sexta-feira, 3 de março de 2017

Sem quadros, não funcionam diretórios, nem núcleos.

(Oitava contribuição enviada à Tribuna de Debates do 6º Congresso do PT, no site oficial do partido)

Continuação do texto "Porque fracassou a política de núcleos de base"

A resolução do 5º Encontro diz que se queremos "dirigir a luta pelo socialismo (...) precisamos de um partido organizado e militante", de "um partido que seja de massas porque organizará milhares, centenas de milhares ou até milhões de trabalhadores ativos nos movimentos sociais", e que a construção de um partido assim "implica a necessidade de quadros organizadores". A resolução reconhece que a criação e manutenção dos núcleos de base depende da existência de quadros organizadores e políticos ao dizer, como vimos no texto anterior, que a falta destes quadros era causa da insuficiência e precariedade dos núcleos. Mas o que são quadros? E onde eles estão?

O que são QUADROS


Se militante é o filiado em ação, quadro é o militante que se distingue entre os demais militantes por uma superior disposição e disponibilidade para servir ao partido e por uma superior capacidade de liderança, de elaboração política, de concepção de projetos e realização de tarefas. Os quadros, como todos os demais militantes, distinguem-se uns dos outros por seus talentos e vocações, por seus conhecimentos e habilidades, e por suas disposições e disponibilidades. O trabalho organizativo do partido consiste exatamente em identificar estas características e dar a cada um a missão que está mais apto a realizar.

Quadros POLÍTICOS e quadros ADMINISTRATIVOS


O bom funcionamento do partido consiste na correta realização de tarefas políticas e administrativas. Toda instância partidária, seja diretório ou núcleo de base, precisa tanto de quadros políticos quanto de quadros administrativos para realizá-las. O quadro político concebe a política, ou seja, propõe ao partido objetivos e as ações destinadas a alcança-los. Já o quadro administrativo cuida dos meios, dos aspectos práticos, da obtenção e manejo dos recursos necessários para a implementação das ações definidas. O quadro administrativo é aquele militante que se mostra mais capaz de realizar as tarefas relacionadas à montagem e manutenção da infraestrutura do partido, enquanto o quadro político é aquele outro militante que mostra maior capacidade para realizar a política, dirigindo a infraestrutura partidária. O quadro administrativo organiza a base. O quadro político lidera. Onde falta o quadro político, a ação partidária se inviabiliza por falta de motivação. Mas onde falta o quadro administrativo, a ação partidária se inviabiliza por falta de meios.

Sem quadros, não funcionam diretórios, nem núcleos


Os quadros são os construtores e operadores do partido. Sem eles, não há diretório e não há núcleo que consiga ter uma existência relevante, cumprindo adequadamente as importantes funções que lhes são inerentes. Não se constroem diretórios, não se constroem núcleos e não se consegue garantir a estas instâncias um funcionamento que as torne politicamente produtivas se não houver quadros políticos e administrativos dedicados ao trabalho cotidiano em cada uma delas. Sem quadros, nada se constrói e nada funciona no partido.

Quadros DIRIGENTES e quadros de BASE


Todo membro de diretório deve ser um quadro. Mas nem todo quadro será membro de diretório, porque, felizmente, há mais quadros num partido de massas do que cargos nos diretórios. A maioria dos quadros está na base do partido e é com eles que os dirigentes devem trabalhar na construção de cada instância e na garantia do funcionamento de todas, que é a condição primordial para a realização correta e plena da política do partido. Mas para trabalhar com os quadros de base, os dirigentes precisam antes identificá-los e estabelecer com eles uma relação de parceria e confiança.

Como identificar quadros de base


O quadro de base só se revela na ação partidária e isso quem tem que promover é a própria direção do partido. A ação metódica e sistemática, tanto política quanto administrativa, dos quadros dirigentes sobre suas bases, estimulando-as, pelo exemplo e pelo chamamento constante, à participação, é a única maneira que existe de provocar a movimentação dos filiados, observar suas iniciativas e desempenhos e identificar as características que cada um revela. Sem oportunidades e estímulos permanentes à participação, não há militância partidária. E sem militância partidária, não há condições para que se revelem novos quadros, porque todo quadro nasce da militância de base. Por isso, a maior e mais importante missão dos dirigentes é exatamente criar as condições para a emergência de novos quadros de base, principalmente de quadros jovens, que revitalizem permanentemente o partido com seu vigor e dinamismo e que possam se constituir como alternativas para a renovação da composição da sua cadeia de comando.

Silvio Melgarejo

03/03/2017

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quinta-feira, 2 de março de 2017

Porque fracassou a política de núcleos de base.

(Sétima contribuição enviada à Tribuna de Debates do 6º Congresso do PT, no site oficial do partido)

Continuação do texto "'Nossos núcleos são poucos e precários', já dizia o 5º Encontro, de 1987"

O 5º Encontro foi muito preciso ao apontar a desorganização da base de filiados do PT e o mal funcionamento da cadeia de comando do partido. Mas não foi capaz de enxergar claramente ou, se enxergou, preferiu omitir, que este era a principal causa daquela, que a desorganização da base era consequência direta e inevitável do mal funcionamento das instâncias dirigentes, tratou as duas coisas como questões paralelas. E não viu ou não quis admitir a relação intrínseca entre os dois problemas porque estava preso a uma proposta de esquema de funcionamento do partido no qual, de acordo com a resolução aprovada, "os núcleos devem ser entendidos como elementos de organização de base" enquanto os diretórios devem ser "elementos de centralização política e coordenação". A resolução do 5º Encontro diz que "se os núcleos devem ser entendidos como elementos de organização de base, de discussão e intervenção, os Diretórios, as sub-regiões e as regiões devem ser fortalecidas como elementos de centralização política e coordenação". Ou seja, estabeleceu-se, porque pretendia-se, que o agente organizador da base partidária deveria ser o núcleo de base e não o diretório, que trataria apenas da centralização política, para construir a unidade de ação dos núcleos. Núcleos organizam, diretórios dirigem. Assim se definiu, quase como um princípio, que o partido teria que funcionar. Só que não funcionou.

A verdade é que a política de organização da base do PT em núcleos simplesmente fracassou. Em 1987 o 5º Encontro reconheceu isto e fez até algum esforço para tentar entender as razões do malogro, um esforço do qual resultou um texto que, entre explicações explícitas e implícitas, ou seja, apresentadas sob a vestimenta de medidas destinadas a sanar certas deficiências, toma alguns efeitos por causas, mas aproxima-se dos fatores realmente determinantes do insucesso quando toca na questão dos papeis da direção e da imprensa do partido.

Razões apontadas pelo 5º Encontro


Diz o parágrafo 218 da resolução do 5º Encontro:
"Atualmente, nossos núcleos de base são poucos e, na maioria das vezes, precários, havendo uma enorme distância entre os nossos desejos e a realidade. As razões disso são inúmeras: a pouca experiência política da maioria dos militantes petistas (o que é próprio de um partido em construção e que cresce rapidamente); de quadros organizadores; a falta de infra-estrutura para o funcionamento dos núcleos (o que nos remete à questão das finanças); a falta de maior formação política; os entraves que vêm da legislação partidária herdada da Ditadura, e que se expressam no nosso Regimento (que, na verdade, termina priorizando os Diretórios com relação aos núcleos). O funcionamento regular dos núcleos deve ser estimulado e assistido pelos órgãos de direção, que devem tanto propor orientações políticas e propostas de atividades, quanto acompanhar essas atividades. Além disso, esse funcionamento regular exige uma alimentação constante pela imprensa do Partido, única forma de propiciar uma discussão política mais rica. Um jornal de massas é indispensável."
Convém analisar com lupa este parágrafo para avaliar o real significado e valor de cada fator apresentado. Em primeiro lugar, a mencionada "pouca experiência política da maioria dos militantes petistas" pode ser traduzida como "falta de quadros políticos". Já o trecho "de quadros organizadores", do modo como está redigido, não quer dizer absolutamente nada. Mas, compreende-se, pelo contexto, que, por um erro de redação, foi omitida a palavra "falta" antes dele, sendo, portanto, presumível que esta razão citada pela resolução seja, na verdade, a "falta de quadros organizadores". A falta de quadros organizadores e a falta de quadros políticos são, a meu ver, fatores realmente relevantes que precisam ser considerados, assim como "a falta de maior formação política", que também é mencionada e da qual pretendo tratar num capítulo à parte.

"A falta de infra-estrutura para o funcionamento dos núcleos (o que nos remete à questão das finanças)" não é, na verdade, causa e sim expressão da precariedade do funcionamento dos núcleos. Já o trecho que dá como razão desta precariedade "os entraves que vêm da legislação partidária herdada da Ditadura, e que se expressam no nosso Regimento (que, na verdade, termina priorizando os Diretórios com relação aos núcleos)", é revelador do conceito absolutamente negativo que a vanguarda de 87 tinha dos diretórios e da intenção desta vanguarda de priorizar a construção dos núcleos em relação à construção dos diretórios. Esta intenção se explicita claramente no parágrafo 226 da resolução, que diz que "a construção do PT deve priorizar a nucleação dos filiados e militantes, a assistência aos núcleos de base já existentes e a criação de novos núcleos".

Tratemos agora das razões do fracasso da política de núcleos implicitamente reconhecidas pelo 5º Encontro. Subentende-se da afirmação de que "o funcionamento regular dos núcleos deve ser estimulado e assistido pelos órgãos de direção, que devem tanto propor orientações políticas e propostas de atividades, quanto acompanhar essas atividades", que nada disso era feito em 1987, senão não precisaria ser recomendado. Faltava, portanto, além dos quadros de base, para fundarem e manterem o funcionamento dos núcleos, a presença dos membros dos diretórios na base, fomentando e liderando o processo organizativo. O problema é que a saúde dos diretórios nunca foi muito melhor do que a saúde dos núcleos. O próprio 5º Encontro informa, que "o funcionamento das nossas instâncias diretivas é extremamente precário". E o funcionamento das instâncias diretivas era precário exatamente porque, de acordo com o parágrafo 201 da resolução, "no anseio de criar um partido aberto, democrático e de massas, deixamos num segundo plano a organização de suas instâncias".

E, finalmente, ao dizer que o funcionamento regular dos núcleos "exige uma alimentação constante pela imprensa do Partido, única forma de propiciar uma discussão política mais rica" e que, por conseguinte, "um jornal de massas é indispensável", a resolução do 5º Encontro deixa implícita, como mais uma causa do fracasso da política de núcleos de base, a falta de um jornal nacional do PT que chegasse a todos os filiados. A produção e distribuição deste jornal, por sua vez, dependeria do funcionamento pleno e regular de todos os diretórios, o que, como já vimos, não acontecia naquela época, como não acontece hoje.

De modo que faltavam quadros de base, faltava a presença e o trabalho político e organizativo dos dirigentes na base, faltava o funcionamento pleno e regular dos diretórios e faltava um jornal do partido que chegasse a todos os filiados. De todos os fatores citados de forma explícita ou implícita pela resolução do 5º Encontro como causas do fracasso da política de núcleos, considero que estes são os únicos realmente válidos e que merecem ser considerados. E todas estas causas continuam presentes no PT até hoje, produzindo exatamente os mesmos efeitos que produziam em 1987: a completa inviabilização da política de núcleos e a preservação de uma situação de absoluta desorganização e desmobilização na base do partido.

Fundar e manter um núcleo: Direito de todos, DEVER de NINGUÉM


A primeira coisa que se precisa ter claro, para entender o fracasso da política de organização da base de filiados do PT em núcleos é que, estatutariamente, fundar e manter um núcleo é um direito de todo filiado, mas não é dever de ninguém. E direito se exerce quando se quer. Ou melhor, quando se quer e quando se pode. Porque, quase sempre o que acontece é que o desejo do filiado de fundar um núcleo, por maior que seja, esbarra e para na sua falta de aptidão e meios para a realização do conjunto das tarefas políticas e administrativas que esta iniciativa necessariamente envolve. Então o filiado acaba desistindo de fundar o núcleo ou, quando funda, não consegue manter ou mantém o núcleo de modo muito precário.

A instituição desta unidade de construção partidária chamada núcleo de base, significa que o partido admite e espera a auto-organização dos filiados. O núcleo de base, quando se materializa tal como idealizado, é e será sempre um produto da auto-organização da base. Por isso é que a resolução do 5º Encontro diz que "é preciso que façamos uma verdadeira campanha no sentido de ganhar os petistas para a ideia da importância de organizar os núcleos".

Mas e se os filiados de base não quiserem ou não se sentirem capazes de se auto-organizarem, se, por esta falta de motivação ou competência, ao invés de tomarem qualquer iniciativa, esperarem pela iniciativa e comando dos dirigentes para o trabalho organizativo? O que fazem os dirigentes? O que fazem quando não acontece espontaneamente a auto-organização dos filiados que se espera que haja? Cruzam os braços e lamentam?

Pois é exatamente esta atitude omissa que os dirigentes do PT têm tido desde sempre, quando deveriam, isto sim, chamar para si a total responsabilidade pela organização da base do partido, assumindo o papel de organizadores, como certamente deles espera a maior parte dos filiados. Porque se para os filiados de base, a auto-organização é um direito democrático que precisa ser conservado, para os dirigentes do partido, o trabalho de organização da base deveria ser obrigação. O problema é que, até hoje, não é. Por isso é que a política de núcleos fracassou e é por isso que a base do PT nunca pode ser organizada. Afinal, como pode uma política dar certo se ninguém é responsável por ela, se sua realização é opcional, facultativa, se esta política não é uma clara e firme determinação do partido, mas apenas uma sugestão, que quem quer segue e quem não quer deixa de lado?

A verdade é que a base do PT precisa ser organizada, com ou sem núcleos, porque sem uma base de filiados organizada não se realiza nem a democracia interna do partido, nem a política que o partido precisa levar para as ruas. Mas se queremos que esta organização seja em núcleos é preciso que tenhamos claro que uma base de filiados não cultivada pelos diretórios muito dificilmente os produzirá, porque faltará comando para o trabalho organizativo e estarão ausentes os quadros dirigentes e ainda inativos os potenciais quadros de base, que a direção partidária poderia e deveria identificar e incorporar às suas equipes de trabalho.

Silvio Melgarejo

02/03/2017

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"Nossos núcleos são poucos e precários", já dizia o 5º Encontro, de 1987.

(Sexta contribuição enviada à Tribuna de Debates do 6º Congresso do PT, no site oficial do partido)

Como construir um partido capaz de mobilizar o conjunto dos seus filiados para participar ativamente da formulação e implementação da sua política? Para os fundadores do PT isto poderia ser conseguido através da organização destes filiados em unidades básicas de construção partidária chamadas "núcleos de base".

O que são Núcleos de Base


A primeira versão do estatuto do PT, da época em que o partido foi fundado, diz que "os filiados de um mesmo domicílio eleitoral organizar-se-ão em Núcleos de Base, por local de moradia, por categoria profissional, por local de trabalho ou por movimentos sociais", e que as funções destes núcleos de base são "organizar a ação política dos filiados, segundo a orientação dos órgãos de deliberação e direção partidária, estreitando a ligação do Partido com os movimentos sociais"; "emitir opinião sobre as questões municipais, regionais e nacionais que sejam submetidas a seu exame pelos respectivos órgãos de direção partidária"; "aprofundar e garantir a democracia interna do Partido dos Trabalhadores"; "promover a educação política dos militantes e filiados"; "sugerir aos órgãos de direção partidária consulta aos demais Núcleos de Base sobre questões locais, regionais ou nacionais de interesse do Partido"; e "convocar o Diretório Municipal, nos termos do art. 22 deste Estatuto".

Hoje, modificado por resoluções aprovadas nos congressos e encontros nacionais que o PT vem realizando desde aquele tempo, o Estatuto diz que "são considerados Núcleos quaisquer agrupamentos de pelo menos 9 (nove) filiados ou filiadas ao Partido, organizados por local de moradia, trabalho, movimento social, categoria profissional, local de estudo, temas, áreas de interesse, [e] atividades afins, tais como grupos temáticos, clubes de discussão, círculos de estudo, coletivos nas redes sociais da internet e outros". A atual versão do Estatuto diz também que os núcleos "são instrumentos fundamentais da organização partidária e da atuação do PT nas comunidades e nos setores, e de integração [do partido] com os movimentos sociais", mantendo praticamente a mesma redação da primeira versão para o artigo em que são descritas as suas funções.

O mito do Partido dos Núcleos


Os núcleos de base, como conceito, tem sido símbolos da vocação democrática do PT, desde a fundação do partido. O problema é que, na prática, raramente têm funcionado. Creio que há consenso no PT hoje de que eles são muito poucos e que funcionam, quase sempre, precariamente, atendendo a públicos bastante reduzidos. E algo que frequentemente se ouve, ao lado dessas constatações, é que o PT precisaria voltar a ser o que foi no passado, quando supostamente teria tido, em grande quantidade, núcleos de base fortes e atuantes, com intensa participação dos filiados.

Digo "supostamente" porque estou convencido de que este passado, que tanto se evoca e tanto se exalta, na verdade nunca existiu, de que o PT nunca teve a sua base realmente organizada em núcleos, que isto não passa de um mito, um mito que precisa ser desfeito, porque ajuda a mascarar as verdadeiras causas da situação dramática que temos hoje, de completa desorganização da base de filiados do partido. Pois se se admite que houve um momento em que a política de núcleos funcionou de maneira satisfatória, deduz-se que nesse momento o PT sabia muito bem o que fazer para alcançar tal resultado, e que se os núcleos, de uma hora para outra, deixaram de funcionar, não haveria de ser por outra razão senão o seu deliberado abandono pelos dirigentes e pelos próprios filiados de base, subitamente tomados pelo desinteresse em participar e garantir que eles funcionassem.

Estou convencido de que não foi nada disso, de que, na verdade, a política de núcleos de base do PT teve problemas desde o início para ser desenvolvida e que nunca alcançou, minimamente, os objetivos para os quais foi concebida.

Um balanço que está por ser feito


Diz uma resolução aprovada pelo 1º Congresso Nacional do PT, de 1991, que "ainda está por ser feito um balanço global – histórico, político e organizativo – da experiência de construção" do PT e que "é o estudo" dessa experiência "que pode servir como inspiração fundamental para as alterações, que se fazem necessárias, na forma de construir" o partido.

Pois passaram-se já 25 anos desde o 1º Congresso, este balanço global continua por ser feito e tornou-se agora absolutamente urgente por força da necessidade imperiosa de se preparar o partido para enfrentar adequadamente a violenta ofensiva em que direita e burguesia se empenham contra a esquerda e a classe trabalhadora.

Fazer um balanço global da construção do PT significa resgatar a história política e administrativa do partido e avaliar os resultados das escolhas feitas à luz dos seus valores, princípios e objetivos estratégicos, sem deixar de considerar as circunstâncias em que cada decisão foi tomada.

Como toda história é feita de versões construídas a partir de documentos, uma pesquisa sobre a história política e administrativa do PT não pode deixar de ter como fonte primária e ponto de partida os documentos coletivamente concebidos e democraticamente aprovados como resoluções nos congressos e encontros nacionais que o partido vem realizando desde a sua fundação.

E o que estes documentos atestam claramente é que o PT, de fato, nunca foi o "Partido dos Núcleos de Base" que sempre pretendeu ser e que a democracia interna do PT sempre foi extremamente limitada, extremamente prejudicada por problemas administrativos, problemas graves de organização e funcionamento interno.

5º Encontro Nacional do PT


Em 1987 o Brasil vivia um momento de grande efervescência política e ascenso do movimento de massas. As greves se multiplicavam por todo o país. Era o primeiro ano da Constituinte que deu origem à Carta Magna de 88 e as diversas frentes de luta por direitos de cidadania se mobilizavam intensamente pela aprovação das "emendas populares" que apresentavam. O PT tinha apenas sete anos de existência e uma atuação fortemente caracterizada pela defesa da independência política da classe trabalhadora em relação à burguesia. Nestes dias de uma fase que todo petista considera a época de ouro do PT, o partido realizou o seu 5º Encontro Nacional. E neste 5º Encontro Nacional, em 1987, aprovou-se uma resolução com afirmações sobre a organização e funcionamento do partido que poderiam perfeitamente ser aprovadas pelo 6º Congresso, deste ano em que estamos, porque correspondem fielmente à realidade do PT dos nossos dias.

Crise organizativa


Diz a resolução do 5º Encontro que "continuamos vivendo uma crise organizativa no PT"; que "hoje, estão evidentes as limitações de nossa organização, de nossas instâncias e quadros dirigentes"; que "a cada dia que passa, aumentam as tarefas e cresce nossa base social, mas a nossa estrutura não corresponde às necessidades da luta política"; que "milhares de militantes ainda permanecem alheios às suas instâncias organizativas"; que, "atualmente, nossos núcleos de base são poucos e, na maioria das vezes, precários"; que "os núcleos estão abandonados", "desprestigiados" e que "têm enfrentado sérias dificuldades para se generalizarem e se constituírem em organismos de massa"; que "não fomos capazes de dar a devida atenção às tarefas que a construção do PT exige"; e que o PT "até hoje, não conseguiu formular nem implementar uma política de organização que estimulasse o crescimento do Partido do ponto de vista orgânico (nucleação, formação política, finanças etc.)".

O texto da resolução registra a "fragilidade econômica" do PT, que já levava na época ao "fechamento de sedes de núcleos e Diretórios" e inviabilizava completamente a imprensa partidária, sem a qual estabelecia-se um quadro geral de "carência de informação política dos militantes".

Havia, segundo o 5º Encontro, no que diz respeito à política de organização da base do partido em núcleos, "uma enorme distância entre os nossos desejos e a realidade".

A resolução aprovada diz ainda que "ao lado da precariedade de nossa organização na base do Partido, outro ponto de estrangulamento é a falta de uma real centralização do Partido, de unidade de ação por parte dos seus militantes". Diz que "a capacidade de atuação centralizada" depende, entre outros fatores, do "funcionamento pleno das instâncias de direção partidária", mas que "o funcionamento das nossas instâncias diretivas é extremamente precário".

Esta era a situação do PT em 1987. Em que difere da situação que temos hoje?

Origem da crise


O 5º Encontro diz que "a fragilidade das estruturas orgânicas do PT teve início na campanha eleitoral de 1982, quando diluímos nossos núcleos e Diretórios em comitês eleitorais de candidatos que, em sua maioria, terminaram em 15 de novembro daquele ano, com o fim da campanha". Diz também que "de lá para cá, o PT encaminhou com relativo êxito algumas campanhas gerais, porém, até hoje, não conseguiu formular nem implementar uma política de organização que estimulasse o crescimento do Partido do ponto de vista orgânico (nucleação, formação política, finanças etc.)", e que "essa fragmentação tem muito a ver com a postura que se tomou em relação à construção partidária", "mais que isto, tem a ver com a visão do papel do Partido que estamos construindo".

A afirmação da resolução de que o PT "até hoje, não conseguiu formular nem implementar uma política de organização que estimulasse o crescimento do Partido do ponto de vista orgânico" indica que o PT, até àquele ano de 1987, nunca tinha tido esta política, o que explica a fragilidade das estruturas orgânicas apontada. Não foi, portanto, a diluição dos núcleos e diretórios em comitês eleitorais que fragilizou estas instâncias. O que aconteceu foi exatamente o contrário. A fragilidade dos núcleos e diretórios é que provocou as suas diluições, porque os tornou incapazes de concorrerem com os comitês eleitorais como polos de atração da militância.

A campanha de 82, por conseguinte, não deu início, apenas revelou debilidades orgânicas que já existiam desde a fundação do partido, causadas pela falta, mencionada, de "uma política de organização que estimulasse o crescimento do Partido do ponto de vista orgânico (nucleação, formação política, finanças etc.)". A própria resolução do 5º Encontro reconhece isto ao dizer que "as campanhas gerais de intervenção na conjuntura" - e as campanhas eleitorais são também campanhas de intervenção na conjuntura - "se por um lado aumentam as simpatias pelo PT, por outro lado, dissociadas de uma correta política de construção partidária, não conseguiram traduzir-se em aumento do nível de organização e enraizamento do PT na realidade social";  e que "ocorre, por vezes, o inverso, ou seja, o Partido geralmente sai das campanhas mais disperso e desorganizado, portanto, mais fraco para resistir a novos avanços da burguesia". A resolução diz que "o esforço de intervenção na conjuntura, por meio de campanhas gerais, não foi acompanhado por uma política clara de reforço, politização e expansão da nucleação", e que "o resultado [disso] foi a drenagem de forças e elementos para ações gerais e conjunturais, levando a um colapso a estrutura dos núcleos e Diretórios".

Duas teses equivocadas


A resolução do 5º Encontro prova serem equivocadas as duas teses predominantes no PT hoje sobre a origem dos problemas de organização e funcionamento interno do partido. Há quem considere que estes problemas surgiram em 1995, quando o 10º Encontro aprovou a adoção da estratégia de conciliação de classes, tornando a organização e mobilização de base não só desnecessária como contraproducente; e há quem defenda que os problemas começaram a surgir e cresceram à medida que o partido foi conquistando mandatos para governos e parlamentos, que absorveram os quadros mais qualificados e experientes, reduzindo a eficácia do trabalho da direção partidária.

Estas teses perdem completamente sentido ante as afirmações do 5º Encontro de que "continuamos vivendo uma crise organizativa no PT"; de que "hoje, estão evidentes as limitações de nossa organização, de nossas instâncias e quadros dirigentes"; de que "a fragilidade das estruturas orgânicas do PT teve início na campanha eleitoral de 1982"; e sobretudo de que o PT "até hoje, não conseguiu formular nem implementar uma política de organização que estimulasse o crescimento do Partido do ponto de vista orgânico (nucleação, formação política, finanças etc.)".

Estas afirmações, feitas em 1987, mostram que a origem dos problemas de organização e funcionamento interno do PT é anterior à adoção da estratégia de conciliação de classes e até mesmo à conquista dos primeiros mandatos do partido para parlamentos e governos. Portanto, a desorganização e desmobilização da base não foi nem exigência de uma estratégia política, nem efeito do crescimento institucional do partido. A causa ou as causas foram outras.

Silvio Melgarejo

02/03/2017

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