Logo após a eleição de 2012, o jornal Extra publicou reportagem intitulada "Os campeões de voto nas áreas de milícia", apresentando um levantamento segundo o qual 88% dos votos do vereador Edson Zanata e 78% dos votos do vereador Elton Babu foram registrados em zonas eleitorais situadas em áreas dominadas por milícias.
Considerando o implacável controle que as milícias mantém sobre as atividades político-partidárias nos seus territórios, favorecendo nas eleições candidatos que a elas se associam e proibindo a presença e até matando os que não se submetem a lhes prestar favores ou que se opõem e denunciam suas atividades ilícitas, pergunto:
Como e por que Edson Zanata e Elton Babu conseguem atuar nestas áreas com tanta liberdade e desenvoltura, a ponto de alcançarem tão expressivas votações?
De Elton Babu, sabe-se que é irmão de Jorge Babu, ex-deputado estadual do PT, que foi expulso do partido e demitido da polícia civil depois de condenado pela Justiça sob a acusação de comandar uma milícia.
De Edson Zanata, nenhuma pista.
Creio que a concentração dos votos destes dois parlamentares em áreas que milícias controlam não chega a ser prova, mas é um forte indício de que eles podem realmente estar ligados a estas organizações criminosas. E considero que esta suspeita, por sua evidente gravidade. seria razão suficiente para o PT ter lhes negado legenda para se candidatarem agora, o que infelizmente não ocorreu. No caso de Elton Babu, as relações com o irmão miliciano são publicas e notórias, tendo os dois, inclusive, sido convocados a depor na CPI das Milícias, da Assembléia Legislativa, em 2008.
Não me parece que Elton Babu e Edson Zanata sejam bons nomes para representar o petismo. Decididamente, não são. Não os acuso de nada, apenas expresso suspeitas, que suponho não serem só minhas, mas de todos os filiados do PT que, tendo conhecimento dos fatos citados, veem-se, como eu, na incômoda posição de terem que responder perante a sociedade sobre a conduta e reputação deles, que afinal formalmente nos representam.
Fico me perguntando se a presença de Elton Babu e Edson Zanata no PT, com mandatos e como candidatos, não teria sido uma das misteriosas razões que levaram Marcelo Freixo a recusar fazer aliança conosco nesta eleição. Será que o "banho de purificação nas águas do rio Jordão", que o presidente do diretório estadual, Washington Quaquá, ironicamente disse ter sido cobrado do PT por Freixo, não teria sido, além da renúncia ao fisiologismo, a exclusão de candidatos suspeitos de vínculo com milícias, como Babu e Zanata? Teria ou não Marcelo Freixo razão para impor esta condição, ainda mais com a biografia que ostenta, tendo se notabilizado exatamente pelo combate às milícias? São só suposições que a imaginação, provocada pelo mistério, me sugere, mas creio que fazem bastante sentido.
Acho que muitos petistas não sabem, por isso informo, que pelo sistema proporcional com lista aberta, qualquer voto que se dê numa eleição para vereador, seja nominal, seja em legenda, contribui para o aumento do número de cadeiras a que o partido do candidato em que se vota terá direito no parlamento municipal. Estas cadeiras serão sempre ocupadas pelos candidatos mais votados da lista de cada partido. Na última eleição municipal do Rio, em 2012, a soma dos votos válidos do PT garantiu ao partido 4 cadeiras na câmara. E os 4 candidatos mais votados da lista do PT, que vieram a ocupar estas cadeiras, foram Reimont, com 18.014 votos, Marcelo Arar, 16.756, Elton Babu, 12.630, e Edson Zanata, com 12.120 votos.
Na eleição deste ano, Reimont, Babu e Zanata são candidatos à reeleição e a tendência é que novamente estejam entre os mais votados, tendo em vista a consistência das suas bases eleitorais e a absoluta inexpressividade da quase totalidade dos nossos demais candidatos que, não obstante suas possíveis virtudes, acabam servindo apenas para somar pequenas quantidades de votos ao coeficiente partidário que definirá o número de eleitos pelo partido. Na prática, os dirigentes do PT do Rio armaram uma verdadeira armadilha para os eleitores do partido. Quem vota em Reimont ou Roberto Monteiro, por exemplo, acaba involuntariamente ajudando a eleger Babu e Zanata.
Como militante, sinto-me no dever de lembrar aos companheiros que todos nós, filiados do PT, somos responsáveis pelos políticos que o partido ajuda a eleger dando legenda. Foi um erro, a meu ver gravíssimo, o PT ter dado legenda a Elton Babu e Edson Zanata, ajudado a elegê-los e os mantido como parlamentares na última legislatura. Mas será mais equivocado ainda fazer tudo isso de novo, no exato momento em que o PT vive a mais profunda crise de credibilidade da sua história perante a classe trabalhadora e perante os seus próprios filiados. O PT do Rio não me dá, portanto, outra alternativa senão negar-lhe, pela primeira vez na vida, o meu voto, para concedê-lo a algum candidato a vereador de outro partido de esquerda.
Dirão alguns que, sendo filiado, cometo infidelidade partidária . Pois eu lhes digo que a fidelidade partidária não está para mim e não pode estar para o PT acima da fidelidade aos princípios éticos e políticos com que eu e o partido nos comprometemos. Serei fiel ao PT sempre que o PT for fiel aos compromissos assumidos comigo e com a classe trabalhadora quando me filei. Mas se o partido trai estes compromissos e adota condutas com eles incompatíveis, não renuncio, não renunciarei jamais ao direito e dever de me rebelar e chamar à rebelião os meus pares, os demais filiados. É o que faço agora, quando tomo esta decisão que anuncio. Com meu voto, não se elegerão mais candidatos que suspeito serem apoiados por milícias.
As milícias são organizações criminosas que exploram financeiramente por meio de coação violenta os trabalhadores e pequenos empresários das comunidades mais pobres da cidade. Estas organizações são criadas por agentes e ex-agentes da segurança pública que estabelecem conexões com outros agentes do Estado, nos poderes executivo, legislativo e judiciário, constituindo uma verdadeira rede que dá cobertura às suas atividades ilícitas. Por isso as milícias não são incomodadas pelo poder público, não são investigadas, muito menos reprimidas, não há contra elas o menor combate. Mas a sociedade toda sabe onde as milícias atuam e os mapas com os resultados eleitorais indicam claramente quem podem ser seus braços políticos nos parlamentos e governos.
Não vamos fingir que não sabemos que estes mapas apontam para dois vereadores do PT, entre outros tantos políticos filiados a uma série de outros partidos, e que estes dois vereadores representam nada menos que dois terços da bancada atual do PT na câmara municipal do Rio. Não vamos fingir também que ignoramos a extrema gravidade deste fato, que ele é sintoma claro do elevado grau de deterioração do caráter ético e político do nosso partido. A imagem da árvore tomada por fungos e parasitas, usada por Dilma para explicar o golpe parlamentar que sofreu, serve também como metáfora da degeneração do PT pela ação dos seus burocratas de mente deformada pela política de conciliação de classes. Não são só as instituições democráticas do Brasil que tem sido destruídas aos poucos e por dentro pelas condutas ilegais e inconstitucionais dos seus próprios membros. O Partido dos Trabalhadores também tem sido destruído aos poucos e por dentro pela ação dos seus próprios líderes e dirigentes, com o consentimento de uma vanguarda majoritariamente complacente.
Depois de consentir durante mais de uma década a deformação do caráter do PT, com o permanente rebaixamento do seu padrão ético e programático, rebaixamento este necessário para a realização da estratégia de conciliação de classes, está mais do que na hora de a militância petista dar um basta a estas concessões. O PT não pode mais continuar abrindo mão de aspectos fundamentais da sua ética política e do seu programa de governo, incorporando a cultura política dos partidos de direita e induzindo a classe trabalhadora à conciliação com a burguesia, com total esquecimento do ideal anticapitalista e socialista que lhe deu origem e que tem sido afirmado e reafirmado em todos os congressos e encontros nacionais realizados desde a sua fundação.
O PT não pode mais associar-se a partidos de direita, o PT não pode mais se comportar como um partido de direita e o PT não pode mais admitir que em seu nome falem, como legítimos representantes, direitistas, pelegos, corruptos e milicianos. O PT precisa urgentemente mudar, e mudar radicalmente, em relação ao que tem sido, para recuperar a confiança da classe trabalhadora e por ela voltar a ser reconhecido como representante político legítimo e como dirigente das suas mobilizações na sociedade. E um dos aspectos mais fundamentais dessa mudança deve ser uma seleção mais criteriosa da representação do partido nas eleições para parlamentos e governos.
Durante muitos anos, desde que os candidatos que me empolgavam saíram do PT para outros partidos de esquerda, adotei o voto de legenda para manter a fidelidade partidária. Com isso acabei, involuntária e infelizmente, contribuindo para a eleição de alguns vereadores pelos quais não me sinto nem um pouco representado e nos quais não tenho a menor confiança. Não quero e não vou mais cometer este erro. O voto de legenda é um voto de confiança no partido e em todos os candidatos da lista que o partido apresenta numa eleição.
Pois eu afirmo que não confio em Elton Babu e Edson Zanata, não me sinto por eles representado, porque acredito que não representam de maneira nenhuma o PT, assim como não representava o PT o vereador que elegemos, Marcelo Arar, filiado ao PSDB até um ano antes da eleição de 2012, que saiu do PT apenas em maio deste ano e concorre agora à reeleição pelo PTB.
E não confio na direção do PT porque a direção do PT induziu o eleitorado petista a eleger em 2012 uma bancada de 4 vereadores, sendo 2 suspeitos de associação a milícias, 1 tucano e apenas 1 realmente petista. Por isso o voto de legenda deixou de ser para mim uma opção, assim como o voto nominal em qualquer outro candidato do PT, pela convicção que tenho de que ambas as formas de voto contribuirão para a reeleição destes dois parlamentares, Elton Babu e Edson Zanata, que não reconheço como representantes do meu partido. Me recuso terminantemente a colaborar para a consumação de mais este desastre para o PT. Não contem comigo para promover uma desgraça dessas. O voto petista não pode mais ajudar a eleger milicianos.
Silvio Melgarejo
29/09/2016