sábado, 2 de julho de 2011

Meu caminho até o Espiritismo.

(Escrito em maio e junho de 2011)

Catolicismo.


Nasci e fui criado numa família católica. Dos sete aos dezessete anos estudei num colégio jesuíta. A religião, portanto, desde muito cedo esteve presente em minha vida. Mas desde muito cedo, também, desenvolveram-se em mim o olhar crítico sobre tudo, o questionamento de qualquer forma de autoridade e a aversão a qualquer forma de tradição ou convencionalismo que significasse opressão e injustiça.

Em casa e na escola, aprendi a acreditar num Deus tão justo e bom quanto poderoso. Mas essa crença confrontada com a realidade que eu observava à minha volta, fez com que surgissem os meus primeiros questionamentos sobre o ideário católico. Cada vez mais a realidade parecia-me incompatível com a existência do Deus em que eu aprendera a crer. Por que, perguntava-me, nascem os indivíduos em condições de vida tão diferentes uns dos outros, beneficiados uns desde o berço pela saúde, fartura, conforto, educação, bons exemplos e amor, enquanto outros nascem carecendo disso tudo? Se o poder de Deus é mesmo supremo, se nada acontece senão com Seu consentimento ou por Sua vontade, por que dá Ele a uns miséria e desgraça, enquanto fortuna e felicidade concede a outros? Por que a vida de uns é tão cheia de prazeres e facilidades enquanto a de outros é tão carregada de dificuldades e sofrimentos? Por que uns parecem abençoados por Deus enquanto outros parecem por Ele abandonados à própria sorte, condenados, sem razão nenhuma aparente, a viver sob o jugo de uma espécie de maldição que só de dor e desesperança enche seus dias?

Recentemente, no dia 22 de abril, participou o Papa Bento XVI de um programa na televisão italiana, em que submeteu-se a responder perguntas feitas por alguns telespectadores selecionados. Do Japão ainda sob o impacto do violento terremoto e do devastador tsunami de 11 de março, que matou 28 mil pessoas, uma menina japonesa de sete anos, filha de italiano, disse não estar podendo brincar no parque. E perguntou-lhe:

"Por que as crianças têm de estar tão tristes? Estou perguntando ao papa, que fala com Deus, para me explicar".

Bento XVI respondeu:

"Não temos as respostas, mas sabemos que Jesus sofreu como vocês, inocente, e que o Deus verdadeiro, que se mostra em Jesus, está junto com vocês. Isto me parece muito importante, ainda que não tenhamos respostas, que a tristeza permaneça.”

E acrescentou:

"Um dia vamos entender que esse sofrimento não era vazio, não foi por acaso, mas por trás dele há um projeto bom, de amor".

Foi o que sempre ouvi dos católicos mais fervorosos, sempre que lhes expunha minhas inquietações. Que a distribuição da felicidade e da infelicidade era feita conforme a vontade de Deus e que nós deveríamos aceitá-la confiantes e resignados. Nunca me conformei com isso, com essa gritante contradição entre o que me diziam de Deus e a realidade produzida ou, pelo menos, consentida por Ele. Desde garoto, eu pensava em duas conclusões possíveis para isso que observava. Ou Deus não era justo e bom como me diziam e eu acreditava ou deveria haver alguma explicação para essa aparente contradição fora do âmbito do Catolicismo. Naquele momento eu não admitia outra senão esta última hipótese. A falta de respostas satisfatórias a perguntas que eu julgava fundamentais para sustentar a minha fé, foi afrouxando gradativamente os laços que me ligavam à religião de meus pais e avós. Quanto menos católico me achava, mais livre me sentia prá seguir a minha busca por respostas e mais predisposto a ouvir novas verdades. Até que aqueles laços se desfizeram por completo. Eu não era mais católico.

Mas não foram só as dúvidas filosóficas que me afastaram do Catolicismo. Incomodavam-me, também, o excessivo convencionalismo e o excessivo formalismo reinantes na Igreja; não me conformava com a existência de dogmas, essas verdades absolutas, protegidas das luzes da razão, verdades que não podem ser questionadas nem submetidas à crítica; tinha dificuldade para entender, embora tivesse feito o catecismo, o significado simbólico e prático dos rituais e dos sacramentos cuja beleza, não obstante, sempre apreciei; via e até hoje vejo como injustificável a ordem hierárquica que dá superioridade ao clero em relação aos leigos e, dentro do próprio clero, do homem em relação à mulher. Eram muitas as dúvidas, os questionamentos e as críticas que eu tinha desde muito cedo ao Catolicismo. Mas foi a Igreja Católica, devo reconhecer, a escola onde aprendi, levado por minha mãe, as primeiras letras da fé que até hoje tenho. Por isso, que não é pouco, lhe sou imensamente grato. A Igreja Católica, além disso, teve e tem em seus quadros alguns dos homens e mulheres mais admiráveis de que já tive notícia, homens e mulheres que são prá mim referências, exemplos de como um verdadeiro cristão deve passar seus dias na Terra.

Durante toda a minha infância, ir a missa foi uma obrigação que não raro cumpri com prazer, apesar das perguntas sem resposta se avolumarem cada vez mais em minha cabeça de criança. Aos poucos fui percebendo a diferença entre a religião como tradição e a religião como fé. Não nego que as duas podem andar juntas interagindo de forma positiva, mas acho que a tradição religiosa muitas vezes se faz algoz involuntária da fé religiosa. Muita gente boa vê sua fé minguar pelo equívoco de agarrar-se à tradição como se ela fosse a cruz redentora de Cristo. A tradição pode transmitir valores sob determinada forma de uma geração para outra. Mas cabe unicamente àquele que recebe o legado de seus antepassados usar o próprio discernimento para avaliar o que serve e o que não serve como alimento espiritual para nutrir a fé na sua alma. Pois eu, àquela altura, tinha diante de mim dois imperativos que julgava incompatíveis. A fé e a tradição. De um lado o dever de ser fiel à tradição, de outro o desejo de buscar respostas que nutrissem minha fé. Quando andava ali pelo meio da adolescência, esse dilema, felizmente, já não existia mais. Já tinha madura a convicção de não ser mais católico e assim que tive chance, quando encontrei ocasião oportuna, rompi com a obrigação de ir à missa. Afastei-me da religião e de seus cultos, mas mantive a crença na existência do Deus justo e bom e também do seu filho, Jesus Cristo.


Mediunidade.


Eu devia ter uns 17 para 18 anos quando tive meu primeiro contato com o fenômeno mediúnico. Tinha um grupo de amigos e, entre eles, alguns começaram a apresentar comportamentos estranhos em certas ocasiões. Diziam ter visões, ouvir vozes e falavam como se fossem outras pessoas, assumindo temporariamente personalidades diferentes das suas próprias. Eu não tinha como saber se eram reais as visões e as vozes porque eu mesmo não via ou ouvia nada. Tampouco poderia saber se as personalidades que eles assumiam eram de espíritos ou se eram produzidas por suas próprias psiques. Mas via e afligia-me com o sofrimento daqueles que eram à época meus melhores amigos. Alguns estavam tão apavorados que cheguei a temer por suas sanidades mentais. O medo deles era real. Disso eu não podia duvidar. Só não conseguia encontrar explicação cabal para o que estava acontecendo. Acreditava, por acreditar, na sobrevivência do homem após a morte e, honestamente, nunca vi razões prá duvidar da comunicabilidade dos vivos com os mortos. Mas seria esse, mesmo, o caso dos meus amigos, como se alegava?

Eu não tinha, portanto, um entendimento claro do que se passava, não sabia como lidar com tudo aquilo e preocupava-me com a situação daqueles nos quais os fenômenos se davam com maior frequência e intensidade. Um destes, o João, ligou-me certa vez de madrugada, dizendo-se apavorado com as visões que estava tendo. Tentei tranquilizá-lo, aconselhando-o a acender a luz de seu quarto. Ele disse já ter feito isso mas que o pai apagara. Disse, então, que ele deveria contar ao pai o seu problema, mas ele alegou que o pai, católico, como ele, jamais admitiria que ele pudesse estar vendo espíritos, acusaría-lhe de estar sob efeito de drogas. Pediu-me, afinal, para passar a noite em minha casa onde, na sala, poderia dormir de luz acesa. Eu consenti e ele veio. Conversamos e fizemos juntos uma prece, creio que o Pai Nosso. Impressionou-me o estado de nervos desse meu amigo. Ele estava realmente apavorado. Disse-lhe que ajudaria como pudesse, que ele poderia passar a noite em minha casa sempre que achasse necessário, que eu estaria a seu lado quando fosse preciso; mas que nada disso resolveria o seu problema, um problema que já àquela altura, a meu ver, estava ficando sério. O medo intenso, caso se prolongasse por mais tempo, poderia abalar perigosamente o seu equilíbrio psíquico. Temia que ele enlouquecesse. Disse-lhe que, infelizmente, mais do que a casa aberta e a solidariedade de amigo, não poderia lhe oferecer. Acreditava que o problema tinha que ser encarado de frente, que uma solução tinha que ser buscada e que o primeiro passo nesse sentido seria procurar alguém que entendesse “dessas coisas” (eu ainda não sabia que o nome do que ele tinha era “mediunidade”). Disse que lamentava o seu sofrimento mas que não poderia ajudar por ser tão ignorante quanto ele no tema da comunicação com os mortos. Perguntei a ele “você conhece alguém que tenha conhecimentos sobre isso?”. Ele respondeu que sim, que uma colega de colégio era espírita. Eu, entusiasmado, disse “pois, então, vá procurar essa garota, peça a ela uma orientação, uma ajuda, uma solução, se possível, antes que você enlouqueça de medo”. Ele não se mostrou muito animado com a idéia. Acho que o preconceito religioso falou mais alto.

Até então eu era apenas espectador dos relatos e das atitudes estranhas dos meus amigos. Mas, a partir de um certo momento, comecei eu próprio a viver o drama que eles viviam. De forma atenuada, é verdade. Nunca vi, nem ouvi nada, tampouco incorporei espíritos. Mas passei a ter estranhas e inexplicáveis sensações, como taquicardia, frio em pleno verão e voz trêmula. A princípio julguei estar doente. Mas com o tempo passei a observar que eu sentia tudo isso sempre momentos antes de um dos meus amigos manifestar algum daqueles fenômenos. Quando notei que essa coincidência era constante, conclui que não poderia ser casual. Passei, desde então, a admitir a hipótese de estar sentindo a presença de espíritos antes que eles se manifestassem aos meus amigos, pela visão e audição espirituais, ou através deles, incorporando. Acreditei que essa forma mais sutil de mediunidade poderia ser só o começo de um processo que poderia me levar à mesma situação em que se encontravam os outros, vendo, ouvindo e incorporando espíritos, de forma descontrolada. Fiquei preocupado e, por que não dizer, tive mêdo. Procurei João, o amigo que tinha uma colega espírita, contei-lhe o que se passava comigo, e disse-lhe que queria conversar com ela, pedir-lhe uma explicação, uma orientação, uma ajuda.

Algo que me chamava a atenção e que me levava cada vez mais a crer estar diante de reais fenômenos mediúnicos é que, dentre os amigos que viam, ouviam ou incorporavam espíritos, alguns não se conheciam, não conviviam, não tinham contato entre si, pertenciam a ambientes sociais diferentes; não sabiam, ademais, de minha parte, o que com os outros se passava. Isso, prá mim, tornava impossível que se influenciassem mutuamente, sugestionando-se uns pelos relatos dos outros. A essa altura, eu já dava como certa a explicação que antes tinha apenas como hipótese a ser confirmada. Eu já sabia o que se passava. Eram, realmente, os espíritos dos mortos que se manifestavam para e através de mim e dos meus amigos médiuns. O que eu queria agora era saber mais sobre isso e, sobretudo, saber o que fazer com essa nova faculdade que víamos nascer em nós.


Espiritismo.


João falou, então, com Isabela, a colega espírita, e marcaram uma visita nossa à casa dela para conversarmos com dona Iolanda, sua mãe, que era dirigente de um centro. Contamos à dona Iolanda o que estávamos passando, ela ouviu-nos, deu-nos algumas explicações que confirmavam a tese das comunicações mediúnicas, e fez-nos uma exposição resumida sobre o que era a doutrina espírita. O impacto de suas palavras, em mim, não poderia ter sido maior, nem melhor do que foi. Um universo novo de idéias começou ali a me ser revelado e eu me senti subitamente tomado pela alegria imensa de estar encontrando as primeiras respostas razoáveis àquela série de perguntas sem resposta que eu me fazia desde o tempo de menino. O Espiritismo parecia afinal desvendar mistérios e decifrar enigmas sobre a vida e sobre a morte, na medida em que trazia para minha reflexão informações sobre a imortalidade da alma, sobre a comunicabilidade do mundo dos vivos com o mundo dos mortos – a mediunidade – , sobre a existência de leis morais naturais, de uma lei natural do progresso e de uma lei natural de causa e efeito para a vida moral dos homens, além do mecanismo educativo da reencarnação, em que o espírito imortal, através de vidas sucessivas em diferentes planetas e corpos biológicos, tem a oportunidade de reparar erros e desenvolver virtudes no longo, lento e contínuo processo de evolução que o levará, inexoravelmente, à perfeição moral e intelectual. Aprendi que a moral espírita é a moral cristã resumida de forma concisa por Jesus quando disse que os dois maiores mandamentos da lei de Deus são amar a Deus sobre todas as coisas e amar ao próximo como a si mesmo. Segundo o Espiritismo, os espíritos são criados por Deus simples e ignorantes, mas perfectíveis e predestinados a conquistar, pelo esforço próprio, a perfeição e a felicidade, dela decorrente, que buscam por um impulso natural, constante e irresistível desde o nascimento. A felicidade real, profunda e definitiva, para o Espiritismo, será sempre efeito do cumprimento da lei de Deus, inscrita, antes do que em qualquer outro lugar, na própria consciência dos homens.

Não sei o quanto, disso tudo, consegui assimilar já naquela curta palestra que nos fez dona Iolanda. Sei que saí de sua casa maravilhado e feliz. O Espiritismo me dava elementos valiosos prá eu entender como se processa a justiça de Deus. Encontrava, afinal, uma religião ou filosofia cujos princípios confirmavam a idéia do Deus justo e bom em que eu aprendi a crer desde a minha infância. Aos poucos fui aprendendo que a doutrina espírita foi revelada por Deus, pelas vozes dos espíritos e através dos médiuns, para consolar os homens, dar-lhes razões para aceitarem com resignação e paciência a dor que não encontra remédio, para lutarem pela própria reforma íntima, para cultivarem a alegria e a esperança, mas sobretudo, para confiarem em Deus e na vida futura.

Dona Iolanda convidou-nos a visitar o centro que dirigia para uma conversa com a presidente da instituição, dona Brunilde. Foi assim que conheci o Lar de Teresa, que passei a ter como um abrigo acolhedor e como um porto seguro nos momentos mais atribulados. Dona Brunilde nos recebeu e muito carinhosamente nos deu as boas vindas. Conversou conosco e nos deu as primeiras orientações. O que estávamos vivendo era o afloramento da faculdade mediúnica, que precisaria ser educada prá ser produtiva e não causar prejuízo ao nosso equilíbrio psíquico. Recomendou que iniciassemos imediatamente o tratamento de passes espirituais e que, na mesma semana, ingressassemos numa das turmas de um curso de preparação de médiuns ministrado no próprio centro. Em pouco tempo fomos convocados a participar da “mesa mediúnica”, atividade na qual, em torno de uma mesa, em ambiente reservado, os médiuns da casa se reuniam para o intercâmbio com o mundo dos espíritos.

Foi frustrante e ao mesmo tempo surpreendente a minha curta passagem pela mesa mediúnica do Lar de Teresa. Frustrante, porque nada aconteceu comigo em termos de fenômeno. Fui um mero espectador dos movimentos e das falas dos demais participantes, que expressavam, cada qual segundo o tipo de mediunidade que tinha, as emoções e as idéias dos espíritos presentes. Devo ter ido a duas ou três reuniões, apenas. Na última, veio a surpresa. Um dos médiuns, após um período de grande recolhimento e concentração, em que escrevia, na penumbra da sala, alguma coisa, a lápis, numa folha branca de papel, disse à dona Brunilde, que dirigia a atividade, ter recebido naquele momento uma mensagem e que tinha a forte intuição de que era destinada “a este rapaz”, apontando prá mim, que sentava a seu lado. Eu levei um susto. “Os espíritos me mandaram uma mensagem?!!! Mas, como, por que prá mim?” Perplexo, eu não consegui me concentrar mais prá ouvir a leitura do texto recebido pelo médium. Não ouvi nada. Ao fim da reunião, procurei saber com os demais participantes qual era o conteúdo da mensagem. Tentei e não consegui uma cópia. Afinal, alguém, não me lembro quem, disse que tratava-se de uma orientação dos espíritos, para que eu não me preocupasse tanto com os fenômenos mediúnicos, que estudasse a doutrina espírita, que trabalhasse nas obras do bem e que procurasse melhorar como pessoa. Nada mais consegui que me dissessem além disso. Mas interpretei o que ouvi como uma indicação de que eu não seria mesmo um médium como eram alguns dos meus amigos e os outros que encontrei na mesa mediúnica e que, portanto, não deveria retornar mais a aquela atividade. Nunca mais tive as sensações estranhas que me levaram a buscar explicações no Espiritismo e isso me fez crer que a minha mediunidade tinha “ido embora”, que fora circunstancial, não teria sido um chamado de Deus para o trabalho mediúnico e sim um modo Dele me aproximar do Espiritismo afim de permitir que eu pudesse me beneficiar de tudo aquilo que a doutrina tem de fato me proporcionado até os dias de hoje.

Mais de trinta anos depois daquela conversa com dona Iolanda, não sei dizer se me tornei uma pessoa melhor por influência do Espiritismo. Mas tenho absoluta certeza de que, sem ele, eu poderia ter sucumbido ante às dificuldades da vida. Nos momentos mais graves e dolorosos, a doutrina espírita foi a luz que me ajudou a enxergar a bondade e a justiça de Deus por trás da nuvem negra e espessa dos problemas. Foi a ponte que me levou à convicção de que não estou só no mundo, de que a morte não existe e de que, dentro de mim e no mundo, a vitória do bem e da justiça é um destino inexorável. Caminhar pela difícil e perigosa estrada da vida, trazendo consigo essas certezas, é o mesmo que adentrar a noite sabendo que ela leva ao dia. Coragem é a atitude de quem tem fé. E fé é a confiança íntima que se tem em algo ou alguém. A doutrina espírita dá razões bastas para que o indivíduo tenha confiança no potencial imenso que traz dentro de si, como parte integrante da sua própria natureza, e razões bastas para que confie em Deus e na vida futura que Ele nos reserva como prêmio pelos passos que dermos.

Caminho, há quase 49 anos, a bordo do corpo que Deus me deu, enfrentando como todo humano os acidentes e intempéries dessa viagem que é a vida biológica, curto trajeto de uma jornada ainda maior na infinita estrada da evolução do espírito. Quando uma tempestade se abate sobre mim e não é possível enxergar os limites da trilha, quando a fadiga me toma e sinto faltarem-me forças, busco o abrigo da fé e aí repouso minha alma cansada. Espero confiante porque sei que não há tormenta eterna, como não há noite sem fim. Alternam-se na vida os bons e maus momentos, as alegrias e tristezas, os prazeres e dores, como na natureza os dias e noites, os dias de sol e os temporais. Por tudo isso passo, como passam todos os homens, certo, graças ao Espiritismo, de que temos todos um mesmo destino inexorável. Alcançar um estado de perfeição moral e intelectual tão elevado que nos permitirá compreender e sentir aquilo que hoje pode nos parecer ilusão ou sonho. Nesse dia, a felicidade já não será mais um punhado de prazeres fugazes, dispersos ao longo do tempo, mas um estado permanente e estável. A felicidade nesse dia será profunda, intensa e definitiva. Será a estação final da longa viagem proposta aos homens por Jesus ao Reino de Deus, onde a paz, a harmonia e a ventura, são patrimônios inalienáveis do espírito que, pelo esforço próprio e orientado pelos mecanismos educativos da vida, desenvolve, até tornar parte de sua natureza, a capacidade sublime de amar ao próximo como a si mesmo.


segunda-feira, 18 de abril de 2011

Cristianismo de Jesus: Os dois maiores mandamentos.

O Cristianismo é a doutrina moral de Jesus Cristo. Nada além ou aquém disso. Num diálogo que teve com os fariseus, Jesus definiu, de forma muito precisa e objetiva, o núcleo central, a base fundamental sobre a qual se assentava a sua doutrina. Ele cita dois mandamentos, que já se encontravam em livros do Antigo Testamento, a partir dos quais desenvolve todo o seu ensino. Esse diálogo foi relatado pelos evangelistas Mateus, Marcos e Lucas.
Evangelho de Mateus, capítulo 22, versículos 34 a 40. 
"Sabendo os fariseus que Jesus reduzira ao silêncio os saduceus, reuniram-se, e um deles, doutor da lei, fêz-lhe esta pergunta para pô-lo à prova: '- Mestre, qual é o maior mandamento da lei?' Respondeu Jesus: '- Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda tua alma e de todo o teu espírito (Deutoronômio, capítulo 6, versículo 5). Este é o maior e o primeiro mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás teu próximo como a ti mesmo (Levítico, capítulo 19, versículo 18). Nesses dois mandamentos se resumem toda a lei e os profetas.'"
Evangelho de Mateus, capítulo 7, versículo 12 (Sermão da Montanha).
"Tudo o que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles. Esta é a lei e os profetas."


Evangelho de Marcos, capítulo 12, versículos 28 a 31.
"Achegou-se dele um dos escribas que os ouvira discutir e, vendo que lhes respondera bem, indagou dele: '- Qual é o primeiro de todos os mandamentos?' Jesus respondeu-lhe: '- O primeiro de todos os mandamentos é este: Ouve, Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor; amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu espírito e de todas as tuas forças. Eis, aqui, o segundo: Amarás o teu próximo como a ti mesmo.* Outro mandamento maior do que estes não existe.'"


* (Citação de Deutoronômio, capítulo 6, versículos 4 e 5; e Levítico, capítulo 19, versículo 18)


Evangelho de Lucas, capítulo 10, versículos 25 a 37. 
"Levantou-se um doutor da lei e, para pô-lo à prova, perguntou: '- Mestre, que devo fazer para possuir a vida eterna?' Disse-lhe Jesus: '- Que está escrito na lei? Como é que lês?' Respondeu ele: '- Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu pensamento (Deutoronômio, capítulo 6, versículo 5); e a teu próximo como a ti mesmo (Levítico, capítulo 19, versículo 18).' Falou-lhe Jesus: '- Respondeste bem; faze isso, e viverás.'"


Evangelho de Lucas, capítulo 6, versículo 31. 
"Tratai todos os homens como quereríeis que eles vos tratassem."
Amar a Deus sobre todas as coisas e amar ao próximo como a si mesmo. Disse Jesus sobre estes dois preceitos: "Nesses dois mandamentos se resumem toda a lei e os profetas"; "outro mandamento maior do que estes não existe"; e "faze isso, e viverás". Os relatos evangélicos não dão margem a dúvidas. A doutrina de Jesus se resume, segundo Ele próprio declarou, a estes dois mandamentos: amar a Deus sobre todas as coisas e amar ao próximo como a si mesmo. Nesses dois mandamentos consiste, portanto, o verdadeiro Cristianismo de Jesus. Um Cristianismo cujo ensinamento essencial é perfeitamente condizente com a intuição que boa parte da humanidade tem da existência de um Deus justo e bom, cujo amor e piedade paternais só podem inspirar mais amor e piedade fraternais entre seus filhos, e não o longo cortejo de crueldades e impiedades em nome Dele cometidas, ao longo de toda a História.

Muito mal se há feito - e ainda se faz - em nome de Deus por se atribuir a Deus o que partiu - e parte - da mente sórdida dos homens. Em Gênesis, diz-se que Deus criou o homem à sua imagem e semelhança. Os ateus afirmam que Deus é uma mentira, uma idéia criada e alimentada pela imaginação do próprio homem. Prá mim, Deus existe independentemente da vontade dos homens. Mas, de fato, cada homem cria um deus seu, à sua própria imagem e semelhança.

O leitor há de ainda estar se perguntando o porque de eu ter dado a este post o título de "Cristianismo de Jesus"; acaso haveria outro ou outros cristianismos além deste?

Dentro da Bíblia, a doutrina de Jesus vem misturada com outras doutrinas que dela divergem de modo por vezes radical. Há contradições gritantes entre a essência do ensino de Jesus e a doutrina ensinada por alguns profetas e até apóstolos que falam em nome Dele e relatam a Sua história. Dentro mesmo do Novo Testamento, há pelo menos uma afirmativa atribuída a Jesus que é tão escandalosamente injusta que não poderia jamais ter sido feita por Ele.
"Eu, porém, vos digo: todo aquele que rejeita sua mulher, a faz tornar-se adúltera, a não ser que se trate de matrimônio falso; e todo aquele que desposa uma mulher rejeitada comete um adultério." (Mateus 5,32) 
http://www.bibliacatolica.com.br/01/47/5.php


"Ora, eu vos declaro que todo aquele que rejeita sua mulher, exceto no caso de matrimônio falso, e desposa uma outra, comete adultério. E aquele que desposa uma mulher rejeitada, comete também adultério." (Mateus 19,9) 
http://www.bibliacatolica.com.br/01/47/19.php

Ou seja, a mulher que sofre o abandono do marido, torna-se por isso adúltera e é condenada à pena de solidão perpétua. O homem, por sua vez, que a encontrar sozinha, não poderá desposá-la, fazer dela sua companheira, por mais que a ame e por ela seja amado, porque que isso faria dele também um adúltero. É inconcebível, por ilógico e incoerente, que Jesus tenha ensinado um absurdo desses. E, no entanto, isso está lá, com todas as letras, no evangelho de Mateus.

Apesar de evidentes aberrações éticas como essa, as religiões bíblicas (católicos e protestantes), ensinam a seus fiéis que tudo o que a Bíblia contém é Cristianismo. Não é. São Paulo, por exemplo, tem uma doutrina própria, que poderia ser chamada de "paulinismo", que tem pontos de contato com o Cristianismo, mas também pontos em que com o Cristianismo mostra completo desacordo. Chamam de Cristianismo também às interpretações mirabolantes e aos dogmas criados pelos teólogos do próprio clero, penduricalhos inúteis que ao longo dos séculos foram se acumulando e tomando um tal volume que acabaram por ocultar o ensino original Daquele que todas as religiões cristãs dizem ter como Mestre.

A doutrina de Jesus é simples. O que dificulta a sua compreensão e o que causa a sua frequente deturpação, é a confusão enorme que se cria ao chamar de Cristianismo o que não é Cristianismo. A moral cristã é diferente e muito superior à moral encontrada em muitos dos sermões que se fazem nos púlpitos e em um sem número de passagens bíblicas. Por isso, quando alguém se diz adepto do Cristianismo, é justo que se pergunte: que cristianismo? O cristianismo que erradamente se atribui aos profetas do Antigo Testamento? O cristianismo que erradamente se atribui a São Paulo, exposto em suas epístolas? O cristianismo de um suposto Jesus injusto que condena e penaliza a mulher pelo pecado do homem? O cristianismo do clero católico e protestante que estabelece normas e preceitos muitas vezes contrários à caridade ensinada por Jesus? Ou o Cristianismo puro, de Jesus, resumido por Ele mesmo quando provocado pelos fariseus? A verdade é que só existe um Cristianismo: o de Jesus. O resto é produto da imaginação humana que só serve para alimentar confusão e incredulidade.

Há um jeito simples de saber o que é e o que não é cristão, o que é e o que não é Cristianismo. Tudo apreciar e julgar à luz do que o próprio Jesus asseverou ser o fundamento de Sua doutrina, que é a própria Lei de Deus. Jesus citou dois mandamentos que já constavam das antigas escrituras: amar a Deus sobre todas as coisas e amar ao próximo como a si mesmo. E disse, sobre eles: "outro mandamento maior do que estes não existe". Isso quer dizer que existem outros mandamentos além destes. Mas que todos têm um valor relativo inferior, que é determinado pelo grau de compatibilidade que tenham com eles. Deu-nos, portanto, Jesus, um meio infalível de avaliar o que é e o que é Cristianismo. Cristão é todo ensino moral que esteja de acordo, ou seja compatível, com aqueles dois mandamentos supremos, mesmo que estes ensinos não apareçam na Bíblia. Pela mesmo critério, anticristão é todo ensino moral que esteja em desacordo, ou seja incompatível, com aqueles dois mandamentos supremos, mesmo que estes ensinos estejam na Bíblia e sejam atribuídos a Deus ou a Jesus.

Se Deus é perfeito, a Lei que Dele promana também deve o ser; não pode ser uma lei contraditória. Ora, quem já leu a Bíblia sabe que contradição é o que não falta nesse livro. Se tudo o que ali se atribui a Deus fosse mesmo palavra de Deus, teria-se que, forçosamente, concluir que Deus é um deus louco, incoerente e passional, como a maior parte dos homens. Mas Deus não é contraditório. Se há tantas contradições na Bíblia não é senão pelo fato de que ela foi inteiramente concebida pelos homens, que misturaram, inadvertida ou oportunisticamente, o ensino moral, universal e atemporal, de procedência divina, com o ensino moral, local e temporal, de procedência humana.

Atribui-se nos Evangelhos a Jesus a expressão 'dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus'. Pois a missão de Jesus pode bem ser resumida numa outra frase semelhante a essa. Jesus veio ao mundo dar a Deus o que é de Deus, e a Moisés e aos profetas o que é de Moisés e dos profetas. Usando uma outra expressão também atribuída a Ele pelos evangelistas, sua missão era separar o joio do trigo, separar o que era Lei de Deus do que era lei dos homens. Infelizmente esse propósito não foi compreendido por seus seguidores. Paulo de Tarso, o São Paulo, foi o primeiro a refazer a mistura do trigo com o joio, da Lei de Deus com a lei dos homens. Convertido ao Cristianismo de Jesus, mas ideologicamente ainda prisioneiro do judaísmo, no qual foi educado, Paulo deu ao Cristianismo de Jesus uma nova feição. Ele concebeu de fato um novo cristianismo, diferente do original, em que tentou harmonizar - a meu ver, sem sucesso - suas novas e antigas crenças. O Cristianismo está, de fato, presente no Mosaísmo e no Paulinismo, mas com eles não pode ser confundido, como frequentemente se faz. Isso é um equívoco. O Cristianismo, no Mosaísmo, é uma semente minúscula coberta por uma tonelada de cascalho e pedra. O Cristianismo, no Paulinismo, é uma planta tenra coberta de ervas parasitas.

O Cristianismo nada mais é do que a Lei de Deus ensinada por Jesus. A base dessa doutrina é o amor. Qualquer ensino religioso que tenha como conteúdo algo que não seja o amor, nunca poderá ser admitido como de natureza cristã.

Silvio Melgarejo

18/04/2011

Sobre o ato de escrever.

Por Silvio Melgarejo - Toda experiência que vivo é matéria prima preciosa que, submetida à reflexão, pode ensinar coisas que ninguém, nem livro algum, pode ensinar. Escrever obriga a pensar. Entregar-me à reflexão sobre o que vivo e observo e ao trabalho de relatar a experiência, a reflexão e as descobertas dela provenientes, lutando contra minhas limitações e insuficiências para traduzi-las da forma mais bela e clara que me seja possível, é uma necessidade e ao mesmo tempo um desafio que encaro como missão, toda vez que me dedico a esta tarefa. É como ter fome e ver-se impelido a procurar comida; como ter sede e procurar por água. Até achar.

Lutar com a experiência e com as palavras para delas extrair significado e beleza é um trabalho sofrido, a maior parte das vezes frustrante, mas sempre excitante. Há uma expectativa constante pelo eclodir do entendimento e pelo desabrochar da melhor forma de expressá-lo. Diante do papel ou do teclado, as lembranças, idéias e palavras parecem envolver com o ritmo acelerado de seu movimento todo meu corpo e toda minha alma, de tal modo que a noção de espaço e tempo se perdem, em alguma medida, ou entram num estado de completa suspensão. Só a fadiga mental e o esgotamento físico me despertam desse transe e me obrigam a interromper, frustrado, a busca que me imponho qual missão.

Durmo sem dormir direito e prossigo quando acordo com o empenho angustiado de um cego a procurar por luz. Tudo é dor, angústia e treva e ainda assim caminho, certo do valor da recompensa que me espera se chegar vivo ao meu destino. E não há, não pode haver prazer maior do que o momento em que essa tensão desfaz-se... e se desatam os nós... o peito suspira, aliviado... em que a cabeça fica subitamente leve... a alma se alegra, se delicia... o corpo relaxa e, finalmente... dorme em paz.

Isso tudo sinto quando termino um texto que me parece bom, quando termino um texto que me dá a sensação de ter encontrado a forma certa de dizer tudo o que tinha a dizer. É possível que, um dia, ao reler o que hoje me satisfaz, eu me envergonhe de mim mesmo por ter encontrado valor nas bobagens que pensei e escrevi e me considere um completo idiota por ter tido a coragem de publicá-las. Mas é possível, também, que eu aprove, e me orgulhe tanto do que fiz que chegue a duvidar de ter sido eu mesmo o autor.

Seja como for, acho que terá valido a pena correr o risco de passar esse vexame. Por duas razões. Primeiro, porque me terei permitido ver a mim mesmo como me veem os outros, ver-me de fora de mim e poder avaliar com algum distanciamento o valor daquilo que faço, do meu pensamento profundo, como às vezes suponho, ou raso, como outras vezes penso que seja. Ver, sobretudo, a evolução das minhas ideias e da minha capacidade de expressa-las.

A outra razão para eu achar que vale a pena encarar o risco do ridículo é que, expondo-me, sujeito-me à crítica que pode ajudar a identificar os eventuais vícios do meu raciocínio, possibilitando a retificação de possíveis erros, contradições e incoerências.

Busco a verdade, o bem, a justiça e a beleza, e quero muito compartilhar com os outros essa minha busca e seus resultados. Escrevo, a princípio, para organizar o pensamento e para dar-lhe registro perene. Mas quero também dar publicidade ao que penso para que minhas ideias se espalhem, sejam objeto de crítica e inspirem ações que lhes correspondam. Porque sei que o que procuro e o que desejo, nunca acharei nem farei sozinho. Acharei e farei com os outros. Quero pensar e escrever para mim, para os outros e com outros. Por isso criei este blog.

Silvio Melgarejo


(Escrito em 01/10/2007 - Revisado em 22/12/2011, em 27/10/2012 e em 02/09/2013. Última revisão 08/03/2015)



Inauguração do blog.

"Ser blogueiro significa, prá mim, ter a dupla possibilidade de exercitar a redação e exercer a cidadania. Estou certo, de que se ninguém além de mim sequer tomar conhecimento da existência deste meu blog, ele ainda assim já terá tido uma virtude, a de me dar ensejo ao convívio prazeroso com as palavras e com as idéias, com os conteúdos e com as formas de expressá-los. Escrever é atividade que exige reflexão. A palavra falada evapora no ar; a escrita dá-lhe forma visível e registro perene. A palavra escrita organiza o pensamento e permite que se identifique, mais facilmente, as virtudes e os vícios de uma argumentação. O primeiro leitor de um livro e o seu primeiro crítico é aquele mesmo que o escreve. Esse dialogo sempre algo tenso do leitor com o escritor, sendo ambos a mesma pessoa, é uma forma de reflexão. Refletir, nesse caso, é submeter-se à própria crítica; é botar em dúvida o valor de tudo o que se escreveu e buscar, no texto, a insuficiência, a imperfeição, a imprecisão, a incorreção, a incoerência. A dúvida, essa atitude tão necessária prá dar valor à auto-crítica, é o que mais gera insegurança e ansiedade no escritor; ao mesmo tempo, é o que mais lhe ajuda a depurar idéias e amadurecer o pensamento." (Silvio Melgarejo)

Antes de mais nada, é preciso que eu me apresente. Eu sou Silvio Melgarejo. Sou professor de música, brasileiro, carioca, nascido e criado no bairro de Botafogo, onde até hoje moro. Sou cristão espírita, democrata socialista, filiado ao Partido dos Trabalhadores e torço pelo Botafogo.

Bem, não é a primeira vez que crio um blog. Tive outros e, cada vez que inaugurava um novo, fazia um post em que procurava justificar o porque de estar criando um blog. Era uma espécie de discurso de cerimônia de abertura, um negócio um tanto formal, mas que mal não fazia. Por isso, quero fazer o mesmo aqui. Neste primeiro post de abertura, além de apresentar minhas boas vindas aos eventuais visitantes, quero contar-lhes um pouco da minha experiência na internet, como vim parar aqui e o que pretendo com a criação deste espaço.

Descobri o que era um blog em 2005. O primeiro que conheci foi o do jornalista Ricardo Noblat onde fiz meus primeiros apartes no debate político cibernético. Demorei um pouco prá decidir se escrevia ou não alguma coisa, tinha medo de dizer besteira. Mas era tanta gente falando bobagem, livre e impunemente, que eu me senti encorajado a também proferir as minhas. Evidentemente ninguém considera bobagens as bobagens que diz. Senão nem as publicaria. Eu achava que o que eu escrevia era melhor do que o que maioria publicava, e isso me dava a sensação de estar ajudando a elevar o nível, não fazê-lo despencar. Eram, afinal, frutos do meu esforço de reflexão e de elaboração. Não publicava qualquer coisa, procurava caprichar prá contribuir com o melhor de mim para o debate em que entrava. A possibilidade de ser lido por muita gente me animava, me fazia reviver os bons tempos de sindicalista em que redigia o jornal da minha empresa. Aos poucos, no entanto, fui percebendo que se, por um lado, a quantidade e a disposição dos frequentadores do blog faziam dele uma assembléia com audiência certa para quem quisesse dar o seu recado, por outro, o número de postagens era tão grande que, em pouquíssimo tempo, um texto que demorasse horas prá ser redigido, perdia-se em meio aos demais, desaparecendo do mapa antes que pudesse ser lido por meia dúzia sequer de pessoas.

Dessa experiência no Blog do Noblat, aprendi o seguinte. Os blogs com alta frequência de visitantes seriam excelentes vitrines de idéias se fossem numerosos os leitores e poucos os tópicos e postagens. Quando os tópicos e postagens são criados em profusão, o tempo de exposição de cada um deles acaba ficando curtíssimo. A partir dessa constatação, me dei conta de que seria um desperdício de energia e de tempo trabalhar exaustivamente em textos que, misturados a milhões de outros, acabariam sendo fatalmente ignorados. Foi aí que pensei em que criar meu próprio blog. Pensava à época, e ainda penso, que um blog só meu talvez viva vazio, como uma dessas lojas escondidas em ruas de pouca circulação. Mas, ainda assim, será um endereço certo prá eu receber quem venha por recomendação de algum freguês bem atendido. E, quem passe eventualmente pela porta, a qualquer hora do dia ou da noite, não poderá deixar de ver o que esteja exposto na vitrine.

Pode parecer meio descabido comparar idéias a coisas que se compra e vende no comércio. Mas, de fato, a vida em sociedade, na medida em que põe os indivíduos em contato uns com os outros, faz com que naturalmente estabeleçam-se relações de troca. No Rio de Janeiro diz-se "dar uma idéia em Fulano" ou "trocar uma idéia com Beltrano" quando se quer dizer "falar com Fulano" ou "conversar com Beltrano". O que quero dizer é que a convivência social é, mesmo, um comércio permanente de sentimentos e de pensamentos, que existe, mesmo, um mercado de idéias, como existe, também, um mercado de afetos. Somos todos, ao mesmo tempo, produtores, comerciantes e consumidores de idéias e afetos. Expomos nossas idéias prá que outros delas se apropriem e façam uso, enquanto apreciamos, por nossa vez, nas vitrines dos outros, as suas idéias, e compramos aquelas que nos seduzem ou que apenas nos parecem úteis ou, de algum modo, apropriadas. Mas, afinal, prá que servirão essas idéias? E que gratificação terá aquele que as vende ou que apenas se dedica a fazê-las circular?

Não acho que seja possível ter perfeita e absoluta consciência das motivações íntimas de cada um dos nossos atos. A maior parte dessas motivações é latente, está lá dentro de nós, impulsionando-nos a agir dessa ou daquela forma, sem que tenhamos a menor consciência da sua existência. As intenções que mais facilmente revelamos, até para nós mesmos, mesmo quando reais, são quase sempre aquelas mais nobres que servem prá valorizar a nossa auto-imagem e a nossa imagem pública. É raro alguém admitir que faz alguma coisa movido por ambição ou vaidade. É difícil mesmo avaliar, ainda que se esteja muito disposto a ser honesto, o quanto de vaidade e o quanto de ambição estão misturados àqueles sentimentos nobres que apresentamos à sociedade como matrizes das nossas boas ações.

Não tenho porque negar que há vaidade na raiz da minha decisão de publicar o que escrevo. Ambição, não. Mas, conceber boas idéias e expressá-las de forma bela e clara na expectativa de receber a aprovação de quem lê é uma intenção que não chega a ser má; revela, talvez, a carência e a fragilidade de quem escreve e um tanto de egoísmo, já que visa antes à satisfação do seu amor próprio do que ao bem de outrem, embora esta intenção – é bom que se diga – não chegue a estar ausente. Mas se as idéias forem mesmo boas e se a forma como forem traduzidas for bonita e inteligível, se o trabalho que estou tendo puder ser útil a quem lê, ajudando-o a refletir ou simplesmente proporcionando-lhe algum prazer estético, que importa se tenho a vaidade como incentivadora?

Fato é que toda ação, ou movimento, nasce impulsionada por uma complexa combinação de desejos que são frequentemente contraditórios, uns acentuando, outros atenuando o vigor daquele que desde o começo mostra-se predominante sobre os demais. Impulsos de vida e de morte, de criação e destruição, de amor e egoísmo, conflagram-se na gênese das ações humanas, arbitrados pela lei, pela moral e pela conveniência. Por isso, o conhecimento de si mesmo pode ser encarado como a maior, a mais bela, a mais necessária e, sobretudo, a mais difícil das utopias humanas. Ninguém é tudo o que supõe ser de bom e de mau. O universo interior é cheio de enigmas, segrêdos e mistérios que, ao serem revelados, quase sempre nos aproximam, mais até do que desejamos, da humanidade que vemos à nossa volta e contra a qual temos tantas críticas. Gandhi demonstrava saber disso quando aconselhou aos que o seguiam: “sejam a mudança que vocês querem no mundo”. Com isso quis dizer que a mudança real começa no mundo íntimo de cada ser humano.

Portanto, as razões mais profundas que me animam a, não só criar o blog, como participar de inúmeros debates públicos na internet, não me atrevo a dizer que as conheço todas. Penso que este pode vir a ser um dos temas recorrentes desse blog, "por que faço política", "por que debato na internet", "por que criei o blog?". Com o tempo, é possível que eu chegue a conclusões mais precisas, mais consistentes, mais verdadeiras. Por ora, fico nas razões superficiais, naquelas mais fáceis de serem identificadas e admitidas. Pois, então, vamos a elas.

Bem, não são diferentes as minhas das razões da maioria dos blogueiros prá criar um blog. Creio que tudo se resuma à necessidade de comunicação, de tornar pública alguma coisa que se concebeu e que se deseja compartilhar com o maior número possível de pessoas. O que me levou a criar este blog é o desejo de dar publicidade aos textos que eu redija sobre qualquer coisa que me pareça relevante. Muita coisa me parece relevante mas há, devo dizer, um tema sobre o qual tenho um interesse maior e que me mobiliza mais que qualquer outro: a política. Além da política, a religião, os direitos humanos, o futebol e o bairro de Botafogo, onde moro, serão os temas deste meu blog. Ele será a minha tribuna particular. Daqui vou continuar, como tenho feito, em outros espaços, emitindo meus juízos sobre as idéias e sobre os fatos tentando contribuir com o melhor de mim prá enriquecer o debate público na sociedade. Não espero alcançar grandes audiências. Meu objetivo é bem modesto. Arquivar meus textos e disponibilizá-los para os eventuais interessados. Quanto mais gente, melhor, é claro. Mas, já estarei feliz se tiver alguns poucos e bons leitores com quem possa dialogar.

Ser blogueiro significa, prá mim, ter a dupla possibilidade de exercitar a redação e exercer a cidadania. Estou certo, de que se ninguém além de mim sequer tomar conhecimento da existência deste meu blog, ele ainda assim já terá tido uma virtude, a de me dar ensejo ao convívio prazeroso com as palavras e com as idéias, com os conteúdos e com as formas de expressá-los. Escrever é atividade que exige reflexão. A palavra falada evapora no ar; a escrita dá-lhe forma visível e registro perene. A palavra escrita organiza o pensamento e permite que se identifique, mais facilmente, as virtudes e os vícios de uma argumentação. O primeiro leitor de um livro e o seu primeiro crítico é aquele mesmo que o escreve. Esse dialogo sempre algo tenso do leitor com o escritor, sendo ambos a mesma pessoa, é uma forma de reflexão. Refletir, nesse caso, é submeter-se à própria crítica; é botar em dúvida o valor de tudo o que se escreveu e buscar, no texto, a insuficiência, a imperfeição, a imprecisão, a incorreção, a incoerência. A dúvida, essa atitude tão necessária prá dar valor à auto-crítica, é o que mais gera insegurança e ansiedade no escritor; ao mesmo tempo, é o que mais lhe ajuda a depurar idéias e amadurecer o pensamento.

No dia 20 de julho de 2005 inaugurei o meu primeiro blog, o Aparte, prá registrar e dar publicidade às minhas idéias sobre política. Nunca tive grandes pretensões em relação a ele, queria apenas que pudesse servir como um arquivo público onde deixasse registrados os meus pontos de vista sobre as idéias e sobre os fatos da vida pública do país. O blog seria um endereço certo na internet que eu poderia dar a quem quisesse conhecer meu pensamento. A idéia parecia muito boa, mas o projeto acabou não se concretizando. Eu não tinha tempo nem disposição prá divulgar o blog e produzir conteúdo que pudesse ser publicado. Acho que a falta de um público a quem pudesse me dirigir, já que tanto eu quanto minha página eramos absolutamente desconhecidos, matava em mim qualquer inspiração prá escrever, qualquer desejo de manifestar meu pensamento. Com mêdo de ficar isolado, escrevendo prá ninguém, de ficar falando sozinho, sem interlocutores, acabei deixando de lado o blog e fui pro Orkut, onde já havia movimento. Demorei a tomar essa decisão. Temia pela falta de segurança do sistema. A essa altura, eu já sabia dos perigos da internet e tinha medo de entrar numa enrascada. A idéia que tinha do Orkut era vaga. Soube que era um site e que ali havia fóruns de discussão prá todo tipo de assunto. E só. Não sabia como isto se dava. Enfim, resolvi arriscar, tomando, evidentemente, alguns cuidados prá me preservar. Um perfil falso, por exemplo.

Não demorei muito a perceber que aquele mesmo problema que tinha me feito abandonar os blogs de jornalistas, que frequentava lá no começo da minha militancia cibernética, aparecia ali também nas comunidades do Orkut. O problema da superprofusão de postagens, da efemeridade e da superficialidade das discussões e da alta rotatividade de tópicos. Enfim, aquilo tudo que me deixava mais insatisfeito nos blogs do Noblat e do Guilherme Fiuza, estava encontrando ali nas comunidades do Orkut que comecei a frequentar. Se por um lado a quantidade e a disposição dos participantes das comunidades faziam delas tribunas com platéias numerosas e prontas prá ouvir minhas mensagens, por outro essas mensagens acabavam tendo curtíssimo tempo de vida útil. E cá estou de novo ao ponto de partida, investindo num novo projeto de blog próprio. O Orkut continua sendo uma fonte de informação e de inspiração para escrever. Sinto-me provocado quando leio algo com que concorde ou com que discorde e lá mesmo respondo. O que não impede que publique o que lá deixo aqui no meu blog. Surgiram o Facebook e o Twitter, muita gente aposentou o Orkut, mas eu continuo achando que ele é melhor que os demais para a exposição e troca de idéias. Mantenho lá o meu perfil e sigo participando de debates sobre os temas que me interessam com a assiduidade possível.

Neste blog que inauguro agora, eu pretendo fazer um inventário das minhas crenças, reflexões e memórias, registrar notícias, análises e opiniões sobre os fatos do cotidiano da vida pública que me chamem mais a atenção; quero falar sobre moral, filosofia, religião, política e esporte; falar, enfim, sobre o comportamento humano, as relações sociais e o jogo do poder político. Quero fazer desse meu blog a minha sala virtual de visitas. Você, leitor, é meu convidado. Vamos conversar? Entre. Leia. Comente. Seja bem vindo.

Silvio Melgarejo

18/04/2011