Não é menos inconsistente a argumentação do professor Gilberto Maringoni, do PSOL, para defender Alckmin vice do Lula do que todas as demais argumentações neste mesmo sentido que tenho lido e ouvido na internet. Na verdade, o professor Maringoni repete o modelo predominante de discurso, que consiste em: 1 - superestimar a força do bolsonarismo; e 2 - apagar da história o golpe de 2016. Maringoni abre o seu texto dizendo: "Juro que não consigo entender a carga pesada que alguns ativistas de esquerda - gente de valor - fazem contra a chapa Lula-Alckmin". Pois eu juro que não consigo acreditar que ele não entenda. A menos que ele esteja acometido de uma amnésia histórica seletiva. Porque não há de ser por desinformação que omite fatos de tamanha relevância, vividos tão recente e intensamente por toda a nação. Como ele não é o único a fazê-lo, suponho estar havendo um surto dessa amnésia seletiva na esquerda brasileira. Seletiva porque da memória só some o que não convém à tese apregoada por seus padecentes. Ou supostos padecentes, se a amnésia for simulada.
Reproduzo o texto de Maringoni ao fim deste post e quem o ler há de constatar que nenhuma menção é feita ao golpe de 2016. Não posso afirmar que é intencional essa omissão, pode ser mesmo efeito de amnésia. Mas posso dizer seguramente que ela muito convém à defesa da tese do autor. Porque realmente, para defender com eficácia essa aliança que Lula está fazendo, tem que se fazer mesmo o que Maringoni faz no seu texto e o que todos os defensores dessa aliança, a começar pelo próprio Lula, têm feito o tempo todo: apagar uma parte importante da história, esquecer que houve um golpe de Estado e esquecer que este golpe foi liderado por Alckmin e a centro direita e não por Bolsonaro e a extrema direita.
É preciso além disso esquecer, para defender essa aliança, que a Lava Jato só se tornou o monstro destruidor que virou por causa do apoio de Alckmin e da centro direita e não pelo apoio de Bolsonaro e da extrema direita. E é preciso também ignorar que em 7 de setembro de 21, quando Bolsonaro tentou um golpe de Estado, simplesmente fracassou. Ou seja, Alckmin foi líder de um golpe exitoso enquanto Bolsonaro foi líder de um golpe que sequer aconteceu. Quem é então a maior ameaça à democracia? Já disse minha opinião no texto Bolsonaro não tem força para um golpe. Centro-direita é perigo maior, publicado neste blog.
Aí está o padrão da retórica alckmista nas hostes da esquerda: superestimar a força do bolsonarismo e apagar da história o golpe de 16. Pois só assim se pode dar crédito a Alckmin e usar Bolsonaro como bode expiatório por tudo que aconteceu desde a deposição de Dilma, sobretudo nas áreas econômica e social, e ainda por cima sustentar que a maior ameaça à democracia é Bolsonaro e não Alckmin.
Mas Maringoni vale-se de um recurso retórico adicional, que é identificar Alckmin com alguns dos nomeados nos governos petistas para ministérios ou indicados naquele tempo para o Supremo. A lógica implícita nessa comparação é a de que se erramos naquelas nomeações e indicações devemos insistir no erro e não nos corrigirmos. Ele diz que é "um purismo infantilóide que descortina oportunismo cru" todo o esforço que se tem feito para não errar de novo.
Aliás, é bom lembrar que num governo, os ministros podem ser substituídos, mas o vice-presidente, assim como os juízes do Supremo, não. De modo que não há como corrigir a escolha errada de um vice. Por isso é tão séria essa decisão que está sendo tomada. Que os militantes inexperientes e desinformados a banalizem, é compreensível. Mas é imperdoável que os mais experientes e bem informados o façam, induzindo os demais ao erro, à ilusão de estarem no melhor caminho. A decepção e a derrota os esperam, se não mudarmos de rumo.
Por fim, quero destacar uma pergunta do professor Maringoni que é a expressão mais viva da sua amnésia histórica seletiva. Ele indaga: "Alckmin seria mais conservador que José Eduardo Cardozo"? Minha resposta: provavelmente não. Mas Alckmin liderou o golpe, apoiado por Bolsonaro, enquanto José Eduardo Cardozo lutava contra o golpe, ao lado de Dilma, eles estavam em lados opostos, José Eduardo na trincheira da democracia e Alckmin na trincheira do golpismo. Mas o professor esqueceu ou finge que esqueceu o que aconteceu naqueles dias não tão distantes.
O que Maringoni classifica como "a única tentativa viável de nos tirar do abismo e de recolocar o Brasil no rumo da democracia" é na verdade o caminho mais seguro para uma derrota efetiva, depois de uma vitória ilusória. Com Alckmin vice de Lula, os bilionários e a centro direita instalam a terceira via, que tantos dão como morta, dentro da primeira, de forma definitiva. Com isso deixam Lula com duas alternativas: ou ele preserva o legado do golpe, a Ponte Para o Futuro, ou sofre um golpe de Estado. E se isso acontecer, a esquerda, assim como em 2016, não será capaz de resistir porque será pega de surpresa e não estará preparada para dar a resposta necessária. Os que, como eu, se opõem a essa aliança estão tentando evitar que a esquerda caia nessa cilada. Porque se esse plano foi concebido por Alckmin, eu digo que é genial. Mas se a ideia foi de Lula, eu considero um desastre, uma autossabotagem, que eu espero mesmo que não prospere.
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SEGUE O TEXTO COMENTADO
"A OPOSIÇÃO À CHAPA LULA ALCKMIN ULTRAPASSOU OS LIMITES DO RAZOÁVEL.
CORRE O RISCO DE CAIR NA SABOTAGEM ABERTA
Juro que não consigo entender a carga pesada que alguns ativistas de esquerda - gente de valor - fazem contra a chapa Lula-Alckmin. Os resultados desastrosos do primeiro turno francês batem na nossa cara, depois dos quatro candidatos progressistas sequer terem se sentado para traçar uma tática comum, que poderia ter levado Jean-Luc Melénchon à segunda volta.
Tenho duas impressões sobre a tentativa de torpedear a chapa progressista brasileira, que unifica vários partidos.
A PRIMEIRA é a sensação que os que a atacam são insensíveis não apenas a fascitização do governo Bolsonaro e seus apoiadores, mas à gosma social que o sustenta. Os últimos sete anos, com três governos que investiram pesado na desconstrução de regras e parâmetros públicos de convivência, geraram monstros sociais incontroláveis. As Forças Armadas viraram um lumpesinato fardado, as polícias estão incontroláveis, diversos bandos milicianos fortemente armadas estão prontos para botar fogo no circo nos próximos meses, entre outras coisas. Diante disso, os detratores da chapa Lula-Alckmin atuam como se estivéssemos na Suíça, com as condições normais de temperatura e pressão garantidas até outubro;
A SEGUNDA IMPRESSÃO vem de um purismo infantilóde que descortina oportunismo cru. Alguém acha, siceramente, que Alckmin tem posições mais neoliberais do que Antonio Palocci e Henrique Meirelles - que elevaram a selic a 26,5% em 2003 e o superávit primário para 4,8% do PIB em 2005 (índice sequer tentado nos anos FHC)? Ou que a fé mercadista do governador suplanta a de Dilma Rousseff, que dobrou o desemprego em 15 meses e chegou a dizer - ao jornal belga Le Soir, em junho de 2015 - que não havia outro caminho a não ser o alucinado ajuste fiscal que arrebentou nossa economia? Alckmin seria mais conservador que José Eduardo Cardozo, que ofereceu ao ex-governador a Força Nacional para reprimir os protestos de 2013? Seria um direitista mais extremado que Dias Tóffoli, Luís Fux, Luís Roberto Barroso, Edson Facchin e outros juristas de confiança do PT?
Pela composição de forças, a chapa Lula-Alckmin não parece ser nem melhor e nem pior do que as administrações do período 2003-16. Assim como aqueles governos, a chapa não tem em seu horizonte qualquer perspectiva de transformação social.
Ocorre que a política gira e a Luzitana roda. Hoje, mesmo um governo mediano e tímido é preferível à barbárie em curso. As oposições de esquerda ao longo dos 13 anos petistas foram incapazes de gerar um programa de desenvolvimento factível e realista. Não adianta brigar pelas aparências agora.
Assim, repito: investir contra a chapa Lula-Alckmin não apeas atrapalha, mas objetivamente sabota a única tentativa viável de nos tirar do abismo e de recolocar o Brasil no rumo da democracia."
https://disparada.com.br/oposicao-chapa-lula-alckmin/