseff. 

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