quarta-feira, 23 de novembro de 2016

É ditadura ou não é? E como derrubar?

O regime político do Brasil hoje é ou não é uma ditadura? Eu não tenho a menor dúvida que é. Muita gente acha que não ou, pelo menos, hesita em reconhecer que seja, porque o compara com as ditaduras passadas, sem atentar para algo que elas têm em comum umas com as outras e com o atual regime e que é exatamente o que define as ditaduras. E o que é uma ditadura? Ditadura, para mim, é o regime de manutenção do poder estatal através do seu exercício com meios que violam direitos humanos, reconhecidos ou não pelas leis nacionais e tratados internacionais de que o país é signatário, para anular a oposição política e impor uma determinada ordem à sociedade. Foi assim no Estado Novo, na Ditadura Militar e tem sido assim agora. Podem ser diferentes os graus de violações de direitos, os agentes destas violações e o número de vítimas. Mas nestes três casos as violações de direitos humanos estão presentes e se destinam claramente à anulação da oposição política.

O que nós temos hoje no Brasil é mais uma entre tantas formas de ditadura que a burguesia permanentemente exerce para manter o sistema capitalista. Desta vez, os agentes das violações de direitos humanos não são as forças armadas e polícias, mas os procuradores de justiça e juízes, com métodos mil vezes mais sofisticados de subjugação e aniquilamento de inimigos. Quando, no futuro, a História classificar o período atual como ditadura, dirá, com certeza, a Folha de São Paulo, que foi ditabrandíssima, já que chamou de ditabranda ao regime militar de 64. Aliás, quando o fez, foi comparando o grau e extensão das violências praticadas pela ditadura brasileira com as violências praticadas pelas ditaduras dos outros países sulamericanos. Mas não deixou de reconhecer que ditadura havia aqui. Porque não é um grau ou extensão maior das violações de direitos humanos o que define as ditaduras e sim a simples ocorrência destas violações como método de anulação da oposição política usado pelo Estado ou pelo Estado consentido.

O que nós temos no Brasil hoje é uma ditadura do Poder Judiciário associado ao Ministério Público Federal. No atual regime os carrascos do direito são os próprios operadores do direito. A lei e a ordem constitucional são despudoradamente pervertidas exatamente por quem tem o dever de zelar por elas. Banalizou-se a transgressão das normas institucionalizadas que existem para proteger os direitos de investigados, testemunhas, réus e advogados de defesa. Juízes, como Moro, e procuradores, como Dellagnol, diariamente defecam sobre estas normas – me perdoem, mas não me ocorre palavra melhor para definir o que têm feito –, assim como os ministros do Supremo Tribunal Federal, que envergonham o Brasil perante a humanidade civilizada.

Vivemos, portanto, naquela que, segundo Rui Barbosa, é a pior das ditaduras, por não haver a quem recorrer. Por isso é preciso, e só nos resta mesmo, lutar para resistir ao avanço do arbítrio. Lutar contra qualquer ditadura é antes de tudo disputar a opinião pública para esvaziar a base social de sustentação do regime. E para isto é necessário que se tenha uma estratégia adequada de comunicação com as massas e meios para desenvolvê-la de modo eficaz, algo que a esquerda, infelizmente, ainda não tem, sendo, por conseguinte, a definição dessa estratégia e a obtenção desses meios o grande desafio que precisa vencer nos próximos meses.

O objetivo da ditadura que existe no Brasil hoje é garantir a execução de um programa econômico ultra-neoliberal, contra toda resistência popular e nacionalista à sua implementação. Não é por acaso que o maior líder popular e o único partido de massas da esquerda são alvos de permanentes e pesadíssimos ataques da mídia de direita, do Ministério Público e do Judiciário. É que é preciso desmoralizar, para anular politicamente, as maiores referências de oposição perante o povo. E não é por acaso também que já se anunciam aumentos de salários aos militares e sua exclusão da reforma da previdência, preservando seus direitos. É que é preciso comprar a lealdade das forças de repressão para garantir que elas atuem de forma disciplinada na contenção da previsível revolta popular contra o desemprego, arrocho salarial e cortes de direitos. Porque sabem, direita e burguesia, que a revolta popular, se for tão ampla e intensa quanto é justo se prever que venha a ser, pode abalar profundamente o regime, abreviá-lo e permitir o avanço da democracia.

O grau de solidez e estabilidade de um regime político corresponde ao grau de unidade das forças sociais e políticas que o sustentam. Provocar ou estimular as contradições e antagonismos internos da ditadura, desde sua base social até a cúpula política dirigente, é a melhor maneira de fragilizá-la para mais facilmente vencê-la. E a melhor forma de provocar e estimular estas contradições e antagonismos da ditadura é impedindo a realização dos objetivos que a justificam, através da disputa da opinião pública e da mobilização social permanente e em grande escala. Quando as pressões aumentam e os resultados não vêm é que surgem os conflitos e instalam-se as crises no interior dos governos e no interior dos regimes políticos, levando-os à queda.

Derrubar a ditadura é possível, mas não é, evidentemente, uma tarefa fácil. Depende da capacidade da esquerda de estabelecer, no curso da luta, uma consistente aliança com a classe trabalhadora insurreta, que possa servir de base sólida para a conquista e sustentação de um novo governo. Mais difícil, porém, é sustentar-se este atual regime, com a podridão moral de que padece e com o programa de governo impopular que tem. A democracia, cedo ou tarde, vai voltar e avançar no Brasil, não há porque descrer. E é dever de todo militante de esquerda trabalhar e lutar com todo empenho para que isto, no prazo mais breve possível, aconteça. Lutemos, então, confiantes, sem descanso e com o máximo vigor, no limite das nossas forças, que a vitória, com certeza, virá.

Silvio Melgarejo

23/11/2016

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.