sexta-feira, 21 de junho de 2019

Morador de rua é questão nacional.

O texto ao final deste post foi censurado num grupo de Facebook da AMAB, Associação de Moradores e Amigos de Botafogo, chamado "Desordem Urbana em Botafogo e adjacências", cuja descrição é a seguinte: "Grupo destinado a relatos de desordem urbana no bairro de Botafogo e vizinhança". No topo da página, há um post fixo da presidente da associação, Regina Chiaradia, com o seguinte aviso: "Este grupo pertence à Associação de Moradores e Amigos de Botafogo - AMAB e foi criado para agilizar as denúncias de desordem urbana no bairro de Botafogo e adjacências e solicitar à Prefeitura, através de seus representantes, o atendimento das mesmas".


Bem, todas as manifestações de cidadãos que em muitos anos já vi nos canais de comunicação da AMAB sobre os moradores de rua foram para reclamar das suas presenças e classificá-los ou como problema de desordem urbana ou como problema de segurança pública. Não são raras as queixas postadas no tal grupo da desordem dirigidas aos representantes da prefeitura e da Polícia Militar, pedindo "providências", que não são nada além da retirada dessa gente indesejada das calçadas. Para onde estas pessoas serão levadas, disso ninguém quer saber, o que importa é livrarem-se dos estorvos.

Antigamente cobrava-se aos governos que "recolhessem os mendigos". A prefeitura então "recolhia" os coitados e os despejava num depósito chamado Fundação Leão XIII. No tempo que participei de um grupo de distribuição de sopa e quentinhas aos moradores de rua, nunca encontrei um que gostasse desse lugar, na verdade odiavam. Hoje há vários depósitos novos chamados "abrigos", os mendigos viraram "moradores de rua" e ao invés de recolhidos passaram a ser "acolhidos". Mudou a linguagem, mas a política é a mesma: expulsar dos bairros da classe media a população sem teto que enfeia as suas ruas e provoca repulsa e medo.

Sempre houve, portanto, moradores de rua nas cidades brasileiras. Mas quando, como agora, a economia do país vai mal esta população aumenta e a classe media passa a sentir-se ainda mais incomodada e ameaçada. E logo o sentimento de repulsa e medo se transforma em ódio, que passa a ser explorado pelos partidos políticos de direita, por empresas de segurança privada e por grupos de extermínio.

Ontem, um morador do bairro postou no grupo "Desordem Urbana em Botafogo e adjacências", da AMAB, uma selfie que tinha ao fundo uma pessoa dormindo numa calçada. Em tom de deboche reclamou do mau cheiro que esta pessoa exalava. Uma moradora fez-lhe coro. Mas foi uma postagem tão covarde e cruel que todos os comentários seguintes a condenaram e ela acabou sendo apagada, não sei se pelo próprio autor do post ou pela administração do grupo. Antes da exclusão, eu já havia iniciado um cometário indignado que se estendeu como reflexão sobre as causas da situação que ele retratara e suas soluções, com uma abordagem diferente da que geralmente fazem por aqui.

Digo neste comentário que o crescimento da população de rua resulta da política econômica do governo federal e que logicamente só uma mudança radical desta política é que poderá reduzir a população de rua. E digo que esta mesma política econômica deixa as prefeituras todas sem um mínimo de recursos necessários para implementar as medidas paliativas que a gravidade da situação requer. Como conclusão, afirmo que quem deve ser cobrado a tomar providências que solucionem o problema dos moradores de rua, não é a prefeitura e sim o governo federal, e que também do governo federal se deve cobrar uma política econômica que favoreça às prefeituras, proporcionando-lhes recursos que possibilitem o bom desenvolvimento de políticas públicas de caráter emergencial.

Não havendo, no entanto, mais o post motivador do que escrevi, suprimi do texto o protesto e publiquei a reflexão como status. Achei que era oportuno expressar minha opinião naquele fórum, na presença de representantes da prefeitura e da PM, que são tão cobrados e tão pouco conseguem fazer, no momento em que o tema foi reapresentado por um morador do bairro, ainda que de forma inadequada. Mas pouco tempo depois de ser publicado, o meu texto foi deletado. Postei outro status perguntando diretamente à presidente da associação a razão da exclusão e este post também foi apagado, sem nenhuma explicação.

A AMAB de Regina Chiaradia nunca foi uma associação de moradores realmente democrática, por isso não estranho a censura política que impõe em seu grupo do Facebook. É uma associação de moradores que se diz apartidária mas se comporta como anti-partidária e hoje se sabe muito bem a que partidos, ideologia e interesses o anti-partidarismo tem servido, a despeito do discurso moralista.

Segue o texto censurado, logo abaixo da imagem.

Silvio Melgarejo

21/06/2019



"Acolhimento" é um eufemismo que quer dizer expulsão. Não é a presença do sem teto que me incomoda. O que me incomoda e revolta é que, num país tão rico, a maioria dos cidadãos seja privada de uma vida digna enquanto alguns poucos multiplicam fortunas sem nada produzir para a sociedade, apenas fazendo aplicações financeiras, remuneradas pelos impostos que todos pagamos.

A nação quase toda ignora, mas está trabalhando para pagar a bolsa banqueiro. Quase metade dos tributos é destinada ao pagamento de uma dívida pública de origem desconhecida, que mais parece dívida de cartão de crédito ou cheque especial: quanto mais se paga, mais se deve.

Os ricos estão se apropriando de uma parcela cada vez maior dos recursos do orçamento público e deixando o Estado completamente sem dinheiro para cumprir as obrigações que a Constituição lhe determina.

Falta dinheiro para tudo no governo federal, nos governos estaduais e nas prefeituras. Menos para o pagamento de juros aos rentistas. É um verdadeiro vampirismo, que compromete o funcionamento do Estado e inviabiliza o crescimento econômico e a geração de emprego e renda para a população.

O governo dos ricos para os ricos não quer saber da classe media e dos pobres. Pouco ou nada lhe importa se a vida nas cidades se degrada e milhões de brasileiros padecem de fome e doença nas ruas.

A zona sul do Rio é uma área privilegiada da cidade, mas não pode ser isolada do país. É impossível evitar que a gravíssima crise social do Brasil atinja Botafogo, porque já é enorme o número de vítimas da política econômica do governo central e este número não para de crescer. A prefeitura não fará milagres.

Enquanto Bolsonaro, Mourão, Guedes e Moro continuarem com esta política, os moradores de Botafogo terão que conviver com a miséria dos seus compatriotas deserdados. Eles já são muitos e serão a cada dia mais numerosos, porque não param de ser despejados nas ruas.

É hora de atacar com firmeza as verdadeiras causas desta tragédia social, que não estão nos níveis municipal e estadual de governo e sim na presidência da república. A AMAB não pode ignorar este fato e continuar cobrando da prefeitura o que mais depende do governo federal.

Silvio Melgarejo
20/06/2019

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