O povo é capaz de entender, se bem lhe explicarem, que os resultados do governo não dependem apenas da vontade do governo, dependem da vontade do Estado, do qual o governo é apenas parte.
E o povo não sabe o que é burguesia e proletariado mas entende perfeitamente que ricos e pobres são classes sociais e que têm interesses distintos e conflitantes.
O que falta explicar para o povo é que:
1) os interesses de ricos e pobres não são só conflitantes, são inconciliáveis;
2) que os ricos e pobres são representados na política por partidos;
3) que os partidos representantes dos ricos são classificados como "de direita";
4) que os partidos representantes dos pobres são classificados como "de esquerda";
5) que a esquerda pode estar comandando o governo, mas que no resto do Estado, quem manda é a direita; e
6) que esquerda e direita travam uma disputa pelo comando do Estado da qual ele, povo, pode e precisa participar.
Se o povo for informado e conseguir entender que os resultados do governo não são os esperados porque os ricos impedem, por meio de ações da direita no interior do Estado, ele pode compreender que os melhores resultados do governo dependem da derrota da direita.
Não só isso. Pode compreender também que, se a força da direita provém do apoio dos ricos, a esquerda só poderá derrotá-la se tiver o apoio dos pobres.
É o bê-a-bá da luta de classes.
"Pobre", na linguagem do povo, é sinônimo de trabalhador.
E "rico", na linguagem do povo, é sinônimo de grande proprietário.
Luta de classes, para o povo, é "pobre contra rico".
E é esse antagonismo histórico que precisa ser claramente identificável na disputa entre a esquerda e a direita, para que o povo possa entender quem é seu amigo e quem é seu inimigo e a importância do seu engajamento nas mobilizações que sejam convocadas pela esquerda e pelo próprio governo.
Mas como tornar visível para o povo o antagonismo entre pobres es ricos nas disputas políticas? Não admitindo o apaziguamento entre esquerda e direita e não permitindo que as diferenças entre esquerda e direita se apaguem, sobretudo na formação das alianças eleitorais e de governo.
Ou seja, para que o povo identifique o antagonismo entre pobres e ricos nas disputas políticas é preciso que esquerda e direita estejam sempre em campos opostos, defendendo programas opostos que correspondam de maneira inequívoca aos interesses que efetivamente representam.
A disputa esquerda versus direita é a expressão institucional da luta de classes. Na ausência de luta de classes essa distinção perde completamente o seu sentido. É o que acontece toda vez que a esquerda resolve fazer aliança com a direita ou sacralizar as instituições que a direita comanda.
Toda aliança da esquerda com a direita iguala esquerda e direita aos olhos do povo.
E toda defesa que a esquerda faça da legitimidade e do caráter democrático das instituições do Estado comandado pelos ricos é alimento para as ilusões que impedem os pobres de alcançarem a "consciência da oposição irredutível de seus interesses com toda a ordem política e social existente" (Lenin).
Como convencer o povo de que a maior dificuldade da esquerda para fazer um bom governo é a oposição da direita, se a direita faz parte do governo e é tratada pela esquerda como sua aliada e amiga do povo? Não dá, não faz o menor sentido.
O apaziguamento entre esquerda e direita e a supressão das suas diferenças para a formação de alianças eleitorais e de governo torna a esquerda tão responsável pelas limitações dos seus governos quanto a oposição de direita.
Toda aliança da esquerda com a direita é um pacto entre as representações institucionais das classes para a preservação dos privilégios dos ricos em troca de minúsculas concessões para os pobres.
Governos de frente ampla são generosos com os ricos e avaros com os pobres. Por isso muito raramente correspondem às expectativas do povo. São governos medíocres, conservadores de injustiças, que cedo ou tarde acabam tendo que enfrentar a rejeição do povo, pelas frustrações e decepções que provocam.
A esquerda que planta conciliação de classes colhe desmoralização e descrédito perante as massas trabalhadoras. Se a direita é inimiga dos trabalhadores, a esquerda não pode tê-la como aliada sem mentir para os trabalhadores e tornar-se também sua inimiga. Se os objetivos são opostos, o acordo só é possível se um dos lados renúncia ao que pretende. E a esquerda não tem o direito de renunciar nada em nome dos trabalhadores. A esquerda tem o dever de lutar contra a direita e sempre dizer a verdade para os trabalhadores. Só assim vai poder conquistar a sua confiança e o seu apoio, para enfrentar qualquer dificuldade.