sábado, 24 de fevereiro de 2018
quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018
"Guerra às drogas" inviabiliza a segurança pública.
O grande nó da segurança pública no Brasil chama-se "política de drogas". Não há dinheiro e não há gestor público no mundo que consiga dar paz a uma sociedade com este tratamento que damos à questão das drogas. Parece bastante evidente, e ainda assim muita gente ignora, que a criminalização da maconha, e também da cocaína, financia o poder corruptor e bélico dos bandidos, quando deixa a demanda, permanentemente forte, da sociedade por estas drogas sem outra alternativa de oferta que lhe atenda, a não ser o tráfico. O traficante de drogas, com todo o poder que exerce e com todo o poder que ostenta, é um produto da criminalização da maconha e da cocaína. Sem a criminalização, ele seria um delinquente comum, muito mais fácil de ser enfrentado, por ter menos meios.
Faça-se, além disso, um levantamento de quantas pessoas morreram pelo uso destas drogas proibidas e de quantas pessoas morreram pela violência dos confrontos entre traficantes e destes com os policiais no último ano ou nas últimas décadas e se verá que a preservação da vida humana é a última das preocupações dos defensores desta política.
A criminalização da maconha e da cocaína mata em massa. Fere e mutila em massa. Encarcera em massa. Aterroriza as comunidades pobres e consome boa parte dos recursos financeiros do Estado. E apesar disso tudo, nunca alcança o objetivo perseguido, que é a redução substancial do consumo destas drogas pela sociedade. Trata-se, portanto, de uma política cara, ineficaz e extremamente nociva.
É preciso afrontar os preconceitos e a hipocrisia dos que se empenham em alimentá-los, por interesses escusos, e defender uma mudança radical no tratamento que vem sendo dado à questão das drogas no país. É preciso conscientizar a sociedade, principalmente a classe trabalhadora mais pobre, que é maior vítima da "guerra às drogas", da necessidade de se tirar o controle da oferta da maconha e da cocaína das mãos da bandidagem, e de que isto só poderá ser feito através da legalização da produção, comércio e consumo destas duas drogas. Esta é a discussão que precisa ser feita hoje, neste momento em que a segurança pública é posta em evidência máxima, em razão da intervenção federal no Rio, que a tem por justificativa. Não se vence o narcotráfico com tiros de fuzil e com prisões. Se vence por asfixia financeira, trazendo para a economia formal o enorme mercado de consumo que o sustenta.
Mortais são os fuzis, não os baseados. Pela vida e pela paz, legalizem.
Silvio Melgarejo
22/02/2018
Faça-se, além disso, um levantamento de quantas pessoas morreram pelo uso destas drogas proibidas e de quantas pessoas morreram pela violência dos confrontos entre traficantes e destes com os policiais no último ano ou nas últimas décadas e se verá que a preservação da vida humana é a última das preocupações dos defensores desta política.
A criminalização da maconha e da cocaína mata em massa. Fere e mutila em massa. Encarcera em massa. Aterroriza as comunidades pobres e consome boa parte dos recursos financeiros do Estado. E apesar disso tudo, nunca alcança o objetivo perseguido, que é a redução substancial do consumo destas drogas pela sociedade. Trata-se, portanto, de uma política cara, ineficaz e extremamente nociva.
É preciso afrontar os preconceitos e a hipocrisia dos que se empenham em alimentá-los, por interesses escusos, e defender uma mudança radical no tratamento que vem sendo dado à questão das drogas no país. É preciso conscientizar a sociedade, principalmente a classe trabalhadora mais pobre, que é maior vítima da "guerra às drogas", da necessidade de se tirar o controle da oferta da maconha e da cocaína das mãos da bandidagem, e de que isto só poderá ser feito através da legalização da produção, comércio e consumo destas duas drogas. Esta é a discussão que precisa ser feita hoje, neste momento em que a segurança pública é posta em evidência máxima, em razão da intervenção federal no Rio, que a tem por justificativa. Não se vence o narcotráfico com tiros de fuzil e com prisões. Se vence por asfixia financeira, trazendo para a economia formal o enorme mercado de consumo que o sustenta.
Mortais são os fuzis, não os baseados. Pela vida e pela paz, legalizem.
Silvio Melgarejo
22/02/2018
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Segurança Pública
O crime declara “guerra ao crime”, de olho na eleição de outubro.
A crise na segurança pública do Rio é real e é grave. Mas não começou agora e não é a verdadeira motivação da intervenção federal no estado. A intervenção tem a ver com a eleição presidencial de outubro, mais precisamente com a candidatura do atual presidente. É, como muitos já dizem, junto com a criação do ministério extraordinário da segurança pública, uma ação de marketing. O mais impopular de todos os presidentes que o país já teve tem bons motivos para pretender continuar no cargo e bons motivos para acreditar que isto é possível. Continuando na presidência adiaria, por pelo menos mais quatro anos, o encontro com a justiça, para o acerto de contas que deve levá-lo à cadeia. Hoje parece improvável que consiga vencer a eleição. Mas Temer não tem nada a perder. Por isso vai para o tudo ou nada. Favorece-lhe a exclusão de Lula do pleito de outubro e a posição que exerce, de presidente da república. Com os poderes extraordinários que o cargo lhe dá, pode ser um candidato mais forte, por dispor de mais meios e mais exposição, do que qualquer um destes nomes em que a burguesia vem investindo, sem conseguir empolgar a maior parte do eleitorado. Sobretudo se adotar a estratégia certa. Tendo perdido o discurso da ética e da melhoria das condições de vida do povo, lança-se o candidato, ainda sem assumir-se como tal, ao debate político nacional como o "presidente da segurança pública", com o evidente propósito de reduzir a pesada rejeição que carrega e angariar alguma popularidade. Bolsonaro percebeu que lhe roubaram a bandeira de campanha e reagiu indignado. “Temer já roubou muita coisa, mas meu discurso ele não vai roubar”, disse em entrevista ao Poder 360. Num vídeo que está na internet, ele declara-se contra a intervenção no Rio, porque avalia que o decreto presidencial não dá "cobertura jurídica" para os soldados e policiais usarem a violência nas operações indiscriminadamente. Diz que, desse jeito, a intervenção será ineficaz. Chamou-a de "remendo". Não pela mesma razão, eu diria que é menos que isso. Mas pode ser útil ao projeto eleitoral do presidente.
Temer é um político oportunista. Já havia mostrado sê-lo quando era vice de Dilma. A Lava Jato se acercava do seu grupo e preparava o bote, quando Aécio e o PSDB aliaram-se a Cunha para sabotar o ajuste fiscal da presidenta, que era apoiado pela burguesia. Em 7 de agosto de 2015, o jornal O Globo publicou editorial condenando a atitude dos tucanos e chamando-os de imaturos, insensatos e inconsequentes. Reproduzo, a seguir, o editorial na íntegra, para que se tenha ideia do grau de insatisfação que ele expressava.
Em 25 de setembro de 2015, a Folha informava:
É muito provável que neste momento o então vice-presidente tenha visto uma oportunidade excepcional de conquistar para o seu partido a blindagem midiática e judicial de que sempre desfrutou o PSDB. Se os tucanos botaram a disputa partidária acima dos interesses da burguesia, o PMDB mostraria doravante uma atitude oposta. E aí lançou o documento Uma Ponte Para o Futuro, que era um programa neoliberal muito mais radical do que os programas defendidos por Aécio e Marina na campanha eleitoral de 2014. Se a burguesia já apoiava o ajuste fiscal de Dilma, era impossível que não se empolgasse e abraçasse o programa que ele oferecia. E, de fato, a burguesia empolgou-se e abraçou a Ponte Para o Futuro. Só que Dilma não topou ir além do ajuste fiscal e tornou-se um obstáculo à realização deste novo programa, quando tentaram lhe impor. Por isso foi derrubada num golpe de Estado. Há um vídeo na internet em que o próprio Temer conta essa história.
O vice-presidente assumiu então a presidência e acumulou sucessivos êxitos no cumprimento do roteiro estabelecido, até chegar na reforma da previdência, considerada fundamental pela burguesia. Nesse ponto o avanço da Ponte Para o Futuro parou. É que a base parlamentar golpista percebeu o despertar da consciência do povo e, pensando na eleição de outubro, recuou. O povo realmente entendeu o prejuízo que teria com a reforma da previdência e descobriu afinal que foi enganado pelos defensores do impeachment de Dilma e da perseguição judicial implacável a Lula e ao PT. Isso ficou bastante claro durante o carnaval, mas há algum tempo já vinha sendo registrado nas pesquisas de opinião. Restando-lhe apenas dez meses do mandato presidencial que lhe garante proteção contra investigações e ações judiciais, enxerga Temer na crise da segurança pública do Rio uma oportunidade para se reinventar e reverter uma situação extremamente adversa, com um movimento muitíssimo ousado e de êxito improvável, mas não impossível. Se nada tentar, a prisão é-lhe o destino certo. Tentando, tem alguma chance de escapar, mesmo remota. Então tenta a eleição para ver no que vai dar.
Para tornar-se viável, a candidatura Temer precisaria de uma bandeira e de um discurso que garantam votos. A bandeira da segurança pública e o discurso da guerra ao crime, com o uso das forças armadas, pareceram ideais. E em 17 de fevereiro, para surpresa geral, anunciou Temer a intervenção federal no Rio, estreando a sua nova bandeira e o seu novo discurso, como se inaugurasse naquele instante um novo governo. Mas por que nesta data, por que não antes ou depois dela? Por causa do carnaval, de alguns dias antes, e por causa da votação da reforma da previdência, da semana seguinte. No carnaval viu a rejeição do povo, até então silenciosa, se manifestar nas ruas de forma espontânea. E quanto à votação da reforma, tornou-se àquela altura evidente que seria derrotado. O momento tinha que ser aquele, para jogar água fria na fervura do descontentamento do povo, para dissimular o fracasso na tentativa de aprovar a reforma da previdência e para impactar a opinião pública, projetando uma nova imagem e gerando novas expectativas, mudando radicalmente a pauta do debate público e saindo da posição defensiva para assumir a ofensiva política. E por que o estado escolhido para uma intervenção federal foi o Rio de Janeiro e não algum outro estado, dentre os vários que apresentam índices de criminalidade maiores? Porque o Rio é um dos estados que tem mais visibilidade no país e porque o Rio era um estado que já estava sem governo.
Há, sobretudo na esquerda, quem veja nesta intervenção federal um ensaio para um recrudescimento da ditadura que já há, a meu ver, no país. Há quem preveja até o cancelamento da eleição de outubro. Mas a expectativa da maioria da população, que ainda confia muito nas forças armadas, deve ser de que o general consiga mesmo 'botar ordem na casa'. Se esta expectativa for frustrada, cai o último bastião da credibilidade do Estado burguês perante a classe trabalhadora. Mas se apresentar em curto prazo resultados positivos que deem ao povo a percepção de que as coisas melhoram, a candidatura de Temer poderá chegar à eleição fortalecida, contando com o apoio integral da burguesia unificada, interessada na continuidade do projeto antipopular, antidemocrático e antinacional iniciado após a deposição de Dilma.
Mas que expectativas realistas se pode ter em relação à intervenção? Acredito que tanto na hipótese de ser um primeiro movimento para a militarização da ditadura vigente, quanto na hipótese de ser uma tentativa de solução para a crise da segurança pública do estado, ou ainda na hipótese que defendo de ser um lance de marketing para alavancar a candidatura de Temer, a intervenção só poderá ser bem sucedida se o governo federal afrouxar significativamente a política de corte de gastos que ele se impôs e impôs ao Rio de Janeiro. Porque dois problemas se juntaram no estado e criaram uma situação realmente insustentável. A política de "guerra às drogas", que além de ineficaz é muito cara, e a crise financeira do governo. A crise financeira do governo do estado provocou um desequilíbrio entre as forças do crime e as forças da segurança pública, que levou a um avanço cada vez maior das primeiras sobre áreas que haviam sido controladas pelo governo num período anterior, com a política das UPPs, Unidades de Polícia Pacificadora. As UPPs no Rio estão acabando por falta de dinheiro.
A completa ineficácia do aparato repressivo do governo estadual, que há anos vem sendo desmontado e sucateado pela falta de recursos financeiros e a completa desmoralização da elite política governante do estado, quase toda presa por envolvimento em escândalos de corrupção, são as principais causas da crise de autoridade que se vê no Rio de Janeiro. O comando de um general de boa reputação pode de fato contribuir para restaurar um pouco da disciplina das forças de segurança locais e elevar o seu moral. Mas não compensará, por si só, a falta de recursos, que compromete até mesmo o pagamento regular dos salários dos policiais e a manutenção das viaturas de patrulhamento.
Os salários atrasados, as péssimas condições de trabalho e o risco elevado de morte ou graves mutilações físicas nas operações de uma 'guerra às drogas' sem perspectiva nenhuma de vitória levaram ao desligamento voluntário de um número expressivo de policiais nos últimos anos, reduzindo drasticamente o efetivo tanto da PM quanto da polícia civil do Rio de Janeiro. Uma reportagem do portal G1, de julho do ano passado, diz que "um estudo do Ministério Público mostra que 52% da frota de carros da PM está parada por falta de manutenção" e que "em um ano, a Polícia Militar do Rio de Janeiro perdeu 1,3 mil homens", que não foram substituídos, já que "o último concurso aconteceu em 2014" [https://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/em-um-ano-pm-do-rio-de-janeiro-perdeu-13-mil-homens.ghtml]. Em junho do ano passado, o jornal O Dia já informava que, segundo um "relatório do Conselho Nacional do Ministério Público", "o efetivo de policiais militares no estado está 40% abaixo do ideal" [https://odia.ig.com.br/_conteudo/rio-de-janeiro/2017-06-18/efetivo-da-policia-militar-e-60-do-considerado-ideal-no-estado.html]. Menos de um mês depois, o mesmo jornal O Dia publicou matéria com o título "Como a PM, Polícia Civil também está sem recursos" [https://odia.ig.com.br/_conteudo/rio-de-janeiro/2017-07-02/como-a-pm-policia-civil-tambem-esta-sem-recursos.html], dizendo que enquanto "a PM está sem efetivo, manutenção de armas e viaturas, além de depender de doações para a tropa, como alimentos", as "delegacias não têm efetivo suficiente" e "faltam equipamentos e manutenção em armas e carros". E segue a matéria do O Dia:
A principal causa da crise na segurança pública do Rio é, portanto, por falta de dinheiro. A crise financeira do governo do estado, provocada pela queda da arrecadação de impostos e de royalties do petróleo e agravada pela política de austeridade fiscal imposta ao governo Pezão pelo governo Temer, deixou as secretarias de governo à míngua, completamente sem condições de cumprirem as suas respectivas atribuições. No governo do Rio, falta dinheiro para tudo. Inclusive para a segurança pública. Isto quer dizer que, para a intervenção conseguir corresponder minimamente às expectativas que está criando, o governo federal vai ter que injetar grandes volumes de recursos no estado. O que significa que o governo federal vai ter que afrouxar muito ou romper de vez com a política de austeridade fiscal. Será que vai fazê-lo? E se fizer, como reagirá a burguesia? É possível que Temer a enfrente, que a afronte, que a desobedeça? Como eu já disse, o presidente não tem nada a perder. Vai para o tudo ou nada, investindo numa estratégia cujo resultado definirá o seu destino: é presidência ou cadeia. Ele precisa de um feito grandioso, mesmo que localizado e temporário, para impactar a opinião pública do país e mudar a própria imagem, sobrepondo à imagem do vampirão neoliberal, corrupto e golpista, a imagem do "presidente da segurança pública". Um empreendimento dessa magnitude terá certamente um custo financeiro altíssimo. Temer sabe disso e acredito que vai gastar o quanto for preciso para ter êxito, como fez ano passado, para comprar de sua base no Congresso o engavetamento das duas denúncias criminais contra ele, encaminhadas pelo Ministério Público Federal ao Supremo. Na época, a Globo chiou um bocado. Em 16 de julho, o jornal O Globo publicou a seguinte matéria:
E em 24 de outubro esta outra:
Em 25 de outubro de 2017, Estadão e Uol publicaram a seguinte reportagem:
E em 27 de julho, o El País publicava:
Como se vê, o compromisso de Temer não é com o projeto econômico da burguesia. É com a própria sobrevivência. Se ele não tivesse liberado a grana para os deputados, teria sido denunciado ao Supremo. E se não liberar agora a grana necessária para a intervenção no Rio causar boa impressão ao país, seu projeto eleitoral não decola e as chances de evitar a prisão serão nulas.
O que Temer pretende claramente é usar as forças armadas numa versão ampliada da "guerra às drogas", tendo como alvos, além do narcotráfico, as milícias e as quadrilhas de roubo de cargas, com "efeitos colaterais" previsíveis, iguais aos que a "guerra às drogas" vem apresentando ao longo dos anos. Assim como a "guerra às drogas, a "guerra ao crime" de Temer terá como campos de batalha as comunidades pobres e as favelas do Rio. Só que agora, os "guerreiros" do Estado estarão protegidos pela Lei 13.491, sancionada pelo presidente em 13 de outubro do ano passado, que transferiu da justiça civil para a justiça militar o julgamento de crimes "dolosos contra a vida e cometidos por militares das Forças Armadas contra civil (...), se praticados no contexto: I – do cumprimento de atribuições que lhes forem estabelecidas pelo Presidente da República ou pelo Ministro de Estado da Defesa; II – de ação que envolva a segurança de instituição militar ou de missão militar, mesmo que não beligerante; ou III – de atividade de natureza militar, de operação de paz, de garantia da lei e da ordem ou de atribuição subsidiária". Não sejamos ingênuos, o corporativismo garantirá a impunidade. Bolsonaro não tem do que se queixar. A Lei 13.491 já é uma licença para matar. Pois é para matar mesmo que treinam os soldados. Por isso é que, não podendo recusar a missão dada pelo presidente da república, o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, disse ser necessário dar aos militares "garantia para agir sem o risco de surgir uma nova Comissão da Verdade". Ele sabe do risco altíssimo dessa intervenção terminar em tragédia e não quer que os comandados e o próprio Exército, como instituição, paguem pela decisão errada de um presidente irresponsável.
Em 19 de fevereiro, o ministro da defesa, Raul Jungman, disse à imprensa que o governo federal pediria ao judiciário do Rio a emissão de mandados coletivos de busca e apreensão. Queria dar aos militares "cobertura jurídica", como disse Bolsonaro, para invadirem com seus fuzis as casas dos trabalhadores pobres, violar suas intimidades, revirar seus humildes pertences e submetê-los a constrangimentos, intimidações e violências verbais e físicas. A intenção foi duramente contestada pelo meio jurídico, inclusive por autoridades do judiciário, que a classificaram como inconstitucional. E o governo acabou recuando, dizendo que foi mal interpretado.
Não se pensa em mandados coletivos de busca e apreensão em condomínios de luxo, onde moram empresários ricos. Por que será?
Criminosos em fuga não costumam preocupar-se com as vidas dos que estão em seu caminho. Só pensam em escapar do cerco da polícia. É o caso de Michel Temer. A "guerra ao crime" do presidente é uma estratégia desesperada de fuga. A eleição é a rota por onde pretende escapar. Vencendo, ele adia por mais quatro anos o acerto de contas com a justiça. Como já dito, isto é improvável mas não impossível. E ao bandido encurralado pouco importa quanto sangue de inocentes se derrame para ter e manter sua liberdade. O crime declara "guerra ao crime", de olho na eleição de outubro, para não ter o destino que merece: a prisão. Temer disse que não faltarão recursos para a intervenção. Meirelles, que os recursos serão tirados de outras áreas do governo, sem indicar quais. E se não for suficiente, se Temer resolver estourar o teto de gastos? Como reagirá a burguesia? Acho que reclamará. Mas, sem uma alternativa eleitoral mais viável, vai manter o apoio ao presidente e apoiará sua candidatura a um novo mandato. Este é o meu prognóstico. De modo que a burguesia, classe de verdadeiros vampiros, que bancou um golpe de Estado e jogou o Brasil na treva, terá na eleição de outubro o candidato perfeito para representa-la. Será Temer - o Vampirão.
Silvio Melgarejo
22/02/2018
Um oportunista
Temer é um político oportunista. Já havia mostrado sê-lo quando era vice de Dilma. A Lava Jato se acercava do seu grupo e preparava o bote, quando Aécio e o PSDB aliaram-se a Cunha para sabotar o ajuste fiscal da presidenta, que era apoiado pela burguesia. Em 7 de agosto de 2015, o jornal O Globo publicou editorial condenando a atitude dos tucanos e chamando-os de imaturos, insensatos e inconsequentes. Reproduzo, a seguir, o editorial na íntegra, para que se tenha ideia do grau de insatisfação que ele expressava.
Manipulação do Congresso ultrapassa limites
Em guerra particular com Dilma e PT, presidente da Câmara, Eduardo Cunha, ajuda a desmontar base do governo e contribui para agravar crise econômica
Há momentos nas crises que impõem a avaliação da importância do que está em jogo. Os fatos das últimas semanas e, em especial, de quarta-feira, com as evidências do desmoronamento da já fissurada base parlamentar do governo, indicam que se chegou a uma bifurcação: vale mais o destino de políticos proeminentes ou a estabilidade institucional do país?
Mesmo o mais ingênuo baixo-clero entende que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), age de forma assumida como oposição ao governo Dilma na tentativa de demonstrar força para escapar de ser denunciado ao Supremo, condenado e perder o mandato, por envolvimento nas traficâncias financeiras desvendadas pela Lava-Jato. Daí, trabalhar pela aprovação de “pautas-bomba”, destinadas a explodir o Orçamento e, em consequência, queira ou não, desestabilizar de vez a própria economia brasileira.
Até há pouco, o presidente do Senado, o também peemedebista Renan Calheiros (AL), igualmente investigado na Lava-Jato, agia na mesma direção, sempre com o apoio jovial e inconsequente dos tucanos. Porém, na terça, antes de almoço com o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, Renan declarou não ser governista, mas também não atuar como oposicionista, seguindo o presidente da Câmara, e descartou a aprovação desses projetos-bomba pelo Congresso. Um gesto de sensatez.
A Câmara retomou as votações na quarta, com mais uma aprovação irresponsável, da PEC 443, que vincula os salários da Advocacia-Geral da União, delegados civis e federais a 90,25% da remuneração dos ministros do Supremo. Espeta-se uma conta adicional de R$ 2,4 bilhões, por ano, nas costas do contribuinte. Reafirma-se a estratégia suicida de encurralar Dilma, por meio da explosão do Orçamento, e isso numa fase crítica de ajuste fiscal. É uma clássica marcha da insensatez.
Os sinais de esfarelamento da base parlamentar do governo foram reforçados pelo anúncio de PDT e PTB de que não votarão mais com o Planalto. A crise avança para reduzir ainda mais a estreita margem que o governo tem no Congresso para combater os desajustes da economia. Justificou-se, assim, a iniciativa do vice-presidente, Michel Temer (PMDB), principal articulador político do Planalto, de fazer tensa declaração de reconhecimento da gravidade da situação e apelar para que haja um entendimento amplo a fim de conter a bola de neve de duas crises que se alimentam, a política e a econômica.
Somou-se à atitude de Temer a ida do ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, à Câmara para, entre elogios ao PSDB e reconhecimento de erros cometidos pelo PT, propor um “acordo suprapartidário” diante da situação difícil na política e na economia. Algo nunca visto por parte de um petista estrelado. Mais um teste de maturidade para os tucanos.
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Se a conjuntura já é muito ruim, a situação piora com o deputado Eduardo Cunha manipulando com habilidade o Legislativo na sua guerra particular contra Dilma e petistas. Equivale ao uso de arma nuclear em briga de rua, e com a conivência de todos os partidos, inclusive os da oposição.
É preciso entender que a crise política, enquanto corrói a capacidade de governar do Planalto, turbina a crise econômica, por degradar as expectativas e paralisar o Executivo. Dessa forma, a nota de risco do Brasil irá mesmo para abaixo do “grau de investimento”, com todas as implicações previsíveis: redução de investimentos externos, diretos e para aplicações financeiras; portanto, maiores desvalorizações cambiais, cujo resultado será novo choque de inflação. Logo, a recessão tenderá a ser mais longa, bem como, em decorrência, o ciclo de desemprego e queda de renda.
Tudo isso deveria aproximar os políticos responsáveis de todos os partidos para dar condições de governabilidade ao Planalto.
https://oglobo.globo.com/opiniao/manipulacao-do-congresso-ultrapassa-limites-17109534
Em 25 de setembro de 2015, a Folha informava:
"Em praticamente todos os temas da chamada pauta bomba, a oposição votou pelo aumento de gastos - inclusive a bancada do PSDB."
http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/09/1683945-pauta-bomba-do-congresso-anula-cortes-propostos-por-dilma.shtml
É muito provável que neste momento o então vice-presidente tenha visto uma oportunidade excepcional de conquistar para o seu partido a blindagem midiática e judicial de que sempre desfrutou o PSDB. Se os tucanos botaram a disputa partidária acima dos interesses da burguesia, o PMDB mostraria doravante uma atitude oposta. E aí lançou o documento Uma Ponte Para o Futuro, que era um programa neoliberal muito mais radical do que os programas defendidos por Aécio e Marina na campanha eleitoral de 2014. Se a burguesia já apoiava o ajuste fiscal de Dilma, era impossível que não se empolgasse e abraçasse o programa que ele oferecia. E, de fato, a burguesia empolgou-se e abraçou a Ponte Para o Futuro. Só que Dilma não topou ir além do ajuste fiscal e tornou-se um obstáculo à realização deste novo programa, quando tentaram lhe impor. Por isso foi derrubada num golpe de Estado. Há um vídeo na internet em que o próprio Temer conta essa história.
O vice-presidente assumiu então a presidência e acumulou sucessivos êxitos no cumprimento do roteiro estabelecido, até chegar na reforma da previdência, considerada fundamental pela burguesia. Nesse ponto o avanço da Ponte Para o Futuro parou. É que a base parlamentar golpista percebeu o despertar da consciência do povo e, pensando na eleição de outubro, recuou. O povo realmente entendeu o prejuízo que teria com a reforma da previdência e descobriu afinal que foi enganado pelos defensores do impeachment de Dilma e da perseguição judicial implacável a Lula e ao PT. Isso ficou bastante claro durante o carnaval, mas há algum tempo já vinha sendo registrado nas pesquisas de opinião. Restando-lhe apenas dez meses do mandato presidencial que lhe garante proteção contra investigações e ações judiciais, enxerga Temer na crise da segurança pública do Rio uma oportunidade para se reinventar e reverter uma situação extremamente adversa, com um movimento muitíssimo ousado e de êxito improvável, mas não impossível. Se nada tentar, a prisão é-lhe o destino certo. Tentando, tem alguma chance de escapar, mesmo remota. Então tenta a eleição para ver no que vai dar.
Para tornar-se viável, a candidatura Temer precisaria de uma bandeira e de um discurso que garantam votos. A bandeira da segurança pública e o discurso da guerra ao crime, com o uso das forças armadas, pareceram ideais. E em 17 de fevereiro, para surpresa geral, anunciou Temer a intervenção federal no Rio, estreando a sua nova bandeira e o seu novo discurso, como se inaugurasse naquele instante um novo governo. Mas por que nesta data, por que não antes ou depois dela? Por causa do carnaval, de alguns dias antes, e por causa da votação da reforma da previdência, da semana seguinte. No carnaval viu a rejeição do povo, até então silenciosa, se manifestar nas ruas de forma espontânea. E quanto à votação da reforma, tornou-se àquela altura evidente que seria derrotado. O momento tinha que ser aquele, para jogar água fria na fervura do descontentamento do povo, para dissimular o fracasso na tentativa de aprovar a reforma da previdência e para impactar a opinião pública, projetando uma nova imagem e gerando novas expectativas, mudando radicalmente a pauta do debate público e saindo da posição defensiva para assumir a ofensiva política. E por que o estado escolhido para uma intervenção federal foi o Rio de Janeiro e não algum outro estado, dentre os vários que apresentam índices de criminalidade maiores? Porque o Rio é um dos estados que tem mais visibilidade no país e porque o Rio era um estado que já estava sem governo.
Crise de autoridade no RJ
A sensação de insegurança da população do Rio de Janeiro sempre foi grande, mas aumentou nos últimos meses, graças à percepção geral de uma total ausência de autoridade no estado. Arrastões nas praias e confrontos das quadrilhas de narcotraficantes e milicianos entre si e com a polícia, há muito anos que se vê. Mas agora o governo do estado reconhece a própria incapacidade de reagir, impor limites e estabelecer alguma ordem. O povo do estado já havia percebido esta impotência. Os bandidos, também. A intervenção federal então se apresenta como uma resposta emergencial a uma situação crítica. Crítica, não porque tenha havido um salto nos índices de criminalidade - os especialistas garantem que não houve -, mas porque a evidência da ausência de autoridade no estado torna o ambiente social altamente propício a um aumento da frequência e violência das ações criminosas. O povo do Rio sabe que o estado está sem governo e sente-se, com razão, inseguro, sente-se desprotegido. Segundo a imprensa burguesa, o governador Pezão foi convencido pelos ministros de Temer, Raul Jungman e Moreira Franco, a aceitar a intervenção federal, através das forças armadas que, segundo pesquisas de opinião recentes, são a única instituição do Estado burguês em que os trabalhadores ainda confiam. Pezão formalizou então o pedido à União e Temer imediatamente anunciou o decreto presidencial nomeando interventor um general do exército, que passaria a fazer o papel de secretário de segurança do governo do estado, sob o comando não do governador, mas do próprio presidente da república.
Expectativas quanto à intervenção
Há, sobretudo na esquerda, quem veja nesta intervenção federal um ensaio para um recrudescimento da ditadura que já há, a meu ver, no país. Há quem preveja até o cancelamento da eleição de outubro. Mas a expectativa da maioria da população, que ainda confia muito nas forças armadas, deve ser de que o general consiga mesmo 'botar ordem na casa'. Se esta expectativa for frustrada, cai o último bastião da credibilidade do Estado burguês perante a classe trabalhadora. Mas se apresentar em curto prazo resultados positivos que deem ao povo a percepção de que as coisas melhoram, a candidatura de Temer poderá chegar à eleição fortalecida, contando com o apoio integral da burguesia unificada, interessada na continuidade do projeto antipopular, antidemocrático e antinacional iniciado após a deposição de Dilma.
Mas que expectativas realistas se pode ter em relação à intervenção? Acredito que tanto na hipótese de ser um primeiro movimento para a militarização da ditadura vigente, quanto na hipótese de ser uma tentativa de solução para a crise da segurança pública do estado, ou ainda na hipótese que defendo de ser um lance de marketing para alavancar a candidatura de Temer, a intervenção só poderá ser bem sucedida se o governo federal afrouxar significativamente a política de corte de gastos que ele se impôs e impôs ao Rio de Janeiro. Porque dois problemas se juntaram no estado e criaram uma situação realmente insustentável. A política de "guerra às drogas", que além de ineficaz é muito cara, e a crise financeira do governo. A crise financeira do governo do estado provocou um desequilíbrio entre as forças do crime e as forças da segurança pública, que levou a um avanço cada vez maior das primeiras sobre áreas que haviam sido controladas pelo governo num período anterior, com a política das UPPs, Unidades de Polícia Pacificadora. As UPPs no Rio estão acabando por falta de dinheiro.
A completa ineficácia do aparato repressivo do governo estadual, que há anos vem sendo desmontado e sucateado pela falta de recursos financeiros e a completa desmoralização da elite política governante do estado, quase toda presa por envolvimento em escândalos de corrupção, são as principais causas da crise de autoridade que se vê no Rio de Janeiro. O comando de um general de boa reputação pode de fato contribuir para restaurar um pouco da disciplina das forças de segurança locais e elevar o seu moral. Mas não compensará, por si só, a falta de recursos, que compromete até mesmo o pagamento regular dos salários dos policiais e a manutenção das viaturas de patrulhamento.
Situação das polícias do RJ
Os salários atrasados, as péssimas condições de trabalho e o risco elevado de morte ou graves mutilações físicas nas operações de uma 'guerra às drogas' sem perspectiva nenhuma de vitória levaram ao desligamento voluntário de um número expressivo de policiais nos últimos anos, reduzindo drasticamente o efetivo tanto da PM quanto da polícia civil do Rio de Janeiro. Uma reportagem do portal G1, de julho do ano passado, diz que "um estudo do Ministério Público mostra que 52% da frota de carros da PM está parada por falta de manutenção" e que "em um ano, a Polícia Militar do Rio de Janeiro perdeu 1,3 mil homens", que não foram substituídos, já que "o último concurso aconteceu em 2014" [https://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/em-um-ano-pm-do-rio-de-janeiro-perdeu-13-mil-homens.ghtml]. Em junho do ano passado, o jornal O Dia já informava que, segundo um "relatório do Conselho Nacional do Ministério Público", "o efetivo de policiais militares no estado está 40% abaixo do ideal" [https://odia.ig.com.br/_conteudo/rio-de-janeiro/2017-06-18/efetivo-da-policia-militar-e-60-do-considerado-ideal-no-estado.html]. Menos de um mês depois, o mesmo jornal O Dia publicou matéria com o título "Como a PM, Polícia Civil também está sem recursos" [https://odia.ig.com.br/_conteudo/rio-de-janeiro/2017-07-02/como-a-pm-policia-civil-tambem-esta-sem-recursos.html], dizendo que enquanto "a PM está sem efetivo, manutenção de armas e viaturas, além de depender de doações para a tropa, como alimentos", as "delegacias não têm efetivo suficiente" e "faltam equipamentos e manutenção em armas e carros". E segue a matéria do O Dia:
"A situação da Polícia Civil não é diferente. Investigações em curso do Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (Gaesp) apontam o descaso do estado. 'O inquérito apura o sucateamento na estrutura no decorrer da última década, em especial nos órgãos da Polícia Técnico-Científica, o que vem comprometendo a instrução e o andamento das investigações criminais', disse o promotor Thiago Veras.
O DIA teve acesso às inspeções realizadas desde 2015 nas delegacias, além de um relatório feito pelo Grupo de Grupo de Apoio Técnico Especializado do Ministério Público, que fazem parte do inquérito. A conclusão do documento diz que 'foi constata a total falência da perícia técnica do estado'.
Promotores encontraram geladeiras domésticas para guardar amostras, que estavam sujas de sangue e fluidos corporais, por exemplo. Além disso, as armas que passariam por perícia não tinham local adequado para armazenamento.
No Instituto de Pesquisas e Perícias em Genética Forense, o MP observou que “a manutenção da câmara fria possui um problema crônico que se arrasta há mais de sete anos, e o diretor usa recursos próprios para o conserto. Isso atrapalha a identificação de vítimas de homicídios'. As perícias técnicas de carros são feitas a céu aberto. Em nota, a Polícia Civil afirmou que a câmara quebrou em dezembro de 2014.
Há falta de servidores em todas as delegacias. Atualmente a polícia possui 9,7 mil policiais, quando o quadro prevê cerca de 23 mil. Isso acarreta acúmulo de investigações. É o caso da 33º DP (Realengo), onde há cerca de 10 mil inquéritos em curso, mas somente 37 inspetores. Ou seja, cada agente é responsável por 270 inquéritos.
A delegacia do Fonseca, por exemplo, tem somente duas viaturas e 46% dos agentes vão se aposentar. Não há reposição prevista. Na delegacia da Pavuna, havia cerca de 1 tonelada de maconha sem ter sido remetida ao ICCE, por conta da crise. Já na delegacia de Bonsucesso, o mesmo problema foi constatado.
'Os próprios policiais criaram uma sala cofre. Os depósitos públicos estão lotados e há retardo no encaminhamento de bens e objetos apreendidos por conta da crise econômica', diz o relatório. Procurada, a Polícia Civil não se posicionou a respeito.
O inquérito no Gaesp apura de forma global todas as deficiências da Polícia Civil. Um deles é a manutenção de viaturas e blindados. Na Cidade da Polícia, inspetores contaram que estão aceitando doações de pneus de ônibus para locomover os blindados. 'Um tiro no pneu e o carro vai parar', afirmou um delegado.
Para o promotor Thiago Veras, os principais problemas constatados até agora foram a contratação de pessoal; a má estrutura física dos prédios e o sucateamento das 34 unidades que compõem o Departamento de Polícia Técnico e Científica. 'Foi evidenciado precariedade nas instalações físicas dos prédios; condições ambientais e sanitárias insatisfatórias e deficiência de material necessário para as perícias', afirmou."
Ele vai gastar, sem dó da austeridade
A principal causa da crise na segurança pública do Rio é, portanto, por falta de dinheiro. A crise financeira do governo do estado, provocada pela queda da arrecadação de impostos e de royalties do petróleo e agravada pela política de austeridade fiscal imposta ao governo Pezão pelo governo Temer, deixou as secretarias de governo à míngua, completamente sem condições de cumprirem as suas respectivas atribuições. No governo do Rio, falta dinheiro para tudo. Inclusive para a segurança pública. Isto quer dizer que, para a intervenção conseguir corresponder minimamente às expectativas que está criando, o governo federal vai ter que injetar grandes volumes de recursos no estado. O que significa que o governo federal vai ter que afrouxar muito ou romper de vez com a política de austeridade fiscal. Será que vai fazê-lo? E se fizer, como reagirá a burguesia? É possível que Temer a enfrente, que a afronte, que a desobedeça? Como eu já disse, o presidente não tem nada a perder. Vai para o tudo ou nada, investindo numa estratégia cujo resultado definirá o seu destino: é presidência ou cadeia. Ele precisa de um feito grandioso, mesmo que localizado e temporário, para impactar a opinião pública do país e mudar a própria imagem, sobrepondo à imagem do vampirão neoliberal, corrupto e golpista, a imagem do "presidente da segurança pública". Um empreendimento dessa magnitude terá certamente um custo financeiro altíssimo. Temer sabe disso e acredito que vai gastar o quanto for preciso para ter êxito, como fez ano passado, para comprar de sua base no Congresso o engavetamento das duas denúncias criminais contra ele, encaminhadas pelo Ministério Público Federal ao Supremo. Na época, a Globo chiou um bocado. Em 16 de julho, o jornal O Globo publicou a seguinte matéria:
Antes de votação, Temer distribuiu R$ 15 bilhões em programas e emendas
Pacote de bondades aconteceu em semana decisiva para selar futuro do presidente
BRASÍLIA — No momento em que o governo enfrenta um rombo nas contas públicas e a estimativa de o déficit primário ultrapassar a meta fiscal fixada para este ano, o presidente Michel Temer concentrou, só nas duas últimas semanas, o anúncio de programas e liberações de verbas que chegam a R$ 15,3 bilhões para estados e municípios, num aceno a parlamentares da base aliada. A concentração desse pacote de bondades aconteceu em uma semana decisiva para selar o futuro de Temer na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara.
O esforço concentrado deu certo: Temer virou um jogo que parecia perdido e saiu vitorioso com a rejeição ao parecer que recomendava a continuidade das investigações contra ele, e a aprovação de um outro relatório, do deputado Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG), pelo arquivamento da denúncia. A batalha final está marcada para 2 de agosto, no plenário da Câmara.
https://oglobo.globo.com/brasil/antes-de-votacao-temer-distribuiu-15-bilhoes-em-programas-emendas-21596676
E em 24 de outubro esta outra:
Negociações para livrar Temer de denúncia envolvem R$ 12 bilhões
Governo alivia dívidas e multas, libera emendas e desiste de privatizações
BRASÍLIA — As negociações do presidente Michel Temer com os deputados para garantir que a segunda denúncia da Procuradoria-Geral da República seja sepultada na Câmara esta semana envolveram pelo menos R$ 12 bilhões — além de cargos e benesses de valor inestimável, como a mudança no combate ao trabalho escravo. Só de emendas parlamentares pagas desde o início de setembro foram R$ 881 milhões. Mas houve ainda uma frustração de receita com o novo Refis, estimada até o momento em R$ 2,4 bi; a desistência de privatizar Congonhas no ano que vem, cuja outorga era estimada em R$ 6 bi, e, por fim, a possibilidade de abdicar de R$ 2,8 bi com a anistia de parte das multas ambientais prevista no decreto editado na segunda-feira.
O Palácio do Planalto acelerou a liberação de recursos para o empenho de emendas parlamentares obrigatórias desde setembro, quando apareceu a segunda denúncia contra Temer. Foram R$ 881,3 milhões em menos de dois meses, sendo R$ 607,9 milhões apenas nos primeiros 21 dias de outubro e R$ 273,4 milhões em setembro. No final da semana passada, grandes volumes foram liberados para deputados e senadores: R$ 122,4 milhões na sexta-feira e ainda R$ 53,2 milhões no sábado, segundo os dados da Comissão Mista de Orçamento (CMO).
Desde a primeira denúncia, o governo já empenhou R$ 5,1 bilhões, sendo R$ 4,28 bilhões apenas com os 513 deputados. Na prática, já foi gasto quase tudo do que está previsto para o ano, que é de R$ 6,1 bilhões com o contingenciamento. Mas Temer resolveu ampliar a promessa e, segundo aliados, quer esquecer este contingenciamento e retomar o valor original destinado às emendas parlamentares, que é de R$ 9 bilhões no Orçamento de 2017. Se Temer fizer isso, cada um dos 513 deputados e 81 senadores vai ganhar uma cota de R$ 15 milhões e não os R$ 10,7 milhões fixados depois do corte.
(...)
Aliados dizem que o Planalto ainda nomeou para os cerca de 20 cargos que estavam represados desde a primeira denúncia. Mas o governo abriu mão de bilhões ao atender a pedidos de aliados, desistindo de privatizações e ampliando benesses a devedores na nova Medida Provisória do Refis e ainda com o decreto que reduz multas de crimes ambientais.
O governo já perdeu R$ 2,4 bilhões com as concessões feitas no âmbito do Refis (programa de refinanciamento de dívidas junto à União), porque a arrecadação esperada era de R$ 13,3 bilhões e agora está em R$ 10,9 bilhões. A Receita chegou a estimar o prejuízo em R$ 5 bilhões. A conta de R$ 2,4 bilhões pode aumentar, a depender no texto final do novo Refis. Mas a perda maior em termos de arrecadação se refere à desistência da privatização do aeroporto de Congonhas: R$ 6 bilhões eram esperados no leilão. O governo desistiu para agradar ao PR do ex-deputado e ex-presidiário Valdemar Costa Neto, que comanda o setor.
Dois dias antes de o plenário da Câmara enfrentar a denúncia, Temer assinou ontem um decreto que dá descontos de até 60% em multas ambientais ainda não pagas, que serão convertidas em prestação de serviços na área ambiental. A perda de receita chegará até R$ 2,76 bilhões. Ontem, a bancada ruralista, a maior do Congresso, comemorava o novo aceno, depois de já ter conseguido mudar as regras sobre trabalho escravo.
https://oglobo.globo.com/brasil/negociacoes-para-livrar-temer-de-denuncia-envolvem-12-bilhoes-21983281
Em 25 de outubro de 2017, Estadão e Uol publicaram a seguinte reportagem:
"Custo de denúncias contra Temer alcança R$ 32,1 bilhões
A negociação política para barrar duas denúncias criminais contra o presidente da República, Michel Temer, tem um custo que pode chegar a R$ 32,1 bilhões. Essa é a soma de diversas concessões e medidas do governo negociadas com parlamentares da Câmara entre junho e outubro, desde que Temer foi denunciado pela primeira vez, por corrupção passiva, até a votação da segunda acusação formal, pelos crimes de organização criminosa e obstrução da Justiça - o que está previsto para esta quarta-feira, 25.
O preço para impedir o prosseguimento das denúncias supera em R$ 6 bilhões os recursos previstos por Temer para pagar parcelas de famílias beneficiárias do programa Bolsa Família ao longo do ano que vem. O programa de complementação de renda foi orçado em R$ 26 bilhões, em 2018. Também é maior do que o custo total para a construção da Usina Hidrelétrica Belo Monte, atualmente estimado em cerca de R$ 30 bilhões.
https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2017/10/25/custo-de-denuncias-contra-temer-alcanca-r-321-bilhoes.htm
E em 27 de julho, o El País publicava:
Concessões de Temer para se salvar detonam ajuste fiscal de Meirelles
Governo procura medidas paliativas para evitar que o rombo nas contas seja maior que o esperadoEquipe econômica fez projeções otimistas e mercado especula se será capaz de cumprir meta fiscal
O ajuste fiscal do dream team comandado pelo ministro Henrique Meirelles foi derrotado pela política de salvação de Michel Temer. Enquanto o presidente abre os cofres a aliados e cede a grupos de pressão para garantir votos que barrem a denúncia do procurador-geral da República contra ele, a equipe econômica agora procura as mais diversas medidas paliativas para evitar que o rombo nas contas públicas seja maior que o esperado e obrigue o Governo a mudar a meta de déficit fiscal. Na última semana, Meirelles lançou mão até da mais impopular das alternativas que a gestão Temer tentou tanto evitar: o aumento de impostos, mas nem isso sozinho parece ser suficiente para manter a bandeira da austeridade sem paralisar a máquina pública.
O caso dos impostos revela a forte contradição em que Meirelles e Temer estão mergulhados. A medida foi na contramão de um dos maiores apoiadores do presidente, a Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp). A poderosa associação de empresários paulistas ressuscitou seu pato amarelo inflável - símbolo da campanha pelo impeachment de Dilma Rousseff - que rejeita alta de impostos sob o slogan "quem vai pagar o pato?". Ele voltou a ser exposto em São Paulo e em Brasília. A reação pública mascara a realidade de que nem toda classe empresarial tem motivos para se queixar. Contrariando Meirelles, Temer deu luz verde ao parcelamento de débitos de contribuintes com descontos em multas e juros de empresas, o chamado Refis, que começou a valer em maio. Um grupo de parlamentares pediu mudanças ainda mais generosas no programa para aliviar as dívidas dos devedores. Se as alterações feitas pelo relator da proposta vingarem, apenas 500 milhões de reais pingarão nos cofres públicos em vez dos esperados 13 bilhões de reais em 2017.
https://brasil.elpais.com/brasil/2017/07/25/politica/1501018235_950795.html
Como se vê, o compromisso de Temer não é com o projeto econômico da burguesia. É com a própria sobrevivência. Se ele não tivesse liberado a grana para os deputados, teria sido denunciado ao Supremo. E se não liberar agora a grana necessária para a intervenção no Rio causar boa impressão ao país, seu projeto eleitoral não decola e as chances de evitar a prisão serão nulas.
Guerra ao crime e licença para matar
O que Temer pretende claramente é usar as forças armadas numa versão ampliada da "guerra às drogas", tendo como alvos, além do narcotráfico, as milícias e as quadrilhas de roubo de cargas, com "efeitos colaterais" previsíveis, iguais aos que a "guerra às drogas" vem apresentando ao longo dos anos. Assim como a "guerra às drogas, a "guerra ao crime" de Temer terá como campos de batalha as comunidades pobres e as favelas do Rio. Só que agora, os "guerreiros" do Estado estarão protegidos pela Lei 13.491, sancionada pelo presidente em 13 de outubro do ano passado, que transferiu da justiça civil para a justiça militar o julgamento de crimes "dolosos contra a vida e cometidos por militares das Forças Armadas contra civil (...), se praticados no contexto: I – do cumprimento de atribuições que lhes forem estabelecidas pelo Presidente da República ou pelo Ministro de Estado da Defesa; II – de ação que envolva a segurança de instituição militar ou de missão militar, mesmo que não beligerante; ou III – de atividade de natureza militar, de operação de paz, de garantia da lei e da ordem ou de atribuição subsidiária". Não sejamos ingênuos, o corporativismo garantirá a impunidade. Bolsonaro não tem do que se queixar. A Lei 13.491 já é uma licença para matar. Pois é para matar mesmo que treinam os soldados. Por isso é que, não podendo recusar a missão dada pelo presidente da república, o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, disse ser necessário dar aos militares "garantia para agir sem o risco de surgir uma nova Comissão da Verdade". Ele sabe do risco altíssimo dessa intervenção terminar em tragédia e não quer que os comandados e o próprio Exército, como instituição, paguem pela decisão errada de um presidente irresponsável.
Intenção criminosa frustrada
Em 19 de fevereiro, o ministro da defesa, Raul Jungman, disse à imprensa que o governo federal pediria ao judiciário do Rio a emissão de mandados coletivos de busca e apreensão. Queria dar aos militares "cobertura jurídica", como disse Bolsonaro, para invadirem com seus fuzis as casas dos trabalhadores pobres, violar suas intimidades, revirar seus humildes pertences e submetê-los a constrangimentos, intimidações e violências verbais e físicas. A intenção foi duramente contestada pelo meio jurídico, inclusive por autoridades do judiciário, que a classificaram como inconstitucional. E o governo acabou recuando, dizendo que foi mal interpretado.
Não se pensa em mandados coletivos de busca e apreensão em condomínios de luxo, onde moram empresários ricos. Por que será?
Estratégia de fuga
Silvio Melgarejo
22/02/2018
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